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das próprias indústrias só as artísticas atingem prestigio histórico. Suprima-se a obra dos homens de letras e dos artistas, de Antero de Quental e de Eça de Queirós, de Oliveira Martins e de João de Deus, de Soares dos Reis e de Silva Pôrto, de Ramalho Ortigão e de Rafael Bordalo, para só falar nos mortos, ¿ e que fica afinal da segunda metade do século XIX que nos prestigie? Ainda a glória dos escritores dispensa a protecção do Estado, porque a sua di vulgação depende apenas de serem lidos e comentados com inteligência; mas os artistas, dispersa a sua obra pelas colecções particulares, em geral inacessíveis e até mesmo desconhecidas do público, ¿que destino os espera se os Museus Nacionais, por escassa dotação, não puderem ir escolhendo e conservando a memória viva da sua melhor arte e expondo ao amador, à crítica e à história os documentos mais originais das suas personalidades?

Feita, porém, esta restrição, não ao esforço do organizador, que foi admirável, mas ao valor intrínseco do recheio, que Columbano aliás valorizou extraordinàriamente, graças a virtuosismos de harmonia e a uma discreta distribuïção, é justo considerar e admirar agora todo o partido que desta matéria, nem sempre valiosa, o mestre consegue tirar só pelo ambiente que lhe criou.

Na arte portuguesa há sempre um pouco de timidez, de candura e de confissão; como disse ainda recentemente o sr. Aubrey Bell da literatura, é ainda o subjectivismo que marca. Columbano criou a esta sentimentalidade dos nossos artistas o ambiente de discreta intimidade que melhor acolhe a sinceridade da sua emoção, e protege a timidez de concepções sem ambição, contra as vastas paredes e os altos pés direitos das clássicas galerias de Museu. A arte portuguesa contemporânea falta em geral o sentimento largo da composição ou um vasto espírito decorativo; exprime-se melhor nas pequenas telas, pochades impressionistas, de paisagem, scenas de interior e natureza morta ou o naturalismo do retrato. Mas estas notas, por vezes cheias de pitoresco e de encanto, transportadas para uma galeria de Museu, perdem-se na vastidão desproporcionada dos muros, ou sentem-se, como certas almas, isoladas no meio da multidão que as envolve.

Columbano trouxe-as, porém, carinhosamente, para o recolhimento de velhas dependências conventuais, colocou-as audaciosa

mente sôbre um fundo branco de paredes caiadas, nivelou as telas maiores quási connosco, e entregou-as, entre pilares de cripta, à intimidade do seu sonho, numa meditação de clausura.

Dir-se-ia que a mesma vida discreta e contemplativa que inspirou estas aguarelas, desenhos, pastéis e gravuras, teceu em volta de si, na humildade franciscana da cal e nas encantadoras proporções da cela, o seu casulo de crisálida. Por isso nos é dada por vezes esta ilusão, rara em Museu, da descoberta inesperada duma determinada mancha exposta sem teatralidade e cuja pequenina chama emotiva arde tão perto de nós que toca a nossa sensibilidade.

O hall da escultura é outro triunfo do gôsto do mestre, que resolveu o problema árduo de reünir numa sala única, não só a obra, naturalmente pouco homogénea, de três gerações, mas de harmonizar matérias diversas como o gêsso, o mármore e o bronze.

Columbano associou aqui ao seu génio ordenador o saber e o gôsto do grande mestre do classicismo sr. José Luís Monteiro, cuja decoração arquitectural, baseada em tons marfim e cinza, derrama uma luz que envolve a obra dos nossos escultores. numa auréola de doçura, que afaga o naturalismo da Viúva de Teixeira Lopes, corrige as exuberâncias plásticas e a sensualidade por vezes excessiva de Francisco dos Santos e exalta em-fim o génio de Soares dos Reis. Tudo aparece secretamente fundido na harmonia de um sentimento comum, que marca através das épocas a mesma unidade de sentimento da escultura nacionalsóbria, calma, terna e séria, a qual, desde os mestres medievais de Coimbra, e através o São Bruno de Manuel Pereira em Burgos, revive no génio de Soares dos Reis, que tem aqui o mais importante núcleo da sua obra, em que domina o encantador mármore da Condessa de Vinho e Almedina e o busto da Inglesaobra de síntese em que se reflecte uma raça.

REYNALDO DOS SANTOS

O

SÉCULO XVII

I

E

NTRE as mentiras convencionais da nossa história destaca-se o descrédito do século xvii como uma das mais universalmente aceites. Século em que a Companhia de Jesus exerceu uma verdadeira ditadura moral e intelectual, ennegrecê-lo é dever de quantos, mordidos pelas piores gafas anti-clericais, ainda se gastam no salivoso è anacrónico ódio contra os Jesuitas, verdadeiros obreiros do Portugal-Restaurado, - do Portugal, cujas virtudes tão sólidas como modestas são 0 admirável recheio dêsse não menos admirável século XVII.

Motivam as presentes reflexões o volume, recentemente aparecido, Seiscentismo em Portugal, do dr. Manuel Múrias. Espírito disciplinado por uma prudente cultura, Manuel Múrias pertence a um reduzido, mas iluminado escol de moços que já descreram da mera eventualidade da renovação da pátria por virtude duma simples transformação política, para plenamente entregarem as suas esperanças à ressurreição integral das directrizes obliteradas do génio português. Considerando o problema da revisão da nossa história como fundamental, logo lhe atraíu a atenção recolhida e douta o recolhido e douto século xvii. Cabe a Manuel Múrias a glória de haver, numa visão de conjunto, intentado a reabilitação dum largo período da nossa actividade nacional, ainda que aproveitando materiais carreados por outros, mas com um restrito fim monográfico. Efectivamente, desde Joaquim de Vasconcelos, arredando com mão segura o acervo de calúnias que ennodoavam a figura del-rei D. João IV, a Edgar Prestage e a J. Lúcio de Azevedo, -um, contornando enèrgicamente o complicado perfil de D. Francisco Manuel de Melo, o outro elevando à memória do Padre António Vieira um sólido e imperecível monumento, o século XVII já entrara como tema preferido nos trabalhos dos nossos eruditos

mais reputados. Faltava-nos, porém, uma

Faltava-nos, porém, uma ementa do que êle fôra, não em aspectos parciais e destruncados, mas como unidade sintética dentro do plano geral da nossa história. Sem a pre

tensão de arrumar o assunto, Manuel Múrias conseguiu dar-nos um volume fácil e persuasivo, em que se restitúi ao Seiscentismo o sentido das suas magníficas contribuïções, tão adulteradas e tão pervertidas por uma crítica sectária depois.

Quere-me parecer a mim que o descrédito do século XVII não é apenas obra da falsa e superficial historiografia do século passado. Sobe de-certo a Pombal, a esse nefasto e vigoroso desnacionalizador, rendido por completo aos métodos da Enciclopédia, sobe, sem dúvida, à Dedução cronológico-analítica. A infamação dos Jesuitas, promovida por tão indigno como insubsistente libelo, caiu em cheio sôbre o século XVII, nascido e conformado pela inspiração da Companhia. Mas, se despidos de preconceitos, o considerarmos através da joeira dum frio e imperturbável juízo, não tardaremos a reconhecer que êle, ao lado do século xv, é um século de puro e castiço lusitanismo.'

Não aludiremos agora ao esforço político da Restauração, esfôrço em que as energias colectivas improvisaram uma magnifica pléiade de generais e de diplomatas, saídos quási todos das aulas da Companhia de Jesus e em cuja escolha o dedo de D. João IV se manifesta com adestrada felicidade. Mas fixar-nos hemos um pouco na campanha intelectual desenvolvida em tôrno e a favor da Restauração por um grupo de polemistas experimentados e pertinazes. Trata-se dum capítulo da nossa história, que é simultâneamente um capítulo da história das ideas europeias. Aqui se acolheram os últimos defensores da << liberdade cristã da Europa, numa hora em que o absolutismo real, engrossado pelos ventos da Renascença e da Reforma, estrangulava àvidamente as derradeiras franquias e privilégios, tanto localistas como corporativos, legados pela Idade - Média. incontestàvelmente, são castelhanos em parte os tratadistas que inspiram a agitação filosófica, que a política da Restauração utilizaria com ressonância e labareda, devemos, em todo o caso, acentuar que muitos dêles, com o insigne Suarez à frente, professaram em cátedras portuguesas, acrescendo ainda que, reavivado de S. Tomás e dos seus diligentes comentadores, o alto pensamento que os guiava, se pertencia ao património mental da

Se,

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