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Da fera multidão, fazendo extremos,
Taes Epitaphios tinhão gloriosos:

Dirás, Hóspede, tu, que aqui jazemos
Passados do inimigo ferro, em quanto
As santas Leis da Patria obedecemos.
Fugindo os Persas vão com frio espanto,
Mas achão as mulheres no caminho,
Mostrando-lhes o ventre, em terror tanto.
Pois do damno fugis, vendo-o visinho,
Fracos! vinde a esconder-vos (lhes dizião)
Outra vez no materno e escuro ninho.

Vêde quaes com mais glória ficarião, Se aquelles que morrerão por o Estado, S'estes a quem mulheres injurião?

Mas tu, claro Miguel, que ja acordado Deste sonho tão breve, estás naquella Tôrre do ceo, seguro e repousado;

Onde, com Deos unida a forte e bella
Alma, com teus Maiores reluzindo,
Trocaste cada chaga em clara estrella;

Co'os pés o crystallino ceo medindo,
Nada d'essas altissimas Espheras,
Nem da terreste aos olhos encobrindo;
Agora hum curso e outro consideras,
Agora a vaidade dos mortaes,
Que tu tambem passaras se vivêras,

ELEGIA XI.

Se quando contemplamos as secretas
Causas, por que este mundo se sustenta,
E o revolver dos ceos e dos planetas;
E se quando á memoria se presenta
Este curso do sol tão bem medido,

Que hum ponto só não mingua, nem s'augmenta;
Aquelle effeito, tarde conhecido,

Da lua na mudança tão constante,
Que minguar e crescer he seu partido;
Aquella natureza tão possante

Dos ceos, que tão conformes e contrarios
Caminhão, sem parar hum breve instante;
Aquelles movimentos ordinarios,

A que responde o tempo, que não mente,
Co'os effeitos da terra necessarios;

Se quando, emfim, revolve subtilmente
Tantas cousas a leve phantasia,

Sagaz escrutadora e diligente;

Bem vê, se da razão se não desvia,
Aquelle unico Ser, alto e divino,
Que tudo póde, manda, move e cria.

Sem fim e sem princípio, hum Ser contino;
Hum Padre grande, a quem tudo he possibil,
Por mais que o difficulte humano atino:
Hum saber infinito, incomprehensibil;
Huma verdade que nas cousas anda,
Que mora no visibil e invisibil.

Esta potencia, emfù, que tudo manda,

Esta Causa das causas, revestida
Foi desta nossa carne miseranda.

Do amor e da justiça compellida,

Por os erros da gente, em mãos da gente
(Como se Deos não fôsse) deixa a vida.
Oh Christão descuidado e negligente!
Pondera-o com discurso repousado;
E ver-te-has advertido facilmente.
Ólha aquelle Deos alto e increado,
Senhor das cousas todas, que fundou
O ceo, a terra, o fogo, o mar irado;
Não do confuso caos, como cuidou
A falsa Theologia, e povo escuro,
Que nesta só verdade tanto errou;
Não dos atomos leves d'Epicuro;
Não do fundo Oceano, como Thales,
Mas só do pensamento casto e puro.

Ólha, animal humano, quanto vales,
Pois este immenso Deos por ti padece
Novo estylo de morte, novos males.

Ólha que o sol no Olympo s'escurece,
Não por opposição de outro Planeta;
Mas só porque virtude lhe fallece.

Não vês que a grande máchina inquieta
Do mundo se desfaz toda em tristeza,
E não por causa natural secreta?

Não vês como se perde a Natureza?
O ar se turba? o mar batendo geme,
Desfazendo das pedras a dureza?

Não vês que cahe o monte, a terra treme? E que lá na remota e grande Athenas

O docto Areopagita exclama e teme?
Oh summo Deos! tu mesmo te condenas,
Por o mal em qu'eu só sou o culpado,
A tamanhas affrontas, tantas penas?

Por mi, Senhor, no mundo reputado
Por falso, e violador da sacra Lei?
A fama a ti se põe do meu peccado?

Eu, Senhor, sou ladrão, tu justo Rei.
Pois como entre ladrões eu não padeço?
A pena a ti se dá do qu'eu errei?

Eu servo sem valor, tu immenso preço,
Em preço vil te pões, por me tirares
Do captiveiro eterno que mereço?

Eu por perder-te, e tu por me ganhares Te dás aos soltos homens, que te vendem, Só para os homens presos resgatares?

A ti, que as almas séltas, a ti prendem? A ti summo Juiz, ante Juizes

Te accusão por o error dos que te offendem?
Chamão-te malfeitor; não contradizes:
Sendo tu dos Prophetas a certeza,
Dizem que quem te fere prophetizes.
Rim-se de ti; tu choras a crueza

Que sobre elles virá: a gente dura,
Por quem tu vens ao mundo, te despreza.
O teu rosto, de cuja formosura
Se veste o ceo e o sol resplandecente,
Diante quem pasmada está a Natura,
Com cruas bofetadas da vil gente,
De precioso sangue está banhado,
Cuspido, atropellado cruelmente.

Aquelle corpo tenro e delicado, Sobre todos os Santos sacrosanto, A açoutes rigorosos desangrado;

Despois coberto mal d'hum pobre manto, Que se pegava ás carnes magoadas Para dobrar-lhe as dores outro tanto.

Magoavão-no as chagas não curadas, Hum tormento causando-lhe excessivo Ao despir por as mãos crueis e iradas. As venerandas barbas de Deos vivo De resplandor ornadas, s'arrancavão Para desempenhar a Adão captivo.

Com cordas por as ruas o levavão, Levando sobre os hombros o trophéo Da victoria qu'as almas alcançavão. Ó tu, que passas, homem Cyrenêo, Ajuda hum pouco a est' Homem verdadeiro, Que agora, como humano, enfraqueceo. Ólha que o corpo afflicto do marteiro, E dos longos jejuns debilitado, Não póde ja co'o pêso do madeiro.

Oh não enfraqueçais, Deos incarnado! Essas quédas, que tanto vos magôão, Supportae Cavalleiro sublimado.

Aquellas altas vozes, que lá sôão, Dos Padres são, que o Limbo tee escuro, E ja de louro e palma vos corôão. Todos vos bradão que subais o muro Da cidade infernal, e que arvoreis Em cima essa bandeira mui seguro.

Oh Santos Padres! não vos apresseis;

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