Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Não posso sem te ver desejar vista;
Na tua vista só se via a glória,

Não ver a glória tua he ver meu damno.
Não via maior glória que meu damno,
Qnando do damno meu eras contente:
Agora me he tormento a maior glória,
Que póde prometter-me Amor na vida,
Pois tornar-te não póde á minha vista,
Que só na tua achava a luz do dia.

E pois de dia em dia cresce o damno, Nem posso sem tal vista ser contente, Só com perder a vida acharei glória.

SEX TINA IV.

Sempre me queixarei desta crueza
Que Amor usou comigo quando o tempo,
A pezar de meu duro e triste fado,
A meus males queria dar remedio,
Em apartar de mi aquella vista,
Por quem me contentava a triste vida.
Levára-me, oxalá, traz ella a vida,
Para que não sentíra esta crueza
De me ver apartado de tal vista!

E praza a Deos não veja o proprio tempo
Em mi, sem esperança de remedio,
A desesperação d'hum triste fado!

Porém ja acabe o triste e duro fado!

Acabe o tempo ja tão triste vida,
Qu'em sua morte só tee seu remedio.
O deixar-me viver he mor crueża,
Pois desespéro ja d'em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vista.

Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quizeste que a levasse o tempo?
E se o assi quizeste, porque a vida
Me deixas para ver tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remedio?
Tu só de minha dor eras remedio,
Suave, deleitosa e bella vista.
Sem ti, que posso eu ver senão crueza?
Sem ti, qual bem me póde dar o fado,
Se não he consentir que acabe a vida?
Mas elle della me dilata o tempo.

Azas para voar vejo no tempo, Que com voar a muitos foi remedio ; E só não vôa para a minha vida. Para que a quero eu sem tua vista? Para que quer tambem o triste fado Que não acabe o tempo tal crueza?

Não poderão fazer crueza, ou tempo, Fòrça de fado, ou falta de remedio, Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida.

ELE

GIAS.

ELEGIA I.

O sulmonense Ovidio desterrado
Na aspereza do Ponto, imaginando
Ver-se de seus Penates apartado;

Sua chara mulher desamparando,
Seus doces filhos, seu contentamento,
De sua Patria os olhos apartando;

Não podendo encobrir o sentimento, Aos montes ja, ja aos rios se queixava De seu escuro e triste nascimento.

O curso das estrellas contemplava, E aquella ordem com que discorria O ceo e o ar, e a terra adonde estava. Os peixes por o mar nadando via, As feras por o monte procedendo Como o seu natural lhes permittia. De suas fontes via estar nascendo Os saudosos rios de crystal, Á sua natureza obedecendo.

Assi só, de seu proprio natural Apartado, se via em terra estranha, A cuja triste dor não acha igual.

Só sua doce Musa o acompanha Nos soidosos versos qu'escrevia, E nos lamentos com que o campo banha. Dest'arte me figura a phantasia A vida com que morro, desterrado Do bem qu'em outro tempo possuia. Aqui contemplo o gôsto ja passado, Que nunca passará por a memoria De quem o traz na mente debuxado. Aqui vejo caduca e debil glória Desenganar meu êrro co'a mudança Que faz a fragil vida transitoria.

Aqui me representa esta lembrança Quão pouca culpa tenho; e m' entristece Ver sem razão a pena que m'alcança. Que a pena que com causa se padece, A causa tira o sentimento della; Mas muito doe a que se não merece.

Quando a roxa manhãa, dourada e bella, Abre as portas ao sol e cahe o orvalho, E torna a seus queixumes Philomela ;

Este cuidado, que co'o somno atalho, Em sonhos me parece; que o que a gente Por seu descanso tee me dá trabalho.

E despois de acordado cegamente, (Ou, por melhor dizer, desacordado, Que pouco acordo logra hum descontente) Daqui me vou, com passo carregado, A hum outeiro erguido, e alli m'assento, Soltando toda a redea a meu cuidado.

Despois de farto ja de meu tormento,

Estendo estes meus olhos saudosos

Á parte donde tinha o pensamento.
Não vejo senão montes pedregosos;
E sem graça e sem flor os campos vejo,
Que ja floridos víra, e graciosos.
Vejo o puro, suave e rico Tejo,
Com as concavas barcas, que nadando
Vão pondo em doce effeito o seu desejo.
Humas com brando vento navegando,
Outras com leves remos brandamente
As crystallinas ágoas apartando.

D'alli fallo com a ágoa que não sente
Com cujo sentimento est' alma sae
Em lagrimas desfeita claramente.
Ó fugitivas ondas, esperae;

Que pois me não levais em companhia, Ao menos estas lagrimas levae.

Até que venha aquelle alegre dia Qu'eu vá onde vós ides, livre e ledo. Mas tanto tempo, quem o passaria? Não póde tanto bem chegar tão cedo: Porque primeiro a vida acabará, Que se acabe tão aspero degredo.

Mas essa triste morte que virá,

S'em tão contrário estado me acabasse, Est'alma assi impaciente adonde irá?

Que se ás portas Tartaricas chegasse, Temo que tanto mal por a memoria Nem ao passar do Lethe lhe passasse. Que se a Tantalo e Ticio for notoria A pena com que vai, e que a atormenta,

« VorigeDoorgaan »