Não posso sem te ver desejar vista; Não ver a glória tua he ver meu damno. E pois de dia em dia cresce o damno, Nem posso sem tal vista ser contente, Só com perder a vida acharei glória. SEX TINA IV. Sempre me queixarei desta crueza E praza a Deos não veja o proprio tempo Porém ja acabe o triste e duro fado! Acabe o tempo ja tão triste vida, Duro Amor! se pagava só tal vista Azas para voar vejo no tempo, Que com voar a muitos foi remedio ; E só não vôa para a minha vida. Para que a quero eu sem tua vista? Para que quer tambem o triste fado Que não acabe o tempo tal crueza? Não poderão fazer crueza, ou tempo, Fòrça de fado, ou falta de remedio, Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida. ELE GIAS. ELEGIA I. O sulmonense Ovidio desterrado Sua chara mulher desamparando, Não podendo encobrir o sentimento, Aos montes ja, ja aos rios se queixava De seu escuro e triste nascimento. O curso das estrellas contemplava, E aquella ordem com que discorria O ceo e o ar, e a terra adonde estava. Os peixes por o mar nadando via, As feras por o monte procedendo Como o seu natural lhes permittia. De suas fontes via estar nascendo Os saudosos rios de crystal, Á sua natureza obedecendo. Assi só, de seu proprio natural Apartado, se via em terra estranha, A cuja triste dor não acha igual. Só sua doce Musa o acompanha Nos soidosos versos qu'escrevia, E nos lamentos com que o campo banha. Dest'arte me figura a phantasia A vida com que morro, desterrado Do bem qu'em outro tempo possuia. Aqui contemplo o gôsto ja passado, Que nunca passará por a memoria De quem o traz na mente debuxado. Aqui vejo caduca e debil glória Desenganar meu êrro co'a mudança Que faz a fragil vida transitoria. Aqui me representa esta lembrança Quão pouca culpa tenho; e m' entristece Ver sem razão a pena que m'alcança. Que a pena que com causa se padece, A causa tira o sentimento della; Mas muito doe a que se não merece. Quando a roxa manhãa, dourada e bella, Abre as portas ao sol e cahe o orvalho, E torna a seus queixumes Philomela ; Este cuidado, que co'o somno atalho, Em sonhos me parece; que o que a gente Por seu descanso tee me dá trabalho. E despois de acordado cegamente, (Ou, por melhor dizer, desacordado, Que pouco acordo logra hum descontente) Daqui me vou, com passo carregado, A hum outeiro erguido, e alli m'assento, Soltando toda a redea a meu cuidado. Despois de farto ja de meu tormento, Estendo estes meus olhos saudosos Á parte donde tinha o pensamento. D'alli fallo com a ágoa que não sente Que pois me não levais em companhia, Ao menos estas lagrimas levae. Até que venha aquelle alegre dia Qu'eu vá onde vós ides, livre e ledo. Mas tanto tempo, quem o passaria? Não póde tanto bem chegar tão cedo: Porque primeiro a vida acabará, Que se acabe tão aspero degredo. Mas essa triste morte que virá, S'em tão contrário estado me acabasse, Est'alma assi impaciente adonde irá? Que se ás portas Tartaricas chegasse, Temo que tanto mal por a memoria Nem ao passar do Lethe lhe passasse. Que se a Tantalo e Ticio for notoria A pena com que vai, e que a atormenta, |