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Quanto mais offendido, mais seguro:
A Nympha mais segura tudo ouvia,
Mas nada o duro peito commovia.

As lástimas aqui tanto crescêrão,
Que s'em montes de Hircania s'escuitárão,
Tigres nos seios seus mover puderão,
E pedras nos seus cumes abrandárão.
Mas se no peito as tristes vozes dérão
Daquella fera humana que buscárão,
Elle d'as admittir se retirava;

Que na vontade de outro pôsto estava.
Desenganado ja da triste sorte,

De que mal fino amor se desengana,
Com a desperança só de sua morte
Aquellas penas últimas engana.
Deixando na espessura o claro Norte,
Para elle de outra luz mais soberana,
A hum valle aberto então sahir procura,
Cansado ja de andar por a espessura.
Deixando as suas cabras que pascessem
Naquelle verde prado as frescas flores;
Porque os Satyros leves o soubessem,
E os sylvestres Faunos amadores;
Tambem porque os pastores o entendessem,
Todo o processo e fim de seus amores
Escreveo (sem em nada haver mudança)
No tronco d'huma faia por lembrança.

Por lembrança no tronco d'huma faia,
Que vai sahindo ao ceo de puro altiva
Na verde, prateada e aurea praia,
Por onde o claro Tejo se deriva;

Porque tambem ao ceo sua dor saia
Sobre aquella corrente fugitiva,
Escrita no papel da natureza;
Escreve estas palavras de tristeza:
Natercia, Nympha bella, por quem vivo
Em tal tormento, tempo algum me olhou;
Mas des qu'em mi sentio qu'era captivo
Daquelle brando olhar que m'enganou,
O amor tornava em desamor esquivo;
E d'hum tormento tal a outro passou.
Em cousas tão sujeitas a mudança
Nunca ponha ninguem sua esperança.
Para dar proveitosos desenganos
Dos enganos que são de Amor effeitos,
E dos dous sexos publicar, humanos,
A origem das mudanças de seus peitos;
Estas letras aqui por longos anos
Digão a corações a amar sujeitos
Em peito varonil, que de ventura,
Em peito feminil, que de natura.......

Faltou-lhe aqui o alento, e ja cansado
Cahio ao pé da faia em qu'escrevia,
Não podendo seguir o começado,
Porque a alma ja do corpo lhe sahia.
Tres vezes, com accento mal formado,
Para exemplo futuro repetia:
Amantes, entendei que a mór belleza
Somente em ser mudavel tem firmeza.

GLOSA DO SONETO 194.

Cá nesta Babylonia adonde mana
Hypocrisia, engano e falsidade;

Cá donde ousada toda carne humana
A todo arbitrio vive da vontade;
Cá donde enrouqueceo da Lusitana
Musa o furor heroico e suavidade;
Cá donde se produz por cega via
Materia a quanto mal o mundo cria;

Cá donde o puro Amor não têe valia,
Porque Baccho o tee hoje desterrado;
Cá donde a frecha d'ouro não feria,
Senão cabello preto e alfenado;
Cá donde a loura trança não se via,
Nem o rosto de sangue matizado;
Cá donde nada val a glória humana,

Que a mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá donde o mal se affina, o bem se dana,
Se algum a terra em si quer produzir;
Cá donde a falsa gente Mahometana

A glória toda funda em adquirir;
Cá donde multiplica a mão tyrana,
Professa em mais crescer, matar, mentir;
Cá donde o fazer bem he' villania,
E póde mais que a honra a tyrannia;
Cá donde a errada e cega Monarchia
De fabulosas leis está vivendo,

E á força d'hum amor engrandecia
O nefando Alcorão em qu'está crendo;

Cá donde nada val a Poesia,
E s'está da lei della escarnecendo;
Cá donde a fidalguia Mahometana

Cuida qu'um nome vão a Deos engana.
Cá nesta Babylonia, onde a Nobreza
Da Lusitana gente se perdeo;

E do grão Sebastião toda a grandeza
Irreparavelmente se abateo;

Cá donde algum mentir não he baixeza,
E os meritos esmola (assi cresceo
Da cobiça mortal a semrazão)
Co'o esforço e saber, pedindo vão.
Ás portas da cobiça e da vileza
Estes netos de Agar estão sentados
Em bancos de torpissima riqueza,
Todos de tyrannia marchetados.

He do feio Alcorão summa a largueza
Que tee para que sejão perdoados
De quantos erros commettendo estão
Cá neste escuro cáos de confusão.
Cumprindo o curso estou da natureza,
Illustre Dama, neste labyrintho;
Mas quem usa comigo mais crueza,
He tua condição, que n'alma sinto.
Acabe-se algum dia tal tristeza,

E este sentido mal qu'em versos pinto:
E pois n'alma he sentido e coração,
Ve se m'esquecerei de ti, Sião.

A SANTA URSULA.

D'huma formosa virgem desposada,
Que d'outras onze mil, tambem formosas,
Entrou no claro Olympo acompanhada,
Com coroas de lyrios e de rosas;
De Christo Esposo seu tão namorada,
Que delle as quiz fazer todas esposas;
Amor, vida e martyrio cantar quero,
Fiado no favor que della espero.

Alcança, Ursula bella, (que diante
De tão bello esquadrão foste por guia)
De teu suave Amor, que de ti cante
O seu amor que no teu peito ardia.
Meu verso para ti mais se levante,
Ó Christifera, ó heroica companhia;
Tanto se mostre aqui mais soberano,
Quanto o divino Amor excede o humano.
E vós, unica Mãe e Virgem pura,
Pois sois das que tal ordem escolherão,
Que fostes, sois, sereis guarda segura
Da pureza que a Deos offerecêrão;
Neste canto me dae melhor ventura

Do que atégora as Musas vãas me derão:
Vossas servas serão de mi servidas,
Cantadas suas mortes, suas vidas.
Serenissima Infante, produzida

Do grão Tronco Real, sublime Planta;
No titulo, nas obras e na vida,

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