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A alma em sentimentos
Gasta noute e dia,

Sem vós que al faria?

Pedro de Andrade Caminha

Outono

O SOL é grande, caem co'a calma as aves
Do tempo em tal sazão que soe de ser fria:
Esta agua, que d'alto cae, acordar-me-ia

Do somno não, mas de cuidados graves.
Ó coisas todas vās, todas mudáves,
Qual é o coração que em vós confia?
Passando um dia vae, passa outro dia,
Incertos todos mais que ao vento as naves!
Eu vi já por aqui sombras e flôres,
Vi aguas e vi fontes e vi verdura,
As aves vi cantar todas d'amores.

Mudo e secco é já tudo e de mistura !—
Tambem fazendo m'eu fui d'outras côres;
E tudo o mais renova, isto é sem cura!

LUIS DE CAMÕES

AQUELLA triste e leda madrugada,
Cheia toda de magoa e de piedade,
Emquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ella só, quando amena e marchetada
Sahia, dando á terra claridade,
Viu apartar-se de uma, outra vontade
Que nunca poderá ver-se apartada;

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Ella só viu as lagrimas em fio
Que de uns e de outros olhos derivadas,
Juntando-se, formaram largo rio;
Ella ouviu as palavras magoadas
Que poderão tornar o fogo frio
E dar descanso ás almas condenadas.

SETE annos de pastor Jacob servia
Labão, pae
de Raquel, serrana bella;
Mas não servia ao pae, servia a ella,
Que a ella só por premio pretendia.

Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la ;
Porém o pae, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Assi lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começou a servir outros sete annos
Dizendo: «Mais servira, se não fôra
Para tam longo amor tam curta a vida!

UM mover d'olhos, brando e piedoso,
Sem vêr de quê; um riso brando e honesto,
Quasi forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso ;
Um repouso gravissimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indicio da alma, limpo e gracioso ;'
Um encolhido ousar; uma brandura;

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Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente soffrimento:
Esta foi a celeste, formosura

Da minha Circe, e o magico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

ESTÁ o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as pennas ordenando,
O verso sem medida, alegre e brando,
Despedindo no rustico raminho.

O cruel caçador, que do caminho
Se vem callado e manso desviando,
Com prompta vista a setta endireitando,
Lhe dá no estygio lago eterno ninho.
D'esta arte o coração que livre andava
(Postoque já de longe destinado)
Onde menos temia foi ferido..

Porque o frecheiro cego me esperaya
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.

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AMOR é um fogo que arde sem se ver;
ferida que doe e não se sente; J

E um contentamento descontente;
É dôr que desatina sem doer ;

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É um não querer mais que bem-querer;
É solitario andar por entre a gente;
É um não-contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade ;
É servir a quem vence o vencedor;

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É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos mortaes corações conformidade,
Sendo a si tam contrario o mesmo amor?

ERROS meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram ;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor sòmente.

Tudo passei, mas tenho tam presente
A grande dor das cousas que passaram
Que já as frequencias suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus annos.
Dei causa a que fortuna castigasse
As minhas mal-fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.,
Oh quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro genio de vinganças!

ALMA minha gentil, que te partiste
Tam cedo d'esta vida descontente,
Repousa lá no Ceo eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste!
Se lá no assento ethereo onde subiste
Memoria d'esta vida se consente,
Não te esqueças de aquelle amor ardente
Que já nos olhos meus tam puro viste !
E se vires que póde merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remedio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus annos encurtou,
Que tam cedo de cá me leve a vêr-te
Quam cedo de meus olhos te levou !

40. Epistola sobre o Desconcerto do Mundo

QUEM póde ser no mundo tam quieto,
Ou quem terá tam livre o pensamento,
Quem tam experimentado, ou tam discreto,
Tam fóra, emfim, de humano entendimento,
Que ou com público effeito, ou com secreto,
Lhe não revolva e espante o sentimento,
Deixando-lhe o juizo quasi incerto,
Vêr e notar do mundo o desconcerto?
Quem ha que veja aquelle que vivia
De latrocinios, mortes e adulterios,
Que ao juizo das gentes merecia
Perpetua pena, immensos vituperios,
Se a Fortuna em contrario o leva e guia,
Mostrando emfim que tudo são mysterios
Em alteza d'estados triumphante,
Que por livre que seja não s'espante?
Quem ha que veja aquelle que tam clara
Teve a vida qu'em tudo por perfeito
O proprio Momo ás gentes o julgára,
Inda quando lhe visse aberto o peito,
Se a má Fortuna, ao bom sòmente avara,
O reprime e lhe nega seu direito,
Que lhe não fique o peito congelado,
Por mais e mais que seja experimentado ?
Democrito dos deuses proferia

Que eram sós dous: a Pena, e o Beneficio.

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