O rudo Canto meu, que resuscita As honras sepultadas,
As palmas ja passadas
Dos bellicosos nossos Lusitanos Para thesouro dos futuros annos, Comvosco se defende
Da lei lethêa, á qual tudo se rende. Na vossa arvore, ornada d'honra e glória, Achou tronco excellente
Para a minha atéqui de baixa estima : Nella, para trepar, s'encosta e arrima ; E nella subireis
Tam alto, quanto os ramos estendeis. Sempre foram engenhos peregrinos Da Fortuna invejados ;
Que quanto levantados
Por um braço nas asas são da Fama, Tanto por outro aquella que os desama, Co pêso e gravidade
Os opprime da vil necessidade.
Mas altos corações, dignos d'Imperio, Que vencem a Fortuna,
Foram sempre coluna
Da sciencia gentil: Octaviano,
Scipião, Alexandre e Graciano,
Que vemos immortaes ;
E vós, que o nosso seculo douraes.
Pois, logo, emquanto a cithara sonora S'estimar por o mundo,
Com som docto e jucundo,
E emquanto produzir o Tejo e o Douro Peitos de Marte e Phebo crespo e louro,
Tereis gloria inimortal, Senhor Dom Manoel de Portugal.
SÔBOLOS rios que vão
Por Babylonia, me achei, Onde sentado chorei
As lembranças de Sião,
quanto nella passei. Alli o rio corrente
De meus olhos foi manado, E tudo bem comparado : Babylonia, ao mal presente, Sião, ao tempo passado.
Alli lembranças contentes Na alma se representaram ; E minhas cousas ausentes Se fizeram tam presentes, Como se nunca passaram.
Alli, despois de acordado, C'o rosto banhado em agua D'este sonho imaginado, Vi que todo o bem passado Não é gosto, mas é magoa. E vi que todos os danos Se causavam das mudanças, E as mudanças dos annos, Onde vi quantos enganos Faz o tempo ás esperanças. Alli vi o maior bem.
Quam pouco espaço que dura ;
O mal quam depressa vem ; E quam triste estado tem Quem se fia da ventura. Vi aquilo que mais val Que então se entende melhor Quando mais perdido fôr; Vi ao bem succeder mal, E ao mal muito peor.
E vi com muito trabalho Comprar arrependimento ; Vi nenhum contentamento; E vejo-me a mi, que espalho Tristes palavras ao vento. Bem são rios estas aguas Com que banho este papel : Bem parece ser cruel Variedade de magoas E confusão de Babel.
Como homem que, por exemplo Dos trances em que se achou, Depois que a guerra deixou, Pelas paredes do templo, Suas armas pendurou :
Assi, despois que assentei Que tudo o tempo gastava, Da tristeza que tomei, Nos salgueiros pendurei Os orgãos com que cantava. Aquele instrumento ledo Deixei da vida passada, Dizendo: «Musica amada, Deixo-vos neste arvoredo A memoria consagrada.
Frauta minha, que tangendo Os montes fazieis vir
Para onde estaveis, correndo, E as aguas, que iam descendo, Tornavam logo a subir,
Jamais vos não ouvirão Os tigres, que se amansavam ; E as ovelhas que pastavam Das hervas se fartarão, Que por vos ouvir deixavam.
Ja não fareis docemente Em rosas tornar abrolhos Na ribeira florecente; Nem poreis freio á corrente, E mais se for dos meus olhos. Não movereis a espessura, Nem podereis ja trazer Atrás vós a fonte pura; Pois não podestes mover Desconcertos da ventura. Ficareis offerecida
Á fama que sempre vela, Frauta de mim tam querida; Porque mudando-se a vida, Se mudam os gostos d'ella. Acha a tenra mocidade Prazeres accommodados; E logo a maior edade Ja sente por pouquidade Aquelles gostos passados.
Um gosto, que hoje se alcança, Amanhã ja o não vejo: Assi nos traz o mudança
D'esperança em esperança, E de desejo em desejo.
Mas em vida tam escassa Que esperança será forte? Fraqueza da humana sorte, Que quanto da vida passa Está recitando a morte!
Mas deixar nesta espessura O canto da mocidade —- Não cuide a gente futura Que será obra da idade que é força da ventura! Que idade, tempo, e espanto De vêr quam ligeiro passe, Nunca em mim poderam tanto Que, posto que deixo o canto, A causa d'elle deixasse.
Mas em tristezas e nojos, Em gôsto e contentamento, Por sol, por neve, por vento, Tendré presente á los ojos Por quien muero tan contento. Orgãos e frauta deixava, Despojo meu tam querido, No salgueiro que alli estava, Que para trofeo ficava De quem me tinha vencido. Mas lembranças da affeição Que alli captivo me tinha, Me perguntaram então, Que era da musica minha Que eu cantava em Sião? Que foi d'aquelle cantar,
« VorigeDoorgaan » |