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Que, além d'o freixo estar d'agua cercado,
D'una verde parreira está cuberto.

«Sylvia, teus hão de ser, perde o cuidado; Eu os vigiarei até que venhas

Melhor do que vigio este meu gado.

«E qual fruita haverá que tu não tenhas, Que se crie em mimosa e culta planta, Õu na dura que nasce em duras brenhas? «Inda que tua crueza seja tanta, Descanso me será qualquer trabalho, Que tudo vence amor, tudo quebranta. «As douradas maçans no mesmo galho, Doces e roxas uvas pela fria Colherei para ti, cheas d'orvalho.

«Isto tudo a seu tempo te daria E outras cousas mais, com que t'espero Ha tantos dias ja, de dia em dia.

«Que não abranda amor teu peito fero (Bem fero e bem cruel, mas bem fermoso) Pois sabe quanto peno e quanto quero ? «Mil vezes meu esprito saudoso De mim se parte e deixa o corpo frio, Do que deseja mais, mais duvidoso. Mil vezes de mil lagrimas um rio Banhando vae a face descôrada, Outras tantas se fallo, desvario.

De leves sombras fica salteada Esta alma que lá trazes, não sei onde, Nos teus fermosos olhos pendurada.

Quando chamo por ti, que me responde A mesma voz no valle onde em vão grito, Cuido que outrem te chama e que s'esconde. «Alli com nova força, novo esprito

Com ira vou buscando quem nomea
Teu doce nome no meu peito escrito.
«Se com suave som brando menea
Um leve e meigo vento a folha leve,
Se fere a onda crespa a branca area,

Ouvir-te me parece. Ah gosto breve !
Eis este engano passa, eis noutro caio!
Quem enganos d'amor estranhar deve?
«Quando em escuro bosque um claro raio
Por antre a basta rama resplandece,
Alli m'enlevo todo, alli desmaio.
«Dos teus serenos olhos me parece
Aquella viva luz que se me nega,
Em cuja auscencia o sol se m'escurece.
Envolto em laços d'ouro amor m'entrega
Aquelle imaginar sempre sobejo;

Alli vista me dá, alli me nega.

«Que planta posso ver, que pedra vejo, Que lirio ou que rosa, ou neve ou fogo, Onde te não figure o meu desejo?

«Amor anda de mim fazendo jogo; Tu, Silvia, muito mais, pois te não movem Tantas lagrimas tristes, tanto rogo. «Tuas frias entranhas inda provem (Porém mais brandamente) as chamas vivas Que nestas minhas de contino chovem.

«Porque foges de mim ? porque m'esquivas? Que não ha cousa aqui que não te aguarde; Té as aguas d'este rio fugitivas.

«Se tu viesses, Silvia, inda esta tarde, Verias lá no mar nuvens rosadas

Por antre as quaes o sol mais brando arde.

«Verias d'estas humidas moradas

Sair as brancas Ninfas saudosas,
De mil alegres flores coroadas.

«E qual de roxos lirios, qual de rosas
Esmaltaria teu crespo e puro ouro,
Tam ledas de te ver quanto invejosas.

«E eu veria os olhos por quem mouro,
Veria esse côrado e alvo rosto,

Da maior fermosura o mór tesouro.

«Se todo meu prazer, todo meu gôsto
Depende de ti só que vaes fugindo,
Não ves em qual estremo me tens posto?
«Não ves que vae a magoa consumindo
A vida em duvidosas esperanças? »
Ah doudo Alcido!—Sylvia está-se rindo
E tu de chamar Sylvia inda não cansas!

50.

HORAS breves de meu contentamento,
Nunca me pareceu quando vos tinha
Que vos visse tornadas tam asinha
Em tam compridos dias de tormento.

Aquellas torres que fundei no vento,
O vento m'as levou que as sostinha ;
Do mal que me ficou a culpa é minha,
Pois sobre coisas vans fiz fundamento.
Amor com brandas mostras aparece,
Tudo possivel faz, tudo assegura,
Mas logo no melhor desaparece.

Oh cegueira tamanha! oh desventura!

Por um pequeno bem que desfalece
Aventurar um bem que sempre dura!

51.

52.

JA do Mondego as aguas aparecem
A meus olhos: não meus, antes alheios,
Que d'outras diferentes vindo cheios
Na sua branda vista inda mais crecem.
Parece que tambem forçadas descem,
Segundo se detém em seus rodeios.
Triste por quantos modos, quantos meios
As minhas saudades me entristecem !
Vida de tantos males salteada,
Amor a põe em termos que duvida
De poder ver o fim d'esta jornada.
Antes se dá de todo por perdida,
Vendo que não vae da alma acompanhada
Que se deixou ficar onde tem vida.

Elegia

Estando captivo na Africa, depois da batalha de Alcacer-Quebir

EU

que livre cantei ao som das aguas
Do saudoso, brando, e claro Lima,
Ora gostos d'amor, outr'ora magoas,
Agora ao som do ferro, que lastima
O descuberto pé, choro captivo
Onde choro não val, nem amor s'estima!
Cuido que me deixou a morte vivo,
Vendo que não chegava seu tormento
A tormento tamanho e tam esquivo.
Acabando co'a vida o sentimento,
Ficaras escondido (oh dia triste)
Nas turvas aguas do esquecimento?
Oh Sol, como tua luz não encobriste

Quando do real sangue lusitano
As ervas, que secaste, humidas viste?
Qual libico leão, qual tigre hircano
Negara desusada piedade

A lastima tamanha, a tanto dano?
Não te valeu, oh Rei, a tenra idade,
Não te valeu esforço nem destreza;
Não te valeu suprema magestade!
Das armas a provada fortaleza

Poderosa não foi para guardar-te Da mão de fogo armada, e de crueza. Conjurou contra ti o fero Marte, Vendo que sua fama escurecias Se vencedor ficavas d'esta parte. Acabou juntamente com teus dias Do lusitano Reino a segurança Que tu estender tanto pretendias. Dos teus (na tua incerta confiança) Qual te desenganou, senão do imigo O pelouro mortal, o alfange, a lança ? Cobriam com teu gôsto o teu perigo, Estando teu perigo ja tam claro, Afim de não valer menos comtigo. Fosse quem quer que fosse, ah peito avaro, A tua pretenção em ar desfeita

Bom fora qu'a ti só custara caro! Deante de juiz que não aceita

Ser nas palavras um, outro no peito, Darás, se ja não déste, conta estreita. Esquecido do justo e são respeito, Deixaste commetter á sorte leve

O proveito commum, por teu proveito! Do innocente Abel exclamar deve

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