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63.

Em espaço breve

Chega ao mar o Douro:
Os cabelos de ouro

Se fazem de neve.

Oh rio de Leça,
Frutos em Janeiro
Nascerão primeiro

Que de ti me esqueça !

Primeiro em Agosto
Nevará com calma
Que o tempo d'esta alma
Aparte teu rosto!

Algum tempo manso
Deus o ordene a mi,
Em que torne a ti
Com algum descanso !

Mote

JA não posso ser contente:
Tenho a esperança perdida!
Ando perdido entre a gente;
Nem morro, nem tenho vida.

Glosa

A tudo quanto desejo
Acho atalhadas as vias;
Em tentos e fantasias:

Mui mao caminho me vejo.

Se do passado e presente
O porvir se pode crer,
Ja não ha que pretender :
Ja não posso ser contente.

Que de tudo quanto quero
Chego a tam triste estremo
Que vejo tudo o que temo
E nem sombra do que espero.
Desengano-me da vida
E fiz nella tal mudança
Que até de ter esperança
Tenho a esperança perdida.

havia

Cuidei um tempo que
Na fortuna o que buscava,
E postoque o não dava,
O mesmo tempo o daria.
Achei tudo diferente,
Fiquei desencaminhado,
E como em despovoado,
Ando perdido entre a gente.

De que farei fundamento
Pois em nada acho firmeza

E pago sempre em tristeza
Os sonhos do pensamento?
Abrande esta dôr crecida
Vivendo em pena de morte,
E eu, por não mudar a sorte,
Nem morro nem tenho vida.

P 13

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64.

QUE devo ao monte e ao campo que floresce,
Se para todos suas flôres cria?

Que devo a me dar agua a fonte fria,
Se para todos da alta serra desce?
O sol que para todos amanhece,
Pouco lhe devo que me faça dia.
Se para todos sae, chea ou vazia,
Que devo á lua quando mingua ou cresce?
Divina Lises, campo em fermosura ;
Em graça, fonte; monte, em mór alteza;
Sol, em beleza; e em mudanças, lua,
Não faças tam commum essa luz pura,
Essa graça, essa flor, essa beleza.
Que eu fujo por commum, sigo por tua.

་་་

D. FRANCISCO MANUEL DE MELLO

65.

Apologo da Morte

Soneto

VI eu um dia a Morte andar folgando
Por um campo de vivos que a não viam
Os velhos sem saber o que faziam
A cada passo nella iam topando.

Na mocidade os moços confiando,
Ignorantes da morte, a não temiam.
Todos cegos, nenhuns se lhe desviam ;
Ella a todos com o dedo os vae contando.
Então quis disparar, e os olhos cerra.
Tirou. E errou.-Eu vendo seus empregos
Tam sem ordem, bradei «Tem-te homicida!»

Voltou-se e respondeu: «Tal vae de guerra. Se vós todos andaes comigo cegos,

Que esperaes que comvosco ande advertida?»

66. Á vida que fazia em sua prisão.

Soneto festivo

CASINHA desprezivel, mal forrada;
Furna, lá dentro mais que inferno escura;
Fresta pequena, grade bem segura;
Porta só para entrar, logo fechada ;
Cama que é potro; mesa destroncada;
Pulga que por picar faz matadura;
Cão só para agourar; rato que fura;
Candea nem com os dedos atiçada;
Grilhão que vos assusta eternamente;
Negro, boçal; e mais boçal ratinho
Que mais vos leva que vos traz da praça !
Sem amor, sem amigo, sem parente.
Quem mais se doe de vós diz: coitadinho!--
Tal vida levo.-Santa prol me faça!

PEDRO ANTONIO CORREA GARÇÃO

67.

Cantata

JA no roxo oriente branqueando
As prenhes vélas da troiana frota
Entre as vagas azues do mar dourado
Sobre as asas dos ventos se escondiam.
A miserrima Dido,

Pelos paços reaes vaga ululando,
C'os turvos olhos inda em vão procura
O fugitivo Enêas.

Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Carthago lhe apresenta :
Com medonho fragor na praia nua
Fremem de noite as solitarias ondas ;
E nas douradas grimpas

Das cúpolas soberbas

Piam nocturnas agoureiras aves.
Do marmoreo sepulcro
Attonita imagina

Que mil vezes ouvia as frias cinzas
Do defunto Sichêo com debeis vozes,
Suspirando chamar: «Elisa, Elisa!»

D'Orco aos tremendos Numens
Sacrificios prepara;

Mas viu esmorecida

Em torno dos thuricremos altares
Negra escuma ferver nas ricas taças,
E o derramado vinho

Em pélagos de sangue converter-se.
Frenetica delira:

Pallido o rosto lindo,

A madeixa subtil desentrançada,
Ja com tremulo pé entra sem tino
No ditoso aposento,

Onde do ínfido amante
Ouviu enternecida

Magoados suspiros, brandas queixas.
Alli as crueis Parcas lhe mostraram
As iliacas roupas, que pendentes
Do thalamo dourado descobriam

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