O lustroso pavês, a teucra espada. Com a convulsa mão subito arranca A lamina fulgente da bainha, E sobre o duro ferro penetrante Arroja o tenro crystallino peito.
E em borbotões de espuma murmurando O quente sangue da ferida salta. De roxas espadanas rociadas
Tremem da sala as dóricas columnas. Tres vezes tenta erguer-se,
Tres vezes desmaiada sobre o leito согро revolvendo, ao céo levanta Os macerados olhos.
Depois attenta na lustrosa malha Do profugo Dardanio,
Estas ultimas vozes repetia, E os lastimosos lugubres accentos Pelas aureas abóbadas voando
Longo tempo depois gemer se ouviram: Doces despojos
Tam bem logrados
Dos olhos meus, Emquanto os fados, Emquanto Deus O consentiam, Da triste Dido A alma aceitai! D'estes cuidados Me libertai!
Dido infelice Assáz viveu: D'alta Carthago
O muro ergueu.
Agora nua,
Ja de Charonte, A sombra sua
Na barca feia, De Phlegetonte A negra veia Surcando vai.»
NICOLAU TOLENTINO D'ALMEIDA
Satira aos toucados altos.
CHAVES na mão, melena desgrenhada, Batendo o pé na casa, a mãe ordena Que o furtado colchão, fofo e de penna, A filha o ponha alli, ou a criada.
A filha moça esbelta e aperaltada Lhe diz co'a doce voz que o ar serena: «Sumiu-se-lhe um colchão? é forte pena! Olhe não fique a casa arruinada ! »
«Tu respondes-me assim? tu zombas d'isto? Tu cuidas que por ter pae embarcado Ja a mãe não tem mãos?» E dizendo isto Arremette-lhe á cara e ao penteado.
Eis senão quando-caso nunca visto !— Sae-lhe o colchão de dentro do toucado !
Deitando um cavallo á margem
VAE, misero cavallo lazarento Pastar longas campinas livremente!
Não percas tempo emquanto t'o consente De magros cães faminto ajuntamento! Esta sella, teu unico ornamento, Para signal de minha dôr vehemente, De torto prégo ficará pendente-- Despojo inutil do inconstante vento.
Morre em paz! que em havendo algum dinheiro Hei-de-mandar em honra de teu nome Abrir em negra pedra este letreiro:
«Aqui piedoso entulho os ossos come Do mais fiel, mais rapido sendeiro Que fôra eterno...a não morrer de fome.»
MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE
70. Sentimentos de contrição e arrependi
MEU ser evaporei na lida insana Do tropel de paixões, que me arrastava. Ah cego! eu cria, ah misero! eu sonhava Em mim quasi immortal a essencia humana! De que innumeros soes a mente ufana Existencia falaz me não dourava ! Mas eis succumbe Natureza escrava Ao mal que a vida em sua origem damna. Prazeres, socios meus, e meus tyrannos! Esta alma, que sedenta em si não coube, No abysmo vos sumiu dos desenganos:
Deus, oh Deus!... Quando a morte á luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam annos: Saiba morrer o que viver não soube!
CAMÕES, grande Camões, quam semelhante Acho teu fado ao meu, quando os cotejo! Egual causa nos fez, perdendo o Tejo, Arrostar c'o sacrilego gigante:
Como tu, junto ao Ganges susurrante Da penuria cruel no horror me vejo ; Como tu, gôstos vãos, que em vão desejo, Tambem carpindo estou, saudoso amante : Ludibrio, como tu, da sorte dura Meu fim demando ao céo, pela certeza só terei paz na sepultura:
Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!... Se te imito nos trances da ventura,
Não te imito nos dons da natureza!
72. A Constancia do Sabio, Superior aos Infortunios
EM sordida masmorra aferrolhado,
De cadeias asperrimas cingido, Por ferozes contrarios perseguido,
Por linguas impostoras criminado;
Os membros quasi nús, o aspecto honrado
Por vil bocca e vil mão rôto e cuspido, Sem vêr um só mortal compadecido De seu funesto, rigoroso estado;
O penetrante e barbaro instrumento De atroz, violenta, inevitavel morte Olhando ja na mão do algoz cruento:
Inda assim não maldiz a iniqua sorte, Inda assim tem prazer, sossego, alento O sabio verdadeiro, o justo, o forte.
MAGRO, de olhos azues, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno : Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que á ternura, Bebendo em niveas mãos por taça escura De zelos infernaes lethal veneno:
Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento ; Sairam d'elle mesmo estas verdades Num dia em que se achou mais pachorrento.
EM torno d'aurea colmêa Amor adejava um dia ; E a mãozinha introduzindo, Húmidos favos colhia:
Abelha, mais forte que eu,
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