Porque de Amor não tem medo, Eis do guloso menino Castiga o furto num dedo. Chupando o tenro dedinho Entra Cupido a chorar; E ao collo da mãe voando Do insecto se vai queixar. Venus carinhosa, e bella, Diz, amimando-o no peito : «Desculpa o que te fizeram, Recordando o que tens feito. «O tenue ferrão da abelha Dóe menos que teus farpões; O que ella te fez no dedo Fazes tu nos corações. »
O verdadeiro heroe Lyra
ALEXANDRE, Marilia, qual o rio Que engrossando no inverno tudo arrasa, Na frente das cohortes
Cerca, vence, abrasa
As cidades mais fortes.
Foi na gloria das armas o primeiro; Morreu na flor dos annos, e ja tinha Vencido o mundo inteiro.
Mas este bom soldado, cujo nome Não ha poder algum que não abata,
Foi, Marilia, sòmente Um ditoso pirata,
Um salteador valente.
Se não tem uma fama baixa e escura, Foi por se pôr ao lado da injustiça A insolente ventura.
O grande Cesar, cujo nome voa, Á sua mesma patria a fé quebranta: Na mão a espada toma, Opprime-lhe a garganta,
Dá senhores a Roma.
Consegue ser heroe por um delicto! Se acaso não vencesse, então seria Um vil traidor proscripto.
O ser heroe, Marilia, não consiste Em queimar os imperios. Move a guerra, Espalha o sangue humano E despovoa a terra
Tambem o mau tyranno.
Consiste o ser heroe em viver justo, E tanto pode ser heroe o pobre Como o maior Augusto.
Aos barbaros injustos vencedores Atormentam remorsos e cuidados; Nem descansam segurós Nos palacios, cercados
De tropa e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sabia historia A quem mudou o fado em negro opprobrio A mal ganhada gloria!
Eu vivo, minha bella, sim eu vivo Nos braços do descanso e mais do gôsto: Quando estou acordado, Contemplo no teu rosto De graças adornado.
Se durmo, logo sonho, e alli te vejo. Ah! nem desperto nem dormindo sobe A mais o meu desejo.
JOÃO-BAPTISTA DA SILVA LEITÃO, VISCONDE DE ALMEIDA-GARRETT
ACABAVA alli a terra
Nos derradeiros rochedos... A deserta arida serra Por entre os negros penedos Só deixa viver mesquinho Triste pinheiro maninho.
E os ventos despregados Sopravam rijos na rama; E os céos turvos, annuviados, O mar que incessante brama... Tudo alli era braveza
De selvagem natureza.
Ahi, na quebra do monte,
Entre uns juncos mal-medrados, Sêcco o rio, sêcca a fonte, Hervas e matos queimados.
Ahi nessa bruta serra, Ahi foi um céo na terra!
Alli sós no mundo, sós, Santo Deus! como vivemos ! Como eramos tudo nós, E de nada mais soubemos ! Como nos folgava a vida, De tudo o mais esquecida !
Que longos beijos sem fim! Que fallar dos olhos mudo! Como ella vivia em mim, Como eu tinha nella tudo: Minha alma em sua razão, Meu sangue em seu coração!
Os anjos aquelles dias Contaram na eternidade. Que essas horas fugidias, Seculos na intensidade, Por millenios marca Deus Quando as dá aos que são seus.
Ai! 'Sim foi a tragos largos, Longos, fundos que a bebi, Do prazer a taça-amargos Depois...depois os senti, Os travos que ella deixou... Mas como eu ninguem gozou.
Ninguem! Que é preciso amar Como eu amei-ser amado
Como eu fui; dar, e tomar Do outro ser a quem se ha dado, Toda a razão, toda a vida Que em nós se annulla perdida.
Ai, ai! que pesados annos Tardios depois vieram ! Oh! que fataes desenganos Ramo a ramo a desfizeram, A minha choça na serra, Lá onde se acaba a terra!
Se o visse...não quero vêl-o, Aquelle sitio encantado; Certo estou não conhecê-lo, Tam outro estará mudado, Mudado como eu, como ella,- Que a vejo...sem conhecê-la!
Inda alli acaba a terra, Mas ja o céo não começa; Que aquella visão da serra Sumiu-se na treva espessa, E deixou nua a bruteza D'essa agreste natureza.
SÃO bellas bem o sei, essas estrellas, Mil côres-divinaes têem essas flôres; Mas eu não tenho, amor, olhos para ellas: Em toda a natureza
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