Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Não vejo outra belleza
Senão a ti-a ti!

Divina-ai! sim, será a voz que affina;
Saudosa―na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,

Nem sinto outra harmonia
Senão a ti-a ti!

Respira―n'aura que entre as flôres gira,
Celeste incenso de perfume agreste.
Sei...não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma

Senão o doce aroma
Que vem de ti-de ti!

Formosos são os pomos saborosos,
É um mimo-de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sêde...sequiosos,
Famintos meus desejos.
Estão...mas é de beijos,
É só de ti-de ti!

Macia-deve a relva luzidia

Do leito-ser por certo em que me deito. Mas quem, ao pé de ti, quem poderia

Sentir outras caricias,

Tocar n'outras delicias
Senão em ti-em ti!

A ti! ai, a ti só, os meus sentidos,
Todos num confundidos,

78.

Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti

;

E quando venha a morte,
Será morrer por ti !

Não és tu

ERA assim; tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar;
Côrava da mesma côr

Aquella visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim: o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza

Que por toda ella descia
Como um veo que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a belleza.

Era assim o seu fallar
(Ingenuo e quasi vulgar)
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz ;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.

Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume,

Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.

Mas não es tu...ai! não es!
Toda a illusão se desfez.
Não es aquella que eu vi,
Não es a mesma visão...
Que essa...tinha coração!
Tinha, que eu bem lho senti!

79.

ALEXANDRE HERCULANO

A tempestade

SIBILA o vento. Os torreões de nuvens
Pesam nos densos ares;

Ruge ao largo a procella, e encurva as ondas
Pela extensão dos mares;

A immensa vaga ao longe vem correndo,
Em seu terror envolta;

E d'entre as sombras, rapidas scentelhas
A tempestade solta.

Do sol no occaso um raio derradeiro,
Que, apenas fulge, morre,

Escapa á nuvem, que, apressada e espessa,
Para apagá-lo corre.

7

Tal nos afaga em sonhos a esperança,
Ao despontar do dia;

P 14

193

Mas, no acordar, lá vem a consciencia
Dizer que ella mentia !

As ondas negro-azues se conglobaram;
Serras tornadas são,

Contra as quaes outras serras, que se arqueiam,
Bater, partir-se vão.

Oh tempestade! Eu te saúdo, oh nume,
Da natureza açoite!

Tu guias os vulcões, do mar princesa,
E é teu vestido a noite!

Quando pelos pinhaes, entre o granizo,
Ao sussurrar das ramas,

Vibrando sustos, pavorosa ruges
E assolação derramas,

Quem porfiar comtigo então ousara
De gloria e poderio;

Tu que fazes gemer pendido o cedro,
Turbar-se o claro rio?

Quem me dera ser tu, por balouçar-me
Das nuvens nos castellos,

E vêr dos ferros meus, emfim, quebrados
Os rebatidos élos.

Eu rodeara, então, o globo inteiro;
Eu sublevara as aguas ;

Eu dos vulcões com raios acendera

Amortecidas fráguas ;

Do robusto carvalho e sobro antigo

Acurvaria as frontes ;

Com furacões, os areiaes da Lybia

Converteria em montes.

Pelo fulgor da lua, lá do norte
No polo me assentara,

E vira prolongar-se o gelo eterno,
Que o tempo amontoara.

Alli, eu solitario, eu rei da morte,
Erguera meu clamor,

E dissera - Sou livre e tenho imperio;
Aqui sou eu senhor ! »

Quem se podéra erguer, como estas vagas,
Em turbilhões incertos,

E correr, e correr, troando ao longe,
Nos liquidos desertos!

Mas entre membros de lodoso barro
A mente presa está !...

Ergue-se em vão aos céos: precipitada,
Rapido, em baixo dá.

Oh morte, amiga morte! é sobre as vagas,
Entre escarcéos erguidos,

Que te invoco, pedindo-te feneçam
Meus dias aborridos;

Quebra duras prisões, que a natureza
Lançou a esta alma ardente,

Que ella possa voar, por entre os orbes,
Aos pés do Omnipotente.

Sobre a nau, que me estreita, a prenhe nuvem
Desça, e estourando a esmague,

E a grossa proa, dos tufões ludibrio,
Solta, sem rumo vague!

Porém, não!...Dormir deixa os que me cercam 'somno do existir;

Deixa-os, vãos sonhadores de esperanças

« VorigeDoorgaan »