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Cruzavam, rindo, as procellas
Quer dos homens, quer dos mares.
D'essa illustre e forte raça

Conto o destino a quem passa.
Vedeta de um povo-rei,
Eu sou a torre princesa ;
Excedi Tyro e Veneza,
Carthago e Roma igualei.

Hoje, pallida memoria,
Com o gesto de um proscripto,
Cinjo aos hombros de granito
O manto da minha gloria;
Resta-me só, é verdade,
Esta herança e a da saudade;
Mas, na fronte marcial,
D'outros tempos pregoeira,
Conservo a livre bandeira
Como uma flor virginal.

«Os fortes vês da cidade
Fendidos té ás raizes?
São da guerra as cicatrizes,
Não são as rugas da edade.
Não os assusta a violencia :
Podem pela independencia
Rebentar como um vulcão;
Podem, bem que esmantelades,
Desabar como animados

Sobre o oppressor e a oppressão.

E se algum estranho ousára

Pôr a mão,

desventurado !

Nesta do heroico legado
Joia unica e mais rara,
Veria abrirem-se, penso,

Como as de um sepulcro immenso,
Estas pedras; e depois

Surgirem d'ellas, terriveis

E como outr'ora invenciveis,

As sombras dos meus heroes.»

Salva pois!

Teus artilheiros

Com fraternos alaridos,
Das canhoneiras pendidos,
Saudem os marinheiros
Em voz alta e clamorosa!
Passa a França generosa,
Passa a França nossa irman!
Honra ao brilhante estandarte
De Condé ou Bonaparte,
De Rocroy ou Wagram!

IV

Porém que vejo?

Presumo

Que me illudiu a esperança;
Não são as côres da França;
Negro é esse pavilhão!
Negro, não negro de fumo
Que requeima o rosto aos bravos,—
Negro da côr dos escravos,

E da côr da escravidão!

Será sina tenebrosa
Que voando a águia, ferida

No pundonor ou na vida,
Venha cahir sempre aqui?
O negro, côr luctuosa,
É dos mortos attributo...
Pois se a França está de lucto,
Está de lucto por si!

Acaso a ameaça negreja
Como a tempestade e a noite ?
Ha poder que ainda se afoite
Contra a razão, contra a lei?
Haverá... Deus o proteja!
Estão co'o fraco a verdade,
A justiça, a liberdade,
O seus fóros e o seu rei.

França, d'antes se querias,
Da paz quebrando os enlaces,
Atirar a luva ás faces
Do fero leopardo inglês,
Altiva as armas vestias,
Empunhavas forte a espada,
Não trajavas demudada
Os signaes da viuvez.

Sem piedade te lançaram
Esse crépe funerario
Como um lúgubre sudario
Sobre os inclitos brasões.

Das galas te despojaram

Da tua gloria!-O futuro
Ha-de chorar que de escuro
Marche a França entre as nações.

!

Ess' aguia, tornada abutre
Para vergonhoso ensaio,

Traz na garra, em vez do raio,
As gargalheiras servis.

Anciando o espolio que a nutre,
Os ares tortuosa corta,

Paira, e espreita a presa morta...
Não é esta a d'Austerlitz.

Seguia aquella outro rumo,
Que hoje a vista mal alcança:
Est' aguia não é da França,
Negro é este pavilhão.

Negro, não negro do fumo
Que requeima o rosto aos bravos,—
Negro da côr dos escravos,

E da côr da escravidão!

V

Cegou-te, oh musa, a luz do enthusiasmo
Reflectindo-te um prisma enganador !
O mundo sobreposta com pasmo
Ás côres triumphaes a triste côr!

Mas não baixes a fronte, consternada
Por ter saudado esse pendão fatal,
Por vêr nas mãos a lyra, em vez da espada,
Do teu nobre e indomado Portugal.

O estrangeiro levou-te um pouco de ouro,
Premio heroico dos negros feitos seus;
A ti ficou-te a honra: esse thesouro
Basta á patria e á virtude...e conta-o Deus!

83.

Musa, alegra-te, musa, qual me alegro.
O braço ameaçador estende a mão!
Lá vae o negro preço...e o baixel negro...
E sobre elles o negro pavilhão!

JOSE SIMÕES-DIAS

A tua roca

QUANDO te vejo, á noitinha,
Nessa cadeira sentada,

O chale posto nos hombros,
Na cinta a roca enfeitada,

Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os labios contando ao fio
Da tua bocca os segredos,

Eu digo sempre baixinho
Pondo os olhos na tua roca:
«Se eu pudesse ser estriga,
Beijaria aquella bocca!»

Eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabellos.

E aquella fita de sêda
Que se enleia no fiado?
Eu nunca vejo essa fita
Que me não sinta enleado.

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