Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

96.

Carta

MARIA! ver-te á porta a fazer meia,
Olhando para mim de vez em quando,
E o que nesta vida me recreia.

Acordo até de noite, suspirando
Porque rompa a manhã e tenha o gosto
De te ver ja tam cedo trabalhando.
Desde pela manhã até sol-posto
Que tu não tens descanso um só momento;
Por isso tens tam bella cor de rosto!
E eu pállido, Maria! O pensamento
Não é trabalho que nos dê saude:
Esta imaginação é um tormento.

Que bello tempo aquelle emquanto pude
Levar, como tu levas, todo o dia
Nessa vida chamada ingrata e rude!
Nunca soube o que foi melancolia,
Nunca provei as lagrimas salgadas
Com que a nossa alma as penas allivia;
Andava, sim, por essas cumeadas
Ao sol, á chuva, muita vez, sósinho,
Vendo os valles das rochas escarpadas,
Descendo pelo córrego estreitinho,
De pontal em pontal cortando o matto
Pelas chapadas fóra de caminho;

Mas não era que ja o teu retrato
Me andasse a mim no coração impresso,
Onde hoje o trago no maior recato,

E um desengano teu, que não mereço,

Me tivesse tirado a fé tam doce

De alcançar algum dia o que appeteço.

Não foi, não, a paixão que assim me trouxe

Tam erradio a mim (digo a verdade
E nem eu to negava se assim fosse);
É
que a gente na sua mocidade
Não cabe em si, não pára de contente,
E assim fui eu na flor da minha edade.
Tu eras nesse tempo simplesmente
A flor que vae nascendo; e mais valia
Seres tam tenra ainda e innocente!

Ja esse lindo pé que tens, Maria,
Esse quadril tam largo e cinta estreita
Me não vinha á idéa noite e dia;

Esses encontros de mulher perfeita, Esse peito redondo e arqueado Como o de pomba farta e satisfeita! Talvez vivesse então mais sossegado, Ou, ja que a minha sorte é sempre triste, Ao menos não andasse enfeitiçado! Esse bello pescoço...não existe Outro assim tornado! o rosto é lindo, E a tam meiga expressão ninguem resiste! A bocca é tam vermelha que em te rindo Lembra-me uma roma aberta ao meio Quando ja de madura está cahindo!

Esses olhos azues...que olhar! Receio
E desejo estar sempre a contemplá-lo ;
Não ha mais dôce e mais custoso enleio!
Eu não ouso fallar então, nem fallo,
De enlevado que estou, e juntamente
Gemendo e abafando os ais que exhalo...
Oh nuvem da manhã resplandecente,
Manto real de seda delicada,

Cada fio um grilhão que prende a gente!
Bem podias, Maria! andar tapada

97.

Só com o teu cabello, á semelhança
Do sol em nuvem de manhã dourada!...
É tudo encantador! A gente cansa,
Cansa de estar olhando e sempre vendo
Um novo encanto a cada olhar que lança !
E se essa linda voz nos sae dizendo
As mimosas palavras que costuma,
Sente-se a gente logo derretendo ;

Que além de um rosto tam perfeito, em summa,
Coube-te em sorte um coração perfeito,
E em ti não ha, Maria, falta alguma !
Oh que ditoso, alegre e satisfeito
Não viverá o homem que algum dia
Sentir pular-te o coração no peito,

E que em deliciosissima agonia,
Vendo-te ja os olhos desmaiando
Como desmaia o céo á luz do dia,

Nas asas da ventura atravessando
Os espaços de um extase ineffavel,
Abraçado comtigo for voando
Lá para onde tudo é bello e estavel!

Epitaphios

I

Ao Dr. Theophilo Braga e sua Exma. Esposa para a

campa dos seus filhos

NO jardim do coração
Nasceram-nos duas flôres;
Mas quasi ainda em botão
Desbotaram-lhes as côres,

E eil-as cahidas no chão...
Onde estão nossos amores,.
E os nossos olhos estão l

II

Na Campa de Anthero de Quental
AQUI...jaz pó; eu não; eu sou quem fui:
Raio animado de uma luz celeste,
Á qual a morte as almas restitue,

Restituindo á terra o pó que as veste.

ANTONIO CANDIDO GONÇALVES

98.

CRESPO

Mater-Dolorosa

QUANDO se fez ao largo a nave escura,
Na praia essa mulher ficou chorando,
No doloroso aspecto figurando

A lacrymosa estatua da amargura.

Dos céos a curva era tranquilla e pura.

Dos gementes alcyones o bando
Via-se ao longe, em circulo, voando
Dos mares sobre a cérula planura.

Nas ondas se atufára o sol radioso,
E a lua succedêra, astro mavioso,
De alvôr banhando os alcantis das fragas...
E aquella pobre mãe, não dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas.

99.

100.

Alguem

PARA alguem sou o lírio entre os abrolhos
E tenho as formas ideaes do Christo;
Para alguem sou a vida e a luz dos olhos
E, se na terra existe, é porque existo.

Esse alguem que prefere ao namorado
Cantar das aves minha rude voz,
Não és tu, anjo meu idolatrado !
Nem, meus amigos, é nenhum de vós!

Quando alta noite me reclino e deito,
Melancólico, triste e fatigado,

Esse alguem abre as asas no meu leito--
E o meu somno deslisa perfumado.

Chovam bençãos de Deus sobre a que chora
Por mim além dos mares! Esse alguem
É de meus dias a esplendente aurora,
Es tu, doce velhinha, oh minha Mãe!

ANTONIO NOBRE

Ao cahir das folhas

A minha irmã Maria da Gloria

PODESSEM suas mãos cobrir meu rosto, Fechar-me os olhos e compôr-me o leito, Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito, Eu me fôr viajar para o Sol-posto.

De modo que me faça bom encosto

« VorigeDoorgaan »