MARIA! ver-te á porta a fazer meia, Olhando para mim de vez em quando, E o que nesta vida me recreia.
Acordo até de noite, suspirando Porque rompa a manhã e tenha o gosto De te ver ja tam cedo trabalhando. Desde pela manhã até sol-posto Que tu não tens descanso um só momento; Por isso tens tam bella cor de rosto! E eu pállido, Maria! O pensamento Não é trabalho que nos dê saude: Esta imaginação é um tormento.
Que bello tempo aquelle emquanto pude Levar, como tu levas, todo o dia Nessa vida chamada ingrata e rude! Nunca soube o que foi melancolia, Nunca provei as lagrimas salgadas Com que a nossa alma as penas allivia; Andava, sim, por essas cumeadas Ao sol, á chuva, muita vez, sósinho, Vendo os valles das rochas escarpadas, Descendo pelo córrego estreitinho, De pontal em pontal cortando o matto Pelas chapadas fóra de caminho;
Mas não era que ja o teu retrato Me andasse a mim no coração impresso, Onde hoje o trago no maior recato,
E um desengano teu, que não mereço,
Me tivesse tirado a fé tam doce
De alcançar algum dia o que appeteço.
Não foi, não, a paixão que assim me trouxe
Tam erradio a mim (digo a verdade E nem eu to negava se assim fosse); É que a gente na sua mocidade Não cabe em si, não pára de contente, E assim fui eu na flor da minha edade. Tu eras nesse tempo simplesmente A flor que vae nascendo; e mais valia Seres tam tenra ainda e innocente!
Ja esse lindo pé que tens, Maria, Esse quadril tam largo e cinta estreita Me não vinha á idéa noite e dia;
Esses encontros de mulher perfeita, Esse peito redondo e arqueado Como o de pomba farta e satisfeita! Talvez vivesse então mais sossegado, Ou, ja que a minha sorte é sempre triste, Ao menos não andasse enfeitiçado! Esse bello pescoço...não existe Outro assim tornado! o rosto é lindo, E a tam meiga expressão ninguem resiste! A bocca é tam vermelha que em te rindo Lembra-me uma roma aberta ao meio Quando ja de madura está cahindo!
Esses olhos azues...que olhar! Receio E desejo estar sempre a contemplá-lo ; Não ha mais dôce e mais custoso enleio! Eu não ouso fallar então, nem fallo, De enlevado que estou, e juntamente Gemendo e abafando os ais que exhalo... Oh nuvem da manhã resplandecente, Manto real de seda delicada,
Cada fio um grilhão que prende a gente! Bem podias, Maria! andar tapada
Só com o teu cabello, á semelhança Do sol em nuvem de manhã dourada!... É tudo encantador! A gente cansa, Cansa de estar olhando e sempre vendo Um novo encanto a cada olhar que lança ! E se essa linda voz nos sae dizendo As mimosas palavras que costuma, Sente-se a gente logo derretendo ;
Que além de um rosto tam perfeito, em summa, Coube-te em sorte um coração perfeito, E em ti não ha, Maria, falta alguma ! Oh que ditoso, alegre e satisfeito Não viverá o homem que algum dia Sentir pular-te o coração no peito,
E que em deliciosissima agonia, Vendo-te ja os olhos desmaiando Como desmaia o céo á luz do dia,
Nas asas da ventura atravessando Os espaços de um extase ineffavel, Abraçado comtigo for voando Lá para onde tudo é bello e estavel!
Ao Dr. Theophilo Braga e sua Exma. Esposa para a
campa dos seus filhos
NO jardim do coração Nasceram-nos duas flôres; Mas quasi ainda em botão Desbotaram-lhes as côres,
E eil-as cahidas no chão... Onde estão nossos amores,. E os nossos olhos estão l
Na Campa de Anthero de Quental AQUI...jaz pó; eu não; eu sou quem fui: Raio animado de uma luz celeste, Á qual a morte as almas restitue,
Restituindo á terra o pó que as veste.
ANTONIO CANDIDO GONÇALVES
QUANDO se fez ao largo a nave escura, Na praia essa mulher ficou chorando, No doloroso aspecto figurando
A lacrymosa estatua da amargura.
Dos céos a curva era tranquilla e pura.
Dos gementes alcyones o bando Via-se ao longe, em circulo, voando Dos mares sobre a cérula planura.
Nas ondas se atufára o sol radioso, E a lua succedêra, astro mavioso, De alvôr banhando os alcantis das fragas... E aquella pobre mãe, não dando conta Que o sol morrera, e que o luar desponta, A vista embebe na amplidão das vagas.
PARA alguem sou o lírio entre os abrolhos E tenho as formas ideaes do Christo; Para alguem sou a vida e a luz dos olhos E, se na terra existe, é porque existo.
Esse alguem que prefere ao namorado Cantar das aves minha rude voz, Não és tu, anjo meu idolatrado ! Nem, meus amigos, é nenhum de vós!
Quando alta noite me reclino e deito, Melancólico, triste e fatigado,
Esse alguem abre as asas no meu leito-- E o meu somno deslisa perfumado.
Chovam bençãos de Deus sobre a que chora Por mim além dos mares! Esse alguem É de meus dias a esplendente aurora, Es tu, doce velhinha, oh minha Mãe!
Ao cahir das folhas
A minha irmã Maria da Gloria
PODESSEM suas mãos cobrir meu rosto, Fechar-me os olhos e compôr-me o leito, Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito, Eu me fôr viajar para o Sol-posto.
De modo que me faça bom encosto
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