ERA pelo mês de Abril, De Maio antes um dia, Quando lirios e rosas Mostram mais sua alegria, E na noite mais serena Que fazer no ceo podia, Quando a formosa Infanta Flérida já se partia.
E na horta de seu padre Entre as arvores dizia : «Com Deus vos ficade, flores, Que ereis a minha alegria! Vou-me a terras estrangeiras Pois lá Ventura me guia. E se meu pae me buscare, Pae que tanto me queria, Digam-lhe que amor me leva, Que eu por vontade não ia, Mas tanto ateimou comigo Que me venceu a porfia. Triste, não sei onde vou E ninguem não m'o dizia !» Ali falou Dom Duardos: «Não choreis, minha alegria, Que nos reinos de Inglaterra Mais claras aguas havia, E mais formosos jardins, E flores de mais valia. Tereis trezentas donzellas De alta genealogia. De prata são os palacios
Para Vossa Senhoria, De esmeraldas e jacintos E ouro fino de Turquia, Com letreiros esmaltados, Que a minha vida se lia, Contando das vivas dores Que me destes nesse dia Quando com Primaleão Fortemente combatia- Matastes-me vós, senhora, Que eu a elle, não temia.»
Suas lagrimas enxuga Flérida que isto ouvia. Já se foram ás galeras Que Dom Duardos havia: Cincoenta eram por conta, Todos vão em companhia. Ao som do doce remar A princesa adormecia Nos braços de Dom Duardos Que tão bem a merecia.
Saibam quantos são nascidos Sentença que não varia: ́. Contra a morte e contra amor Que ninguem não tem valia.
15. Ramalhete de Cantigas Populares
O CANTAR é para os tristes, Quem o póde duvidar?
Quantas vezes já cantei Com vontade de chorar!
Quem canta, seu mal espanta; Quem chora seu mal aumenta : Eu canto para espalhar A paixão que me atormenta.
A rosa para ser rosa Deve ser de Alexandria: A mulher para ser mulher Deve-se chamar Maria.
A amar e a escolher Ensinou-me quem podia: A amar foi a natureza, A escolher a simpatia.
A ausencia tem uma filha Que se chama a saudade: Eu sustento mãe e filha Bem contra minha vontade.
Inda que o lume se apague Na cinza fica o calor. Inda que o amor se ausente No coração fica a dôr.
Oh mar alto, oh mar alto, Oh mar alto sem ter fundo: Mais vale andar no mar
Do que na boca do mundo!
Não ha flor como o suspiro Para a minha estimação: Todas as flores se vendem, Só os suspiros se dão!
Quem pintou o amor cego Não-no soube bem pintar. O amor nasce da vista! Quem não vê, não pode amar !
Fui-me deitar a dormir
Ao som da agua que corre: A agua me foi dizendo
«Quem tem amores, não dorme.»
Não sei o que quer a desgraça Que atrás de mim corre tanto: Hei de parar e mostrar-lhe Que de vê-la não me espanto.
Oh luar da meia-noite, Não venhas cá, ao serão: Isto de quem tem amores Quer escuro, luar não.
Como o vento é para o fogo
a ausencia para o amor :
Se é pequeno, apaga-o logo, Se é grande, torna-o maior,
Triste sorte é a nossa : Depois de nascer, peccar;
Depois de peccar, morrer;
morrer, penar !
Oh penas, não vinde juntas Todas ao meu coração; Vinde mais separadinhas, Dae lugar ás que cá estão!
Fechei a porta á desgraça, Entrou-me pela janela : Quem nasce para a desgraça Não pode fugir a ela.
Quem tiver filhas no mundo Não fale das malfadadas, Porque as filhas da desgraça Tambem nasceram honradas.
Eu não quero nem brincando Dizer adeus a ninguem : Quem parte, leva saudades, Quem fica, saudades tem.
Com os passaros do campo Eu me quero comparar : Andam vestidos de pennas, O seu alivio é cantar.
Oh fonte que estás chorando, Depressa has de secar :
Só os meus olhos são fontes Que não param de chorar.
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