Deus mui alto, omnipotente, O seu real coração
Tem posto na sua mão. Tá la la la lão ! tả la la la lão !
19. Trovas á morte de Dona Inês de Castro
QUAL será o coração Tam cru e sem piedade, Que lhe não cause paixão Uma tam gram crueldade E morte tam sem razão? Triste de mim innocente ! Que por ter muito fervente Lealdade, fé, amor,
O Principe, meu senhor, Me mataram cruamente!
A minha desaventura, Não contente d'acabar-me, Por me dar maior tristura, Me foi por em tanta altura..... Para d'alto derribar-me! Que se me matara alguem Antes de ter tanto bem,
Em taes chammas não ardera ; Pae, filhos não conhecera, Nem me chorara ninguem!
Eu era moça menina, Por nome dona Inês
De Crasto, e de tal doutrina E vertudes qu'era dina De meu mal ser ao revés. Vivia, sem me lembrar Que paixão podia dar, Nem dá-la ninguem a mim. Foi-m'o Principe olhar Por seu nojo e minha fim.
«Começou-m'a desejar, Trabalhou por me servir, Fortuna foi ordenar, Dous corações conformar, A uma vontade vir. Conheceu-me, conheci-o, Quis-me bem e eu a ele, Perdeu-me, tambem perdi-o; Nunca té morte foi frio O bem que triste pus n'ele.
«Dei-lhe minha liberdade, Não senti perda de fama, Pus nele minha verdade, Quis fazer sua vontade, Sendo mui fremosa dama. Por m'estas obras pagar Nunca jamais quis casar; Polo qual aconselhado Foi el rei qu'era forçado Polo seu de me matar.
«Estava muito acatada, Como princesa servida,
Em meus paços mui honrada, De tudo mui abastada, De meu senhor mui querida. Estando mui de vagar, Bem fóra de tal cuidar, Em Coimbra d'assessego, Pelos campos de Mondego Cavaleiros vi assomar.
«Como cousas que hão de ser Logo dão no coração, Comecei entristecer E commigo só dizer: «Estes omens onde irão?» E tanto que preguntei, Soube logo que era el rei.. Quando o vi tam apressado," Meu coração trespassado Foi, que nunca mais falei.
«E quando vi que decia, Sahi á porta da sala, Devinhando o que queria. Com gram choro e cortesia Lhe fiz uma triste fala. Meus filhos pus derredor De mim com gram humildade; Mui cortada de temor, Lhe disse: «Havei, senhor,
D'esta triste piedade.
«Não possa mais a paixão
Que o que deveis fazer;
Metei nisso bem a mão: Que é de fraco coração, Sem porquê matar molher. Quanto mais a mim (que dão Culpa, não sendo razão), Por ser mãe dos inocentes Qu'ante vós estão presentes, Os quaes vossos netos são.
«E ́tem tam pouca idade, Que se não forem criados De mim, só com saudade Em sua gram orfandade Morrerão desemparados, Olhe bem quanta crueza Fará nisto Voss' Alteza, E tambeni, senhor, olhai, Pois do Principe sois pae, Não lhe deis tanta tristeza!
«Lembre-vos o grand'amor Que me vosso filho tem,
Morrer-lhe tal servidor,
Por lhe querer grande bem. Que s'algum erro fizera, Fôra bem que padecera, E qu'estes filhos ficaram Orfãos tristes, e buscaram Quem d'eles paixão houvera !
«Mas pois eu nunca errei E sempre mereci mais,
Deveis, poderoso rei, Não quebrantar vossa lei, Que, se moiro, quebrantais. Usai mais de piedade
Que de rigor nem vontade; Havei dó, senhor, de mim, Não me deis tam triste fim, que nunca fiz maldade. »
«El rei, vendo como estava, Houve de mim compaixão E viu que não oulhava Qu'eu a ele não errava, Nem fizera traição. E vendo, quam de verdade Tive amor e lealdade O Principe, cuja são, Pôde mais a piedade Que a determinação.
Que se m'ele defendera, Que seu filho não amasse E lh ́eu não obedecera, Então com razão podera Dar-m'a morte que ordenasse. Mas vendo que nenhum'ora, Desque naci atégora, Nunca nisso me falou, Quando se d'isto lembrou," Foi-se pola porta fóra,
«Com seu rosto lagrimoso, C'o proposito mudado,
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