Muito triste, mui cuidoso, Como rei mui piadoso, Mui cristão e esforçado.- Um d'aqueles que trazia Comsigo na companhia, Cavaleiro desalmado, Detrás d'ele, mui irado, Estas palavras dezia:
«Senhor, vossa piedade É dina de reprender, Pois que sem necessidade Mudaram vossa vontade Lagrimas d'uma molher. E quereis que abarregado Com filhos, como casado, Estê, senhor, vosso filho. De vós mais me maravilho Que d'ele, qu'é namorado.
«Se a logo não matais, Não sereis nunca temido, Nem farão o que mandais, Pois tam cedo vos mudais Do conselho qu'era havido. Olhai, quam justa querela Tendes, pois por amor d'ela Vosso filho quer estar Sem casar, e nos quer dar Muita guerra com Castella.
«Com sua morte escusareis Muitas mortes, muitos danos;
Vós, senhor, descansareis, E a vós é a nós dareis Paz para duzentos anos. O Principe casará, Filhos de benção terá, Será fóra de pecado; Que agora seja anojado, Amanhan Ih'esquecerá. »
«E ouvindo seu dizer, El rei ficou mui torvado, Por se em taes estremos ver, E que havia de fazer
Ou um ou outro, forçado. Desejava dar-me vida,
Por lhé não ter merecida A morte nem nenhum mal: Sentia pena mortal
Por ter feito tal partida.'
«E vendo que se lhe dava A ele tod' esta culpa,
E que tanto o apertava, Disse a aquele que bradava: «Minha tenção me desculpa. Se o vós quereis fazer, Fazei-o sem m'o dizer, Qu'eu nisso não mando nada, Nem vejo a essa coitada
Porque deva de morter.»
«Dous cavalleiros irosos,
Que taes palavras lh'ouviram,
Mui crus e não piedosos, Perversos, desamorosos, Contra mim rijo se viram. Com as espadas na mão M'atravessam o coração, A confissão me tolheram : Este he o gualardam,
Que meas amores me deram !»
Egloga de Jano e Franco
DIZEM que havia um pastor › Antre Tejo e Guadiana Que era perdido de amor Por uma moça Joana. Joana patas guardava Pola ribeira do Tejo; Seu pai acerca morava, E o pastor de Alemtejo
Era e Jano se chamava.
Quando as fomes grandes foram, Que Alemtejo foi perdido, Da aldea que chamam Torrão'. Foi este pastor fugido. Levava um pouco de gado Que lhe ficou de outro muito Que lhe morreu de cansado, Que Alentejo era enxuto D'agua e mui seco de prado.
Toda a terra foi perdida; No campo do Tejo só Achava o gado guarida; Ver Alemtejo era um dó! E Jano pera salvar O gado que lhe ficou Foi esta terra buscar; E se um cuidado levou, Outro foi elle lá achar.
O dia que alli chegou Com seu gado e com seu fato, Com tudo se agasalhou
Em uma bicada de um mato. E levando-o a pascer
O outro dia á ribeira, Joana acertou de ir ver, Que se andava p’la ribeira Do Tejo a flores colher.
Vestido branco trazia :
Um pouco afrontada andava; Fermosa bem parecia
Aos olhos de quem-na olhava. Jano em vendo-a foi pasmado, Mas por ver que ella fazia Escondeu-se entre um prado. Joana-flores colhia, Jano-colhia cuidado!
Depois que ella teve as flores Já colhidas, e escolhidas As desvariadas cores, Com rosas entremettidas,
Fez d'ellas uma capella, E soltou os seus cabellos
Que eram tam longos como ella. E de cada um a Jano em vê-los Lhe nascia uma querella.
E emquanto aquesto fazia Joana, o seu gado andava Por dentro da agua fria Todo após quem o guiava. Um pato grande era guia; E todo junto em carreira Ora rio acima ia, Ora na mesma maneira O rio abaixo descia.
Joana, como assentou A capella, foi com a mão Á cabeça e attentou Se estava em boa feição. Não ficando satisfeita Do que da mão presumia, Partiu-se d'alli direita Pera onde o rio fazia D'agua uma mansa colheita.
Chegando á beira do rio, As patas logo vieram Todas, uma e uma, em fio, Que toda a agua moveram. De quanto ella já folgou Com aquestes gasalhados, Tanto entonces lhe pesou:
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