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Que ainda alguns tempos virão,
Jano, que te alembrarei.
Mande Deus que seja em vão!

«Por cobrares a fazenda
A ti mesmo perderás—
Perda que não tem emenda
Depois, quando o saberás.
Nos campos de uma ribeira
(Onde valles ha a lugares)
Te está guardada a primeira
Causa d'estes teus pesares;
N'outra parte a derradeira.

«Geitos em cousas pequenas,
Louros cabellos ondados
Porão pera sempre em penas
A ti e a teus cuidados.
Fallas, cheias de desdem,
De presunção cheias d'ellas,
Cousas que outras cousas tem
Te causarão as querellas
De que morrer te convém. »

«De todo o que te hei contado

Todo quasi aconteceu ;

Que o que ainda não é passado
Polo passado se créu.
Agora d'antes pouco ha
Viram meus olhos (que foram)
Quem m'os leva após si, lá.
A alma e vida se me foram,
Desprezaram-se de mim já. »

Um

gram cão que Franco trazia, De grande faro, entre-mentes Deu com a frauta onde jazia E trouxe-a então entre os dentes. Vendo-a Franco alvoroçou-se E foi correndo ao cão Que nos pés alevantou-se E deu-lhe a frauta na mão, E após aquillo espojou-se.

Escontra Jano tornou

Então Franco, assim dizendo:
Quem vê o que desejou

Não se lembra d'al em o vendo.
Fui-te a palavra cortar,
Mas d'aquisto dá tu a culpa

dar;

A quem a eu não posso
Ou, Jano, por ti me desculpa
Pois sabes o que é desejar.»

«De cousa que muito queiras
Deve essa frauta de ser»>

Disse Jano.

«São primeiras »

Lhe tornou Franco a dizer.
«Quem te tal dom outorgou
(Lhe disse Jano após isto)
A muito a ti te obrigou.
A-la-fé, gram mestre nisto
Deves ser, se o cão não errou.

«Canta, Franco, alguma cousa!
Ama a musica a tristeza.
Veremos se me repousa,
Ou se a magoa tem firmeza.»

Disse Franco: «Certamente
Cantarei, pola vontade
Te fazer como a doente,
Inda, Jano, que (á verdade)
A minha é chorar somente.

«Quero-te cantar aquella
Que hontem, depois que perdi
A frauta, cantei sem ella.
Á noite, quando me vi
Cansado de não-na achar
Mais muito que de buscá-la,
Me fui eu hontem lançar ;
Mas Jano, faço-te falla.
Que não pude olho cerrar.

«Lá depois da noite meia
Quando tudo se callava
Comecei, em falla cheia.
Um moucho me acompanhava.
De longe me aparecia

(Não sei se me enganava eu)
Que elle a mim me respondia
Com um ay! grande como o meu.
Mas o canto assim dizia:

CANTIGA

«« Perdido e desterrado,
Que farei onde me irei ?
Depois de desesperado
Outra mór magoa achei!

«« Desconsolado de mim,
Em terra alheia alongado
Onde por remedio vim

E reparo do meu gado!

Mas oh malaventurado
De mim, sem consolação!
Temo que ha de ser forçado
(Pois que fui tam mal-fadado)
Matar-me com minha mão!

««Que conta darei eu agora
A quem não m' a ha de pedir ?
Que desculpa porei ora
A quem não m'a ha de ouvir ?
Frauta, dom da mais querida
Que cobre esta noite escura
Frauta minha, sois perdida!
Façam-me uma sepultura,

Que muito ha que estou sem vida !

««E ponham nella d'esta arte
Letras que digam assi:

A alma está em outra parte,
Só o corpo está aqui.»»

«Se aprouver aos longos annos
E aos tempos que hão de vir
Que d'estes graves meus danos,
Venha Celia parte ouvir,
Lá onde triste estiver,
Se ella comsigo apartada
Lagrimas ter não poder,
Será minha alma pagada,
Ou o que então de mim houver!

«Jano esta é a cantiga,
A derradeira cri que era,

21.

E

por sair de fadiga

Confesso-te que o quisera.

Mas se a alma e o entendimento

Não morrem com o corpo, a magoa
Me ficará. Vamos! que sento

Que é tempo d'o gado ir á agua!
Tambem tem tempo o tormento.»

Cantar romance

POLA ribeira de um rio
Que leva as aguas ao mar
Vai o triste de Avalor;
Não sabe se ha de tornar.-
As aguas levam seu bem!
Ele...leva o seu pesar.-
Só vai e sem companhia,
Que os seus fôra ele deixar;
Que quem não leva descanso,
Descansa em só caminhar.-
D'escontra onde ia a barca
Se ia o sol abaixar ;
Indo-se abaixando o sol
Escurecia-se o ar;

Tudo se fazia triste
Quanto havia de ficar.
Da barca levantam remos
E ao som do remar
Começaram os remeiros
Dos bancos este cantar:
«Que frias eram as aguas!
Quem as haverá de passar?

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