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Ficou-me só o sentir
Para não poder dormir,

Os meus cuidados cresceram,
As esperanças mingoaram;
Prazeres adormeceram,

Os

pesares acordaram.

Ao bem os olhos cegaram,
Ao mal os foram abrir;
Nunca mais pude dormir.

III

Como dormirão meus olhos?
Não sei como dormirão,
Pois que vela o coração.

Toda esta noite passada,
Que eu passei em sentir,
Nunca a eu pude dormir,
De ser muito acordada.
Dos meus olhos foi velada
Mas como não velarão,
Pois que vela o coração?

;

As horas d'ela cuidei
Dormi-las; foram choradas;
Pois tam bem as empreguei,
Dou-as por bem empregadas.
Todas as noites passadas
Neste pensamento vão,
Pois que vela o coração!

Pássaros, que namorados
Pareceis no que cantais,

26.

27.

Não ameis, que, se amais,
De vós sereis desamados.
Em meus olhos agravados
Vereis se tenho razão,
Pois que vela o coração.

D. FRANCISCO DE PORTUGAL,
CONDE DO VIMIOSO

Cantiga

SE alguem deseja prazer
Viva em-no esperar,

Que todo o mais ha de achar
Maneira de o perder!

Diga-me: quem alcançou
Bem algum que desejasse,
Se nunca tanto folgou
Que d'isso se contentasse ?
E pois se acaba o prazer
Que se espera, em se alcançar,
Quem esperar de o ter,
Não ouse de o tomar !

Trovas sentenciosas. (Escolhidas)

I

QUE grande espanto é cuidar
Como se sostém o mundo!

Quam perto

está de pasmar

Quem ás cousas vê o fundo!

É ignorancia esperar
Por outro tempo melhor,
E no presente acertar
Convém sempre ao sabedor.

Quam prestes se determina
Quem não é determinado!
Nunca deu boa doutrina
Quem é mal-acostumado.

Que maldade é afear

As culpinhas veniaes!

Que medo dissimular

Com as vergonhas mortaes!

Quem viu nunca sem seu dono Olhar outrem pola cousa? Mui vencido é do sono Quem com fadigas repousa!

Que monta mais ser senhor Que o mais inferior?

Quem em si tem mais primor Se deve ter por melhor.

Que vo-lo dem por escrito:
Amor de pessoas reaes,
Quanto dura o apetito,
Isso só dura e não mais!

Que grande semsaboria

É ver mundo e conhecê-lo!
Que grande graça seria

que se cala dizê-lo!

Que má cousa é fazer trovas, Se ocupam o cuidado ? Nunca soube muitas novas Quem nenhumas tem palrado!

II

Muito vence quem se vence; Muito diz, quem não diz tudo: Ao que é discreto pertence A tempo fazer-se mudo.

A

Grande fazenda é o siso
quem d'elle sabe usar.
Nunca vi aproveitar
Falar mal em prejuizo.

O sofrer é do prudente,
Do necio a impaciencia ;
Pobreza com paciencia
É riqueza excelente.

A pensamentos altivos
Vi sempre permanecer;
A espritos baixos, cativos,
Não se vê cabeça erguer.

Não vi a mao fazer fruito,
Nem sem deus haver saude;

Nem vilão, que veio a muito,
Esperar d'elle virtude.

Ao bom é grande honra
Ser do mao escarnecido.
Nunca vi maior deshonra
Que d'elle andar querido.

Trabalho é entender,
Descanso não saber nada.
A tempos muito saber

Ante senhores enfada!

FRANCISCO DE SÁ DE MIRANDA

28.

A El Rei D. João III

REI de muitos reis,

Se uma hora só mal me atrevo

Ocupar-vos, mal faria,

E ao bem commum não teria
Os respeitos que ter devo.

Que em outras partes da 'sfera,
Em outros ceos differentes,
Que Deus tègora escondera,
Tanta multidão de gentes
Vosso mandado espera.

Que sois vós tal que a elles sós,
Justo e poderoso rei,

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