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ro acto, o Côro dialoga com os personagens no verso · solto, não se prendendo a nenhuma fórma determinada da estrophe. Como no periodo primeiro da tragedia grega, os Côros da Castro tomam parte activa no decorrer das scenas, e muitas vezes são provocados pela propria situação; mas Ferreira lança poucas vezes mão d'este recurso; ainda assim este dialogo do Côro com os personagens póde justificar-se pela liberdade privativa do corypheu. A parode ou entrada do Côro, a metastase ou saída temporaria por exigencia da acção, o epirapode, ou o regresso do Côro, a aphode ou a saída definitiva, com o exodo, ou o canto da retirada, são seguidos por Ferreira, no uso calculado que fez d'este elemento essencial da tragedia classica.

De todo este rigor seguido por Ferreira, se conclue, que a Castro difficilmente poderia ser represen tada, por falta de musica, por falta de um arranjo scenico como o que se usava na Grecia, e que esta mesma superstição das fórmas classicas embaraçou o desenvolvimento do genero tragico entre nós, que não mais se manifestou, até á influencia do theatro francez e das tragedias de Alfieri e Metastasio em Portugal no seculo XVIII.

CAPITULO V

Influencia do Santo-Officio no Theatro portuguez

A censura dos livros no seculo xv.

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Barrientos queima grande

parte dos livros do Marquez de Vilhena. - Creação do Santo Officio em Portugal em 1536. -O Infante Dom Henrique nomeado Inquisidor-Mór. - Peças de Gil Vicente que desappareceram de 1536 a 1562. — Gil Vicente condemnado no primeiro Index de Hespanha. Em 1541 prohibe-se em Portugal uma obra de Damião de Goes. As Constituições dos Bispados, de 1536 a 1591 prohibem os Autos da Paixão, Ressurreição e Nascimento, ou das vigilias dos Santos. A Carta Regia de 8 de Junho de 1538 e os costumes populares. Influencia do Concilio de Trento no theatro portuguez. - Autos populares, Comedias e Tragedias latinas prohibidas pelos Indices Expurgatorios, de 1564, 1581 e 1597. — Plano politico do estabelecimento da Inquisição na Peninsula.

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A censura dos livros começou muito cedo em Portugal; el-rei Dom Duarte, no capitulo do Leal Conselheiro: «Da guisa, por que se deve leer per os liuros dos evangelhos, e outros semelhantes,» fala dos livros aprovados. (1) No seculo XIV quando a rasão humana se emancipava da tutella religiosa pelo grande desenvolvimento das Universidades, a Egreja continuou a amaldiçoar o pensamento; as obras de Scot Erigenes, de Abailard, de Raymundo Lullo, de Guilherme de Saint Amour foram excommungadas. Na Livraria de el-rei Dom Duarte não se encontra nenhum d'estes auctores. N'este mesmo seculo vêmos em Hespanha um facto que annunciava a sorte futura dos livros: a

(1) Op. cit., p. 446, ediç. de Paris.

rica bibliotheca do Marquez de Vilhena, fallecido em 1434, foi levada em dois carros para casa de Frei Lope de Barrientos confessor de el-rei Dom João II, de Hespanha, sendo grande parte d'ella condemnada á fogueira. Barrientos era frade dominicano, e um verdadeiro prenuncio do obscurantismo da sua ordem. (1) Nos paizes aonde predominava o catholicismo, custou muito a introduzir a Imprensa. Quando começaram as controversias da Reforma, muitos livreiros foram queimados vivos; Francisco I entendeu que o melhor modo de impedir a vulgarisação das novas ideias, era decretar a extincção da typographia.

Em 1535 assignou Francisco I Cartas patentes em que decretava a abolição da Imprensa, como meio de reprimir as heresias, e prohibição completa de imprimir qualquer livro que fosse sob pena da corda. Era impossivel voltar ás trevas, depois de feita a luz; a Imprensa subsistiu, mas dominada pela censura ecclesiastica. A 23 de Maio de 1536 foi expedida para Portugal a bulla que creava entre nós o Santo Officio; o prazer que Dom João III sentiu com esta concessão papal está nas palavras que disse ao seu embaixador em Roma, ácerca do cargo do Inquisidor-mór: «Se este cargo fôra de principe secular, com mui grande gosto me empregára n'elle.» (2) Em 1539, não podendo o monarcha arvorar-se em Inquisidor, nomeou n'este cargo

(1) Ticknor, Hist. de la litter. esp., t. 1, p. 380, n.o 26. (2) Na Torre do Tombo; citado por Herculano, nas Origens da Inquisição.

a seu irmão o infante Dom Henrique. Estava fundado o reinado das trevas; a reforma da Universidade, começada em 1537 ficou esteril, mas sobretudo o que mais soffreu foi o theatro portuguez. Em 1541 prohibiu o Cardeal-Inquisidor a venda de um livro publicado em Paris por Damião de Goes. Já n'este anno era: «qua ordenado que os livros novos que vierem de fóra primeiro que se vendam sejam vistos por um official da santa inquisição, etc.» (1) Depois da morte de Gil Vicente em 1536, começaram tambem as suas obras a ser perseguidas; perdeu-se o Auto que em 1527 trazia entre mãos, intitulado A Caça dos Segredos. As suas obras meúdas, que constavam de trovas de Cancioneiro, apodos e romances populares, e que andavam em folha volante, tambem foram silenciosamente extinctas. Diz Luiz Vicente, no ultimo livro dos Autos de seu pae: «Fim do quinto livro, o qual vae tão carecido d'estas obras meúdas, porque as mais das que o Autor fez d'esta calidade se perderam.» Carlos v inaugurou em 1546 o Index Expurgatorio em Hespanha; por este tempo corriam manuscriptas as obras de Gil Vicente por aquelle reino, porque no Index de 1559 se prohibiu ali o representar-se a sua tragicomedia de Amadis de Gaula, que só se imprimiu em 1562, e em folha volante em 1586.

Por este excesso de fervor religioso em que cahiram os doidos Carlos v, Francisco I e Dom João III,

(1) Carta do Cardeal a Damião de Goes. (Ann. das Sciencias e das letras, p. 330.)

suspenderam-se nas côrtes os divertimentos dramaticos. Tendo Dom João III mandado a Gil Vicente que recolhesse os seus Autos, só se explica o terem ficado ineditos até ao reinado de Dom Sebastião, por este accesso de fanatismo com que implantára a Inquisição. Gil Vicente pugnára pelas ideias da Reforma, e era por isso que n'esta primeira phase do terror do Santo Officio não tornou a ser lido.

Antes de se organisarem em Portugal os Index Expurgatorios, o theatro popular que começava a desenvolver-sc foi logo invadido e aniquilado pela authoridade ecclesiastica. Se virmos os Regimentos da procissão de Corpus Christi, conhece-se a parte espectaculosa de que ella constava, que eram verdadeiras comedias informes; Gil Vicente representou nas Caldas em 1504 o Auto de Sam Martinho na procissão de Corpus. O gosto d'estas representações scenicas estava tão arraigado nos usos papulares, que em 1538, o Bisdo Porto não teve remedio senão vir a um accordo com a Camara Municipal, para consentir, que ao passar a procissão pela rua nova se fizesse um Auto de alguma historia dévota, estando todos em pé e sem barretes, diante do sacramento. Dom João III tambem se viu forçado a confirmar este accôrdo por Carta regia, ao concelho do Porto, datada de Lisboa a 8 de Junho de 1538. (1) Além das comedias privativas da procissão

po

(1) Cartorio da Camara de Porto, liv. I das Prov. da Cam., p. 330. Apud Aragão Morato, Memoria sobre o Theatro portuguez, p. 69.

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