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ser admittidos n'estas festas e canas, e que se fizera memoria d'elles, conforme suas qualidades; mas infinita escriptura fora, segundo todos os homens da India são assignalados; e por isso bastem para servirem de amostra do que ha nos mais. » (1) Manoel Severim de Faria, que segundo o snr. Visconde de Juromenha, viu Cartas ineditas de Camões, foi o primeiro que attribuiu a esta peça a causa dos novos soffrimentos do poeta. Esta Satyra do Torneio andava appensa á Carta II da India, e do começo d'ella se deprehende que Camões a enviára em 1555 para o reino, pedindo inviolavel segredo: « Esta vae com a candeia na mão morrer nas de V. M.; porque não quero que do meu pouco comam muitos. E se todavia quizer metter mãos na escodella mande-lhe lavar o nome e valha sem cunhos. » É'facil de calcular a celeuma que se levantaria dos fidalgos satyrisados contra Camões; em 1556 viu-se obrigado a saír de Gôa, e Francisco Barreto para o salvaguardar das traições que lhe armavam despachou-o para a China, com o cargo de Provedor-Mór dos Defunctos e Ausentes de Macáo, em que chegou, segundo a tradição, a alcançar alguma fortuna. O snr. Visconde de Juromenha é que restituiu á verdade este problema da vida do poeta, conciliando-o com o caracter justo de Francisco Barreto. A partida do poeta seria em Março de 1556, época em que se fazia a viagem da China, para evitar os tufões de Agosto

(1) Obras, t. v., p. 245.

e Septembro; (1) nas Peregrinações de Fernão Mendes Pinto, fala-se na Armada que n'esse anno partíra de Gôa para a China, commandada por Fernão Martins; tudo leva a crêr que n'esta Armada seguíra Camões para o seu pretendido desterro. (2)

(1) Jur., t. 1, p. 496.
(2) Ib., p. 73.

CAPITULO VI

Camões em Macáo, e seu regresso

Gôa

O Cargo de Provedor-Mór dos Defunctos e Ausentes.-Nomeação de Camões por Francisco Barreto. Caracter integro do Governador. -Relações de amisade com o poeta Antonio de Abreu. A tradição de Affonso de Albuquerque, recolhida por Camões. O Jáo. - Camões escreve do canto segundo até ao sexto dos Lusiadas em Macáo.- Intrigas contra Camões com Francisco Barreto. - E' chamado a Gôa debaixo de prisão. - Naufragio na foz do Mecon. —A sua vida descripta no canto vi dos Lusiadas, escripto nos carceres de Gôa.Sabe em Gôa da morte de D. Catherina de Athayde. -Trovas escriptas na prisão. - Amisade do Vice-Rei D. Constantino de Bragança. O banquete poetico dado por Camões em Gôa, depois de saír do carcere. -D. Francisco de Almeida.Traços biographicos de João Lopes Leitão, poeta e amigo de Camões. Amisade de Diogo do Couto por Camões.- Chegada do novo Vice-Rei D. Francisco Coutinho, Conde de Redondo. -A anedocta de Miguel Rodrigues Fios Seccos. - Camões pede ao Viso-Rei por Heitor da Silveira.-Traços biographicos d'este poeta.-Influencia de Camões para com o Conde Vice-Rei: Garcia de Orta e os Colloquios dos SimpliA noticia do perdão de seu pae Simão Vaz de Camões. -Permanencia de Camões em Goa até 1567.- O Vice-Rei D. Antão de Noronha, nomeia Camões para a sobrevivencia da Feytoria de Chaul. — Vinda de Camões para Moçambique em 1567.-Trabalhos soffridos até 1569 em que se embarca para o reino.

ces.

Entre os grandes abusos da administração no governo da India, aquelle que mais se sentia no reino, pois que affectava o interesse de muitas familias, era o do extravio das heranças dos que morriam longe da patria. Em uma Carta de Francisco de Sousa a D. João III, se delata este crime da má arrecadação e des

caminho dos bens jacentes, e se propõe os meios para se providenciar sobre o modo de se entregarem no reino as heranças aos parentes dos fallecidos. O Governador Francisco Barreto, atacando de frente os abusos que arruinavam o dominio de Portugal na India, attendeu tambem a estes descaminhos; desde 1554 que o commercio portuguez na China estava florentissimo, indo levar os seus productos até Cantão. Em consequencia das grandes riquezas dos negociantes ali fallecidos, reclamava-se uma auctoridade, que fiscalisasse a boa arrecadação das heranças, n'aquellas paragens onde, pela distancia a que se achavam do governo central, era quasi impossivel a justiça. Francisco Barreto dotado de um caracter energico e tenaz, adaptado para executar as grandes reformas, precisava de um homem destemido. e honrado, para ir restabelecer a administração n'aquelles perigosos sitios; conhecia Luiz de Camões, então de seus trinta e dois annos, vigoroso e atrevido, e sem mancha na sua probidade; nomeou-o para o cargo de Provedor-Mór dos Defunctos e Ausentes, em Macáo, o que corresponde ainda hoje entre nós a Curador geral, uma das attribuições do Ministerio Publico. A difficuldade do cargo, tendo de luctar com grandes interesses constituidos e quasi que sómente com a força moral da lei, poderia fazer parecer esta nomeação um castigo; a grande distancia, pois que na viagem se gastava perto de quarenta dias, e a falta de recursos de uma cidade nascente, poderiam tambem fazer parecer que este despacho era um desterro, como se affigurava a Manoel

Severim de Faria, Faria e Sousa, e a quasi todos os biographos.

Começaram a vir do reino mais reclamações ácerca das heranças, e em 2 de janeiro de 1556 era expedido para a India o Regimento do Thesoureiro dos Defunctos; e nas Instrucções, dadas no anno seguinte a D. Constantino de Bragança, tambem se repetia: «Assy mesmo vos recommendo muito o bom recado das fazendas dos finados. E de mandardes ao Provedor-mór, e Provedores d'elles, que tenham grande cuidado de se fazerem os inventarios com toda a fidelidade em tudo o que tenho mandado por meus Regimentos.» (1) Por esta exigencia se vê que a nomeação de Camões, a quem se chamava bacharel latino, se fundava tambem sobre os seus estudos juridicos, indispensaveis para os inventarios e partilhas. No exercicio d'estas funcções de Provedor-Mór dos Defunctos, andayam annexos os cargos de Alcaide-mór e Vedor das Obras, que, pelo Livro da Fazenda da India, tinham de ordenado com o titulo de Feitor a quantia de 1294520 réis. Em vista d'isto comprehende-se a verdade d'aquella nota á estancia LXXX, do Canto VII dos Lusiadas, de 1584: «Isto diz, porque Camões andando na India, começando a fortuna a favorecel-o, e tendo algum fato de seu...» Em virtude d'este cargo teve Camões relações de amisade com o poeta Antonio de Abreu, conhecido pelo epitheto de Engenhoso, que era Contador de El-Rei na

(1) Apud Juromenha, Obras, t. I, p. 496, nota 42.

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