Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Isto fazem os Reis, cuja vontade
Manda mais que a justiça e que a verdade.

Isto fazem os Reis, quando embebidos
N'huma apparencia branda que os contenta,
Dão os premios de Aiace merecidos,

A lingua vaa de Ulysses fraudulenta.

C. 10.° E. 23. E 24."

A Nympha hia cantando alegre os louvores do grande Pacheco, e quando, possuida de enthusiasmo, mais remontava o som de sua voz, eis que de repente se entristece, chora, e muda de tom, para memorar a mais feia das ingratidões.

Em baixa voz, desfeita em pranto, canta então o esforço de Pacheco mal agradecido; e evocando a sombra de Belisario, a consola, apontando-lhe o exemplo do galardão, semelhante ao seu, que ao heroe portuguez está reservado:

Aqui tens companheiro, assi nos feitos,
Como no galardão injusto e duro:
Em ti, e nelle veremos altos peitos
A baixo estado vir, humilde e escuro:
Morrer nos hospitaes, em pobres leitos,
Os que ao Rei, e á lei servem de muro!

Ile em seguimento que o Poeta diz:

Isto fazem os Reis, cuja vontade

Manda mais que a justiça e que a verdade.

E na estancia immediata renova a censura, repetindo:

Isto fazem os Reis, quando embebidos

etc.

As proesas de Duarte Pacheco Pereira, os relevantissimos serviços que este varão illustre prestou na India, são largamente referidos por Castanheda, Barros, etc.; basta para o nosso intento lembrarmos que ElRei D. Manoel reconheceu a tal ponto o merecimento de Pacheco, que, por occasião do desembarque do heroe em Lisboa, o foi buscar, o levou ao seu lado debaixo do pallio, e o poz junto a si á mesa em publico; e não contente com isto, escreveu ao Papa e a muitos Reys da Christandade as quasi fabulosas façanhas d'um subdito, que tamanha gloria lhe alcançára. Pois bem, esse mesmo Pacheco, a quem ElRei D. Manoel liberalisára as mais estrondosas, quanto merecidas distincções, acaba depois a vida em um hospital, vivendo ainda o mesmo Rei D. Manoel!

Bem haja o Poeta, que não reprime a sua indignação contra aquelle mesmo Rei!

Mas tu, de quem ficou tão mal pagado
Hum tal vassallo, ó Rei só nisto inico,
Se não és para dar-lhe honroso estado,
He elle para dar-te hum reino rico.
Em quanto for o mundo rodeado
Dos Apollineos raios, eu te fico,

Que elle seja entre a gente illustre e claro,
E tu nisto culpado por avaro.

Bem haja o Poeta, que tão severamente reprehende os Reis, cuja vontade manda mais que a justiça e que a verdade; os Reis que, respirando unicamente o viciado ar da adulação, escutão só os intrigantes, e em vez de premiarem os valentes e os benemeritos, engrandecem os indignos. Succedia isto no tempo do nosso Epico, continuou ainda depois, e he bem para desejar que na quadra de hoje não mais se verifique.

Mais de um Poeta nosso tem cantado a heroicidade do grande Pacheco, e pranteado a sua desdita. Citaremos apenas uma Ode de Diniz, á qual poem remate com os seguintes versos:

ANTISTROPHE.

Quanto, quanto se engana,

Se em si fiado o são merecimento
Da fortuna tyrana

Aos revezes crueis se julga isento?
Pois com torvo semblante sempre a inveja
Olha a virtude, que opprimir deseja.
Em vão, mortaes, não clama a minha lira,
Se, para illustre exemplo,
Entregues da pobreza á cruel ira
A Pacheco, e Milciades contemplo.

EPODO.

Famoso heroe, negando-te as riquezas,
Em vão triste destino
Avaro intenta ás inclitas proezas
Roubar-te o premio dino.

D'aurea fama immortal rico thesouro,
Que sempre resplendece,

Parnaso te efferece,

Com quem o preço perdem prata e ouro:
Pois hoje as Musas, da virtude amigas,

Croão por minhas mãos tuas fadigas.

He muito curioso o parallelo entre Belisario e Duarte Pacheco Pereira, que vem no Parallelo de Principes e Varões illustres de Toscano:

<< Belisario Capitão do Emperador Justiniano, despois de alcançar estranhas victorias, e ricos despojos de varias nações, que venceo em diversas batalhas, e recontros, em pago de tantos, e tão grandes serviços, veo a ser invejado, e murmurado no cabo de sua velhice, e prezo pelo Emperador, e confiscados seus bens para a Coroa, e ficou em o mais misero estado do Mundo, vivendo de esmollas, que sentado em caminhos publicos recebia dos passageiros com muita paciencia, e soffrimento, em que acabou a trabalhosa vida com notavel exemplo da pouca firmeza do mais alto estado.

<< Outro Belisario em tudo se vio no incansavel Capitão Duarte Pacheco, de cujo nome toda a India tremia. O qual despois de haver milagrosas victorias, e fazer espantosas façanhas, e altas proezas contra o Çamorim Emperador do Malavar, e outros Reys

seus confederados, e triumphar delles, e livrar o Rey de Cochim (cujo bando deffendia) do jugo daquelles barbaros, o haver passado muitos golpes da fortuna, teve por premio e galardão de seus estranhos serviços (polos quaes lhe fez ElRei D. Manoel tanta honra, vindo da India, na entrada de Lisboa, quanta nenhum cavalleiro recebeo de Principe algum) mandal-lo o proprio Rey, que tanto o tinha honrado (unico remunerador de serviços) vir da Mina, onde estava por Capitão, por falsos capitulos, que invejosos, e mexeriqueiros lhe impuserão neste Reino, posto em ferros, com os quaes esteve muito tempo na cadea, até se saberem suas culpas serem falsas, e depois de solto viveo em tanta pobreza, que se mantinha (como Belisario) de esmollas, que alguas pessoas nobres lhe mandavão; e consumido de necessidade, e miseria acabou seus dias no Hospital de Valença de Aragão miseravelmente, e seus trabalhos, e perseguições da fortuna (mas não sua immortal fama) com tanta paciencia, e soffrimento, quanto era o esforço, e prudencia, com que soube vencer seus inimigos, deixando ao Mundo todo exemplo das inconstancias do tempo. »>=

Cremos ser proprio do assumpto deste Estudo o dar uma breve noticia dos portuguezes distinctos, que forão mal recompensados. Vamos transcrevê-la do tomo 5.o do Recreio, Jornal das Familias.

«Duarte Pacheco Pereira.-São conhecidos na historia os serviços deste insigne Capitão, feitos na India e na Europa. O premio que teve por elles foi hir morrer no hospital. A sua viuva, diz Goes, vivia de esmolas.

O Grande Affonso de Albuquerque.-Foi á sepultura opprimido de desgostos, causados da injustiça e ingratidão da Côrte. As demonstrações de lucto, que por elle fizerão na India, até os proprios gentios, desmentírão completamente o iniquo conceito, que em Portugal se quiz fazer deste grande homem. (Barros, Década 2.a Liv. 10. Cap. 8.°)

Antonio Galvão. O pai, o bemfeitor, e o apostolo das Molucas, cujos serviços e raro desinteresse são notorios, veio viver

1 Entendemos dever apontar aos Leitores uma breve Memoria de José Joaquim Soares de Barros, que tem por titulo Obsequios devidos á memoria de hum respeitavel Monarca, e aos creditos de hum Vassalo o mais benemerito (Affonso d'Albuquerque).-Vem no tomo 5.° das Memorias de Litteratura Portugueza. A leitura desta Memoria habilita para julgar menos severamente EIRei D. Manoel.

de esmolas no hospital de Lisboa, aonde esteve 17 annos, e com esmolas foi enterrado. (Couto, Dec. 5. Liv. 7.° Cap. 2.o-Barros, Dec. 4. Liv. 9.°)

Fernam Mendes Pinto.-Lêa-se o ultimo Capitulo das suas Peregrinações, e se verá a paga que elle teve de seus serviços, e o modo, com que geralmente se premiavão os dos outros, que no Oriente servião o Estado.

Gonçalo Mendes Çacoto. Foi Capitão de Çafim e Azamor, e achou-se na maior parte dos feitos d'armas em Africa nos reinados de D. João 11, D. Manoel e D. João III. Foi homem de grande esforço e conselho (diz Goes), mas para nada lhe aproveitou, senão para podermos dizer, que se Duarte Pacheco Pereira lhe não fez inveja na cavallaria, tambem lhe não póde fazer na medrança, porque tão pobre morreu um como outro.

Fernam de Magalhães.-Depois de ter feito importantes serviços no Oriente e em Africa, dizem que viera desta última sem licença do Governador, e accusado de se ter havido com pouca limpeza de mãos na repartição de certa tomadia de gado. Pretendeu augmento de moradia do seu fôro, que el Rei lhe não quiz conceder sem primeiro se justificar. Pelo que se desnaturalisou do reino, e foi levar a Castella os seus serviços com os effeitos que todos sabem. Barros diz que elle viera de Africa com a sentença do seu livramento, mas que el Rei sempre lhe ficára com aversão.

O Immortal Camões. - Honra das Musas Portuguezas, veio. da India viver no hospital de Lisboa, sustentado das esmolas, que de noite pedia o seu fiel Indio. De esmolas se lhe deo um lençol para hir á sepultura.

D. Estevão da Gama.-Filho segundo do grande Vasco da Gama. Depois de fazer grandes serviços ao Estado, foi obrigado a hir viver em Veneza, sem ter tido recompensa alguma, por não querer casar á vontade d'elRei D. João 111. De lá voltou ao Reino com promessas, que nunca se realisarão. (Couto, 5., 9. 2.)

D. Alvaro de Castro.-Filho do heroico D. João de Castro, vindo da India carregado da gloria e dos serviços de seu pai, e seus, andou muito tempo na Côrte sem resposta, nem despacho, e o que depois teve foi bem menos do que merecia. (Couto, 6., 9. 1.)

Francisco de Sousa Pereira.-Lea-se o grande, arriscadissimo, e importante feito, que fez em Chalé, quando foi da conspiração geral da India contra os Portuguezes, e o mal que

« VorigeDoorgaan »