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suas poesias. Na egloga mi se queixa a sua dama da sua ousadia, falta de segredo e da doudice com que a amára:

Mas teu sobejo e livre atrevimento,
E teu pouco segredo, discuidando,
Foi causa deste longo apartamento.

E pois de teus descuidos, e ousadia,
Naceo tão dura e aspera mudança,
Folgo, que muitas vezes to dizia.

Pretenções que não se casavam com o decoro e castidade da dama, indiscrição no fallar, parece que foram as culpas do Poeta, que o lançaram d'este paraizo para o mais triste abysmo, e a que acresceram causas estranhas.

N'esta mesma egloga, na qual de alguma maneira imita o triumpho da morte de Petrarcha, com a differença que aqui metamorphoseia a sua dama, conjuntamente com a accusação que esta lhe faz, o Poeta apresenta a sua justificação:

Não es tu de saber tão falto e rudo,

Que tão sem siso amasses, como amaste.

ALMENO

Onde viste tu Ninfa amor sesudo?

Se mas tençoens poserão nodoa fea
Em nosso amor, de inveja pura,
Porque pagarei eu a culpa alhea?

Como vemos pois, alem do pouco disfarce, e cautela que houve por parte do Poeta, a inveja e murmuração deram publicidade a estes amores, o que parece ter sido mal soffrido por elle, dando logar a alguma desavença que mais serviria a aggravar-lhe a sorte e accelerar-lhe o fim.

VI

Publicados estes amores, foi necessario á dama quebrar uma relação que lhe era tão cara, ou porque o decoro e reputação o exigia, ou para

o desenganar de um amor sem fructo, e porventura mesmo para se escudar contra as suas ousadias e apaixonadas exigencias, vistoque a sua pouca fortuna lhe não permittia levar a um fim honesto os seus amores. Qual era porém a violencia que fazia ao seu coração, e que esta quebra era sómente apparente, se vê dos versos que o Poeta lhe põe na boca:

Mal conheces, Almeno, huma affeição,

Que se eu desse amor tenho esquecimento,
Meus olhos magoados to dirão.

Hum so segredo meu te manifesto,

Que te quiz muito em quanto Deus queria,
Mas de pura affeição, d'amor honesto.

E pois de teus descuidos, e ousadia,
Nasceo tão dura e aspera mudança,
Folgo, que muitas vezes to dizia.

É de suppor que o Poeta desaffrontou a honra maculada da sua dama, e fez arrepender o maldizente que ousou pôr nodoa no seu honesto procedimento. Aquelle que soube tão bem manejar a espada como a penna, que vira tantas vezes as solas dos pés a seus adversarios, consentiria que alguem dissesse uma só palavra em desabono d'aquella que adorava? D'estes versos, onde o Poeta como em epilogo transcreve a tumultuosa agitação d'estes amores, se manifesta com evidencia o contrario:

Amor não será amor, se não vier

Com doudices, deshonras, dissençoens,
Pazes, guerras, prazer, e desprazer.
Perigos, lingoas más, murmuraçoens,
Ciumes, arruidos, competencias,
Temores, nojos, mortes, perdiçoens.

Ou o Poeta ferisse o seu adversario em duello, ou fosse surprehendido nos seus amores, diz-se que os parentes poderosos da dama invocaram a severidade da lei contra elle, que, aindaque de um nascimento illustre, não reputavam partido vantajoso, pela sua pouca fortuna, e conseguiram faze-lo sair da côrte por meio de um degredo,

que teve logar em uma povoação, sobre as margens do Tejo 1, em sitio onde as aguas correm doces, e onde se estreita este rio tão soberbo na sua foz. Talvez a mesma rainha, e isto me parece o mais provavel, a quem D. Catharina era tão bem aceita, que em attenção ao seu bom serviço e á amisade que lhe tinha, deixou no seu testamento um legado de 505000 rs. a sua mãe D. Maria Bocanegra 2, sabendo d'esta inclinação tratou de desviar para longe o objecto que lh'a fazia nutrir, e isto por conselho das pessoas que a cercavam. A estas parece o Poeta alludir na comedia de Filodemo quando se queixa dos inquisidores de amor, que lhe defenderão a vista para não emprenhar o desejo; e á Rainha D. Catharina na ode III, em a qual, comparando-a com Proserpina, a reputa mais cruel que a deusa infernal, a qual ao menos se rendeu aos rogos e doce canto de Orpheu, para lhe restituir a amante. Cumpre porém advertir que esta ode, não só pela invocação das ninphas do mar, mas pela analogia com a elegia п, parece com grande probabilidade ter sido escripta indo de viagem para o segundo de⚫ gredo.

A duas leguas de Abrantes para o poente na encosta de um níonte cuja base é banhada pelo Tejo, pela parte do sul, e pelo occidente pelo Zezere, está situada a villa de Punhete a que os romanos deram o nome de Pugna Tagi (combate do Tejo), porque entrando ali com arrebatada corrente o Zezere, e cortando as aguas cristalinas do Tejo, parece que entra com ellas em combate. N'esta povoação, então logar do termo de Abrantes, e a que El-Rei D. Sebastião fez villa, parece ter sido o logar do seu desterro por uma certa analogia de descrição que se nota em algumas das suas poesias, principalmente se é sua a canção xii, e pela tradição que me dizem que ali existe. Na elegia ш, escripta n'este sitio, se compara a Ovidio, que com a sua musa mitigava o exilio em terra estranha. N'ella se queixa da injustiça e dureza de seu degredo, e sentado em um monte d'onde avista as barcas que vão nadando, pede ás ondas em saudosos versos que, já que o não levam na sua companhia, ao menos levem as suas lagrimas á parte onde tem posto o pensamento, isto é, a Lisboa. N'esta elegia nos descreve com as côres as mais verdadeiras como, preocupado pelo amor e pela saudade, discorria por estes sitios; sejam as expressões do mesmo Poeta que nos apresentem este estado amargurado do seu coração:

1 Vide nota 32.a

2 Vide nota 33."

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Quando a roxa manhãa, dourada, e bella,
Abre as portas ao sol, e cae o orvalho,
E torna a seus queixumes Filomela;
Este cuidado que co' o sono atalho,

Em sonhos me parece, que o que a gente

Por seu descanso tem me dá trabalho:

E depois de acordado, cegamente

(Ou por melhor dizer desacordado

Que pouco acordo logra hum descontente)
De aqui me vou com passo carregado

A hum outeiro erguido, e ali me assento,
Soltando toda a redea a meu cuidado.
Depois de farto ja de meu tormento
Estendo estes meus olhos saudosos
A parte onde tinha o pensamento.
Não vejo senão montes pedregosos,

E sem graça, e sem flor os campos vejo
Que ja floridos vira e graciosos.

Vejo o puro, suave, e rico Tejo,

Com as concavas barcas, que nadando
Vão pondo em doce effeito o seu desejo,
Humas com brando vento navegando,

Outras com leves remos brandamente
As cristalinas aguas apartando.

De alli fallo com a agua que não sente,
Com cujo sentimento esta alma say

Em lagrimas desfeita claramente.

Oh! fugitivas ondas, esperay;

Que pois me não levais em companhia,

Ao menos estas lagrimas levay.

Á vista d'esta composição não pode duvidar-se do degredo do Poeta, e a comparação que faz de si com o poeta Sulmonense, desterrado em uma cidade do mar negro, segundo se julga pelos seus amores com a filha de Augusto, dá bem a ver que a culpa do nosso Poeta era da mesma natureza, isto é, pelos seus amores no paço. N'esta poesia se manifesta a transição do goso o mais puro do amor, para a privação forçada e immerecida da vista do objecto que lh'a fazia nutrir.

Desta arte me figura a fantezia
A vida com que morre, desterrado
Do bem que em outro tempo possuia.

Aqui me representa esta lembrança

Quão pouca culpa tenho, e me intristece
Ver sem rasão a pena que me alcança.

A aspereza com que representa um sitio aliás tão ameno e encantador, e a inveja com que se dirige ás barcas que vão nadando rio abaixo, mostra quão violentado aqui residia; e que aguardava com impaciencia um praso, determinado ou indeterminado, para pôr termo a este degredo, consta igualmente d'esta composição:

Ate que venha aquelle alegre dia

Que eu vá onde vós ides, livre, e ledo;
Mas tanto tempo quem o passaria!
Não pode tanto bem chegar tão cedo:
Porque primeiro a vida acabará,

Que se acabe tão aspero degredo.

Chegou com effeito esse dia desejado com tanta ancia pelo nosso Poeta, e pôde elle dirigir-se novamente a Lisboa, e gosar da vista e convivencia da sua amante; mas ou porque recaisse na mesma culpa, ou por outra que nos é occulta, incorreu na pena de um novo degredo para sitio mais afastado, em uma das praças d'Africa que estavam debaixo do dominio da corôa portugueza, e onde a mocidade ía baptisar as suas espadas, antes de se passar ás longinquas conquistas do Oriente.

Ja quieto me achava com a tristeza,

E alli não me faltava hum brando engano,
Que tirasse desejos da fraqueza.

Mas vendo-me enganado, estar ufano,
Deu á roda a fortuna, e deu comigo

Onde de novo choro o novo dano.

Esta epocha da vida do Poeta, se deve calcular entre os annos de 1546 a 1549. Da elegia 1, consta ter sido Ceuta o logar do seu exilio, e pela canção XII, vemos que o navio ou armada em que ía, tocára no porto

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