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gos; antes de 1453, já Eanes Azurara citava as tragedias de Seneca, lidas na sumptuosa livraria de Dom Affonso v. Falando do Labyrinto de Creta, diz: «D'este labarinto falla Seneca na tragedia aonde põe a causa de Ipollito com Fedra.» (1) Azurara conhecia a terceira tragedia de Seneca intitulada Hypolito; em outro logar cita como lida a tragedia de Hercules furioso: «Oo quam poucos som, segundo diz Seneca na primeira tragedia, os que husem bem do tempo da sua vida, nem que pensem a sua brevidade!» (2) Mas pelo espirito d'estas citações se vê que Azurara lia Seneca como moralista e não como tragico; a forma dramatica não estava ainda em harmonia com os costumes da sociedade portugueza. Dom Affonso v mandava os artistas portuguezes estudar á Italia, como sanctuario da verdadeira sciencia, e por esta via ou pelas nossas Feitorias, enriqueceu a sua Bibliotheca no palacio de Evora; por sua intervenção vieram tambem a Portugal os sabios italianos. Por este tempo representava-so em Roma a tragedia Hypolito, de Seneca, em que o sabio Inghirami fazia o papel de Phedra. (3) Foi justamente esta tragedia a primeira que se leu em Portugal. As representações do theatro classico estavam então no dominio completo dos grandes eruditos do seculo xv, e n'este tempo a côrte portugueza seguiu o costume

(1) Chronica de Guiné, p. 12, not.

(2) Ibid. p. 44.

(3) Guinguené, Hist. Litt. d'Italie, P. 11, p. 29; Patin, Eschyle, p. 161.

das côrtes italianas, divertindo-se com os momos e intermezes, dos quaes nos resta o Entremez do Anjo, do Coude de Vimioso, anterior a 1471. (1) O entremez constava de uma parte declamada, e de uma parte de canto. O monarcha portuguez, admittindo este divertimento italiano, tornou a musica uma moda da sua côrte; elle teve por mestre n'esta arte a Tristão da Silva. Seu filho Dom João II tornou mais directa a influencia italiana, porque elle proprio procurava imitar o typo e caracter de Lourenço de Medicis. A idêa democratica do Cadastro, que deu a popularidade aos Medicis, reflecte-se na reacção antifeudal de Dom João II.

O theatro classico foi conhecido completamente em Portugal, depois que a eschola italiana inaugurada na poesia lyrica se consolidou. André de Resende, na oração recitada na abertura da Universidade em 1534, cita já as tragedias de Sophocles e Euripedes na lingua original; este facto explica-se, se nos lembrarmos que tambem na Italia a renascença do theatro classico foi devida á dupla influencia dos tragicos gregos e de Seneca. (2) Assim d'este modo se ía despertando na mocidade academica o gosto pelos monumentos do theatro antigo, que vieram mais tarde a ser representados como ensaios litterarios nos seus divertimentos escholares. O mesmo respeito auctoritorio que envolveu logo na Renascença o theatro classico, impediu-lhe o

(1) Historia do Theatro portuguez no seculo XVI, liv. 1, p. 9. (2) Patin, Eschyle, p. 162.

seu desenvolvimento natural; os cultistas que regeitavam o theatro nacional, erigiram a poetica de Aristoteles como o codigo, a fórmula suprema por onde deviam ser pautadas as suas creações dramaticas. A Poetica de Aristoteles era cheia de observações profundas, mas a casuistica acanhada dos commentadores falseou-lhe a analyse, e exigiram a immobilidade stricta do texto. É por isso que o nosso tbeatro classico no seculo XVI é pobre.

O Theatro classico manifestou-se em Portugal como uma reacção contra a comedia nacional; primeiramente proscreveu o uso do verso de redondilha, preferindo a linguagem da prosa. Jorge Ferreira de Vasconcellos encetou a nova eschola com a comedia Eufrosina, justamente quando Sá de Miranda regressára da sua viagem da Italia. No prologo d'esta comedia, escreve: «Eu sou dos que requerem Aretusa, e Comedia no mais maçorral estylo. Ei-vos fallar mera linguagem; não cuideis que é isto tam pouco, que eu tenho em muito a Portugueza, cuja gravidade, graça laconica e authorisada pronunciação nada deve á Latina, que vol-o exalça mais, que seu imperio.» N'esta passagem, Jorge Ferreira protesta usar sómente da linguagem da prosa, dando a primasia á linguagem vernacula, abandonada pelos que nos divertimentos escholares escreviam as comedias em latim. Egualmente no Prologo da comedia Ulyssipo, mostra o seu conhecimento historico da origem da comedia grega; ali nos descreve a lucta que se deu na nossa litteratu

ra com a introducção da comedia nacional: «Como porém n'esta vossa terra os gostos são muy delicados e os estomagos da má digestão; o author não se atrevendo alcançar por si a authoridade de o admittirdes e soffrerdes, soccorreu-se a mim...» (1) A audacia que Jorge Ferreira receia, e que procura abonar com alguma authoridade era o compôr e reduzir á lingua portugueza os moldes classicos. A comedia Eufrosina foi escripta em 1527, em Coimbra, e n'este anno já Sá de Miranda se achava n'aquella cidade; é natural que conversassem da brilhante Renascença que se estava dando na Italia, e que a Sá de Miranda devesse o primeiro impulso para cultivar a scena. Na comedia Aulegraphia, Jorge Ferreira fala de Sá de Miranda com grande louvor: «Gentil poeta é Boscão. — Garcilasso leva-lhe a boia.-Ambos me satisfazem: cada um por sua via. Mas se me desseis licença, não The dou a fogaça do nosso Francisco de Sá de Miranda, de seu estylo mui limado e novo.» (2) Este dialogo confirma a inducção das relações litterarias dos dois illustres poetas. Porém Jorge Ferreira imitando a comedia classica, inspirou-se directamente dos monumentos originaes e não dos primeiros ensaios dos poetas da Italia; tendo seguido por influencia do tempo a poesia da eschola hespanhola, fundiu com a imitação do theatro latino a graça nacional da comedia castelhana; Plauto e Terencio dominavam o seu espirito pela au

(1) Ulyssipo, f. 3.

(2) Acto IV, sc. 2, p. 128.

thoridade das escholas, mas Rojas com a sua Celestina impressionava-o profundamente. No seculo XVI, a nobreza portugueza, seguia por distincção os estudos regulares; foi por isso que o theatro classico occupou sempre a predilecção da nossa nobreza.

No prologo da comedia dos Estrangeiros tambem Sá de Miranda faz a historia da decadencia da Comedia classica, e não se esquece de censurar Gil Vicente por ter intitulado as suas composições dramaticas com o nome de Auto: «Venho fugindo, aqui n'este cabo do mundo acho paz, não sei se acharei socego. Já sois no cabo e dizeis ora não mais, isto é Auto, e desfazem as carrancas, mas eu o que não fiz até agora, não queria fazer no cabo de meus dias, que é mudar o nome. Este me deixae, por amor de minha natureza, e eu dos vossos versos tambem vos faço graça, que são forçados d'aquelles seus consoantes. >>

Quando Sá de Miranda escreveu este ataque violento contra o theatro nacional escripto unicamente em verso de redondilha e com rimas, já era morto Gil Vicente, havia nove annos, mas ainda florescia a pleiada brilhante que o imitava. Podemos dizer que é a contar d'estes ensaios, que a comedia nacional foi banida da côrte portugueza; os principes educados por sabios e eruditos, abraçavam a doutrina que lhes incutiam; é por isso que vemos a comedia Eufrosina dedicada ao principe Dom João, filho e herdeiro de Dom João III; tambem o cardeal Dom Henrique, o mais intolerante catholico que contribuiu para a ruina de Por

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