Entra primeiramente Mercurio, e posto em seu assento, diz:
Pera que me conheçais, E entendais meus partidos, Todos quantos aqui estais Affinae bem os sentidos, Mais que nunca, muito mais. Eu sou estrella do ceo, E despois vos direi qual, E quem me ca descendeo, E a que, e todo o al
Que me a mi aconteceo. E porque a estronomia Anda agora mui maneira, Mal sabida e lisongeira, Eu á honra deste dia Vos direi a verdadeira. Muitos presumem saber As operações dos ceos, E que morte hão de morrer, E o que ha de acontecer Aos anjos e a Deos,
E ao mundo e ao diabo. E o que sabem tem por fé; E elles todos em cabo
Terão hum cão polo rabo,
E não sabem cujo he.
E cada hum sabe o que monta
Nas estrellas que olhou;
E ao moço que mandou,
Não lhe sabe tomar conta D'hum vintem que lh'entregou. Porém quero-vos prégar, Sem mentiras nem cautelas, O que per curso d'estrellas Se poderá adivinhar,
Pois no ceo nasci com ellas. E se Francisco de Mello, Que sabe sciencia avondo, Diz que o ceo he redondo, E o sol sobre amarello; Diz verdade, não lh'o escondo. Que se o ceo fôra quadrado, Não fôra redondo, senhor. E se o sol fòra azulado, D'azul fôra sua côr, E não fora assi dourado. E porque está governado Por seus cursos naturaes, Neste mundo onde morais Nenhum homem aleijado, Se for manco e corcovado, Não corre por isso mais.
E assi os corpos celestes Vos trazem tão compassados, Que todos quantos nascestes, Se nascestes e crescestes,
Primeiro fostes gerados. E que fazem os poderes Dos sinos resplandecentes? Fazem que todalas gentes Ou são homens ou mulheres, Ou crianças innocentes.
E porque Saturno a nenhum Influe vida contina,
A morte de cada hum
He aquella de que se fina,
E não de outro mal nenhum.
Outrosi o terremoto,
Que ás vezes causa perigo, Faz fazer ao morto voto De não bulir mais comsigo, Cantá de seu moto proprio.
E a claridade encendida Dos raios piramidaes Causa sempre nesta vida Que quando a vista he perdida, Os olhos são por demais.
E que mais quereis saber Desses temporaes e disso, Senão que, se quer chover, Está o ceo para isso, E a terra pera a receber? A lua tem este geito: Ve que clerigos e frades Ja não tem ao Ceo respeito, Mingua-lhes as santidades, E cresce-lhes o proveito.
Et quantum ad stella Mars, speculum belli, et Venus, Regina musicæ, secundum Joannes Monteregio: Mars, planeta dos soldados,
Faz nas guerras conteudas, Em que os reis são occupados, Que morrem de homens barbados Mais que mulheres barbudas. E quando Venus declina, E retrográda em seu cargo, Não se paga o desembargo No dia que s'elle assina,
Mas antes por tempo largo.
Et quantum ad Taurus et Aries, Cancer, Capricornius positus in firmamento cæli:
E quanto ao Touro e Carneiro, São tão maos de haver agora, Que quando os põe no madeiro, Chama o povo ao carniceiro SENHOR, c'os barretes fóra. Depois do povo agravado, Que ja mais fazer não póde, Invoca o sino do Bode, Capricornio chamado,
Porque Libra não lhe acode.
E se este não has tomado, Nem touro, carneiro assi, Vae-te ao sino do pescado, Chamado Piscis em latim, E seras remediado:
E se piscis não tem ensejo, Porque pode não no haver, Vae-te ao sino do Cranguejo,
Signum Cancer, Ribatejo,
Que está alli a quem no quer.
Sequuntur mirabilia Jupiter, Rex regum, dominus dominantium.
Jupiter, rei das estrellas, Deos das pedras preciosas, Mui mais precioso qu'ellas, Pintor de todalas rosas, Rosa mais fermosa dellas; He tão alto seu reinado, Influencia e senhoria, Que faz per curso ordenado Que tanto val hum cruzado De noite como de dia.
E faz que hua nao veleira
Mui forte, muito segura,
Que inda que o mar não queira,
E seja de cedro a madeira,
Não preste sem pregadura.
Et quantum ad duodecim domus Zodiacus, sequitur declaratio operationem suam.
No zodiaco acharão
Doze moradas palhaças,
Onde os sinos estão
No inverno e no verão, Dando a Deos infindas graças.
Escutae bem, não durmais, Sabereis por congeituras Que os corpos celestiaes
Não são menos nem são mais Que suas mesmas granduras.
E os que se desvelárão,
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