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МЕМОRIA

Sobre os Codices Manuscritos, e Cartorio do Real Mosteiro de Alcobaça.

POR FR. JOAQUIM DE S. AGOSTIN HO.

Arquivo do Real Mosteiro de Alcobaça, que venho de examinar, affim como he hum dos mais

antigos, affim he tambem hum dos mais ricos, e interessantes do Reino. Coévo aos primeiros tempos da Monarquia: liberalmente dotado, segundo as piedofas intenções d'aquelles dias: protegido em todas as épocas pelos Reys, e Senhores de Portugal: elle conferva ainda hoje hum incalculavel numero de Documentos em muito boa ordem, e arrecadaçaõ. Mas este grande numero, porque so diz respeito na maior parte a negocios de fazenda, e economia, he bem infignificante, se exceptuarmos os Diplomas Regios, e Pontificios, e o Direito Municipal das Villas, e Povoações, de que os Religiofos de Alcobaça sao Donatarios. Foi fobre estes objectos, que eu trabalhei, quanto pude, recolhendo o que julguei digno de fer confervado em qualquer d'aquelles ramos, como mais importante para a nossa Hiftoria e Legislaçaó. Seria agora inutil dar conta do meu trabalho nesta parte, e até impossivel: as Cópias dos Documentos, e os Extractos dos que se me representáraó de menor im portancia, e que já appresentel o darað melhor a conhecer.

2.

Do Arquivo passei á Bibliotheca dos Mss. Ella he talvez a mais abundante de Portugal, e bem conhecida nas Hespanhas pelo Index dos Codices de Alcobaça, impresso em 1775. Lembrava facilmente, que eu me poderia utilizar do trabalho alheio, e regulando

me

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me pelo Index, procurar fomente o que elle nos indicava. Porém nað foi assim: e a experiencia de huma hora me fez perfuadir do contrario e desvaneceu as minhas efperanças. Confrontando os Codices com o Index, vim logo no conhecimento de duas coufas igualmente notaveis: 1.a, que o Author do Index procedeo, a diverfos respeitos, com algum descuido, muita ligeireza, e pouca sinceridade: 2.a que alguns Codices offereciad materias para novas Reflexões, e uteis descubertas. Entaõ com o Index a hum lado, e os Mil. a outro, reformei aquelle, e extrahí d'estes o que julguei mais notavel e interessante; escapando só ás minhas vistas, e exame os que nao existiao na Bibliotheca, ou porque já naõ havia memoria d'elles, quando o Index se formou, ou porque posteriormente se perdêraõ. Darei pois a ler nesta Memoria, o mais precisamente, que me for possivel, as Correcções, e Additamentos, que fiz ao Catalogo dos Mff. de Alcobaça, segundo a ordem dos Codices a que respeitao, e produzirei as Reflexões , que me occorreraõ á vista d'elles e que julguei dignas pela materia de ferem publicadas.

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E primeiro que tudo: Eu disle, que se perdéraő alguns Codices Mil. de Alcobaça; mas he neceffario confessar que as caufas particulares d'esta perda nao tem aquelle gráo de certeza, com que parece as inculca o Author da Prefaçao (a). Se Filippe II fez conduzir de Alcobaça alguns Mil. para o Efcurial, e se devemos crer, que elle escolheu os de maior estima, como efcapárað á sua avareza tantos Documentos verdadeiramen te importantes, e so the agradáraó a Historia de Fuas Roupinho, a Vida d'ElRey D. Rodrigo em Nazareth, a Historia, e Concilio de Braga, hum Laymundo, hum Pedro Alladio, o Me Menegaldo, Angelo Pacenje, e outros d'este lote? Huma aflersao tao arbitraria, pois lhe faltao os testemunhos de AA, Coévos, ou vizinhos aquellas ida

(a) Index Codic. Bibl. Alcob. Olifipon. 1775. Praef, n. 3.

des

des (a), ainda he menos provavel, se nos lembrarmos, que, fazendo Bayer o Catalogo dos Mff. do Efcurial, e extrahindo d'estes o S. Joaquim José Ferreira Gordo (b) quanto nelles havia, e huma grande parte dos que se conservavao na Real Bibliotheca de Madrid, tudo relativo a nossas cousas, nao encontrou hum só d'aquelles Codices, nem alguns outros, que por qualquer titulo razoavel se podessem julgar tirados do Real Mofteiro de Alcobaça para o de S. Lourenço.

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A segunda caufa naõ he por certo mais bem fundada. Nao podia Angelo Manrique ter á mao na Hespanha os Mil. de Alcobaça, quando elle fuppondo-os em Portugal, cita os apographos, que lhe eraõ remettidos em Certidões authenticas, pafladas em Alcobaça á vista dos Mff.; produz as Relações, que o Ciftercien

, e que

(a) Sei, que alguns Historiadores affirmao, como facto innegavel, que Filippe II levou as Cortes de Lamego confervadas no Livro Porco Efpim do Senado de Lisboa tambem as havia em Alcobaça, onde hoje nao existem, talvez pela melma razaō. Vej. Mon. Luf. Liv. X. cap. 13. Liv. XXIII. cap. 29. Figueir. na Cart. a respeito da Heroin. de Aljubarror. Cunb. de Primat. Brac. Eccl. cap. 24. n. 14. Cardoso Ag. Luf. T. I. p. 290, citado pelo Senh. Bitpo de Béja no Comment. 6. ás Mem. Hift. dos Progreff. e Reftabel. das Ler. na Ord. Terc. de S. Franc. de Portug. pag. 305, dá fundamento para conjecturas semelhantes relativamente a outros Documentos. Porém embora fe conceda, que naquelles 60 annos paffáraó a mãos alheias muitas Memorias Mff. deftes Reinos: talvez o concedamos facilmente, e teremos provas para o fuppôr verdadeiro; a questaō he outra: se os Documentos, que faltao no Arquivo de Alcobaça, sendo por fua natureza suspeitos, e de nenhum interesse para Hespanha, podem tuppôr-fe exiftentes no Cartorio d'aquelle Mosteiro e levados d'allí para a Livraria do Escurial. Ito be o que tenho por improvavel, em quanto d'esta supposliçao nao apparecerem provas mais decisivas, quaes o A. do Index deveria ter produzido.

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(b) Vej. Mem. da Litterat. Portug. da Acad. R. das Scienc. Tom. III. Mem. I. pag. 17. (a).

1

se Hespanhol Fr. Antonio Gascao the levou d'este Reino; e allega frequentemente com as Obras dos Chroniftas Por -tuguezes Brito, e Brandao (a).

A

Talvez motivos particulares obrigáraó algumas pef-foas a espalharen este voato: motivos , que facilmente se deixaõ perceber por todos os que conhecem de mais perto o genio, e systema do Chronista Mór Fr. Bernardo de Brito, e que nao podéraó occultar-se á penetraçao do fabio , e erudito Bayer (b). Diga-se antes, que parte dos Mff. de Alcobaça, citados por Brito, só tiveraō existencia por aquelle tempo, que foi conveniente, para se verificar, que existírao hum dia: sendo mais louvavel a prudencia de quem os occultou, do que digna de perdad a temeridade do feu Author: e que outra parte se defencaminhou por varias maneiras em diversas épocas, experimentando a forte commum a toda a classe de monumentos, por mais fieis, e avarentas que -sejad as mãos dos seus depofitarios.

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Seja porém qualquer que for a causa de se haverem perdido alguns dos Mff. de Alcobaça, á vista do que continhao naõ he para muito lastimar a sua perda: hum unico interesse os faria sempre recommendaveis aos olhos da posteridade imparcial, darem por si mesmos em todo o tempo huma prova menos equivoca do espirito de impostura, com que fôrao fabri

cados.

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Quem fosse o Escritor famoso que ideou aquelles Documentos, nós o ignoramos; mas pode dizer-se,

(a) Manrig. Annal. Cist. Tit. II. fol. 280. 453. &c.

(b) Nas Not. á Bibl. Vet. Hifp. de N. Ant. verb. Laimund. Liv. VI. cap. 4. pag. 454. onde conjectura, que o Codex, que Brito citou debaixo do nome de Laymundo, nao he o mefimo, que o Cod. 353, e que este seria adulterado com aquelle titulo , para verificar, que existíra no Arquiv. de Alcob. hum Laymundo, fupprimido o que Brito citou : trama, de que produz motivos muito criveis.

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sem nota de temeridade, que de alguns parece ter fido Author aquelle mesmo de quem ainda hoje se queixao muitos dos Codices existentes pelas memorias apocryfas, com que foraõ adulterados; e que algumas d'estas memorias se poderiaõ attribuir sem escrupulo ao Chronista Brito, homem benemerito a tantos outros refpeitos, e que em todas as idades feria digno de veneraçao, e melhor cortejo, se huma critica mais exacta conduzisse a fua penna.

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A falta desta critica apurada, e de que a sua alma era capaz, se os exemplos, e o caracter dominante do feu feculo, se a sua curta idade, se razões ainda mais particulares tanto permittissem the grangeou afperas cenfuras de contemporaneos, e de vindouros; porque ella o fez cahir em descuidos, e erros, com visos tao sensiveis de voluntarios, que, parecendo por ifso pouco dignos de desculpa, naõ poderiaõ em tempo algum dar muito lustre á sua reputaçao (a). As memorias, que vou produzir em correcçao, e supplemento ao Index dos Codices de Alcobaça, evidenciaráō ao mesmo tempo quanto venho de dizer.

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(a) Com effeito, he em consequencia desta falta, tao geTal nas Hespanhas que a memoria deste Escritor tem defmerecido muito aos nacionaes, e aos estrangeiros; e que muitos dos dotes essenciaes a hum Hiftoriador, the fôrao difputados pelos seus mesmos contemporaneos. Sabe-se o que se tem escrito a este assumpto, e por quem. Efcolherei agora entre tantos o Chronista Figueiredo, homem de luzes, e fadigas, digno por certo de mais larga vida, e melhor fortuna, pela imparcialidade do feu caracter. Em muitos lugares das fuas Obras, e principalmente nas duas Differt. fobre a vida d'ElRey Rodrigo, sem faltar ao respeito, que se deve á Pessoa, e trabalhos do feu Collega, que eu sempre respeitarei igualmente, o M. Figueiredo se explicou de huma maneira a mais energica, e imparcial: na 1. Diff. por ex. pag. 23: outro Itinerario figurou Fr. Bernardo de Brito mesmo grande Chronisła nao unio aos seus muitos talentos, e

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Tom. V.

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