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XXI

Deixam dos sete ceos o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Alto poder, que só co'o pensamento
Governa o ceo, a terra, e o mar irado:
Alli se acharam juntos n'hum momento
Os, que habitam o Arcturo congelado,
E os, que o Austro tem, e as partes, onde
A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.

XXII

Estava o Padre alli sublime, e dino,
Que vibra os feros raios de Vulcano,
N'hum assento de estrellas crystallino,
Com gesto alto, severo, e soberano:
Do rosto respirava hum ar divino,
Que divino tornara hum corpo humano,
Com huma coroa, e sceptro rutilante
De outra pedra mais clara, que diamante.

XXIII

Em luzentes assentos, marchetados
De ouro, e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros deoses todos assentados,
Como a razão, e a ordem concertavam:
Precedem os antiguos mais honrados,
Mais abaixo os menores se assentavam:
Quando Jupiter alto assi dizendo,

C'hum tom de voz começa grave, e horrendo.

Falla de Jupiter em favor dos Portuguezes

XXIV

Eternos moradores do luzente
Estellifero polo, e claro assento,
Se do grande valor da forte gente
De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido, claramente,
Como he dos fados grandes certo intento,
Que por ella se esqueçam os humanos
De Assyrios, Persas, Gregos, e Romanos.

XXV

Já lhe foi, bem o vistes, concedido
C'hum poder tão singelo, e tão pequeno
Tomar ao Mouro forte, e guarnecido
Toda a terra, que rega o Tejo ameno:
Pois contra o Castelhano tão temido
Sempre alcançou favor do Ceo sereno:
Assi que sempre em fim com fama e gloria,
Teve os tropheos pendentes da victoria.

XXVI

Deixo, deoses, atraz a fama antiga,
Que c'o a gente de Romulo alcançaram.
Quando com Viriáto na inimiga

Guerra Romana tanto se affamaram:
Tambem deixo a memoria, que os obriga
A grande nome, quando alevantaram
Húm por seu capitão, que peregrino
Fingio na Cerva espirito divino.

XXVII

Agora vedes bem, que, commettendo
O duvidoso mar n'hum lenho leve,
Por vias nunca usadas, não temendo

De Africo, e Noto a força, a mais se atreve:
Que, havendo tanto já que as partes vendo,
Onde o dia he comprido, e onde breve,
Inclinam seu proposito, e porfia,

A ver os berços, onde nasce o dia.

XXVIII

Promettido lhe está do Fado eterno,
Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
Do mar, que vê do Sol a roxa entrada:
Nas aguas tem passado o duro inverno,
A gente vem perdida, e trabalhada;
Já parece bem feito, que lhe seja
Mostrada a nova terra, que deseja.

XXIX

E porque, como vistes, tem passados
Na viagem tão asperos perigos,
Tantos climas, e ceos exprimentados,
Tanto furor de ventos inimigos:
Que sejam, determino, agasalbados
Nesta costa Africana, como amigos,
E, tendo guarnecida a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.

Baccho declara-se contrario aos Portuguezes

Xxx

Estas palavras Jupiter dizia:

Quando os deoses, por ordem respondendo,
Na sentença hum do outro differia,
Razões diversas dando, e recebendo.
O padre Baccho alli não consentia
No, que Jupiter disse; conhecendo,
Que esquecerão seus feitos no Oriente,
Se lá passar a Lusitana gente.

XXXI

Ouvido tinha aos fados, que viria
Huma gente fortissima de Hespanha
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da India tudo, quanto Doris banha:
E com novas victorias venceria

A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha:
Altamente lhe doe perder a gloria,

De que Nysa celebra ainda a memoria

Venus mostra-se-lhes favoravel

XXXIII

Sustentava contra elle Venus bella,
Affeiçoada a gente Lusitana

Por quantas qualidades via nella

Da antigua tão amada sua Romana:
Nos fortes corações, na grande estrella,
Que mostraram na terra Tingitana:
E na lingua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que he a Latina.

Marte protege a causa dos novos argonautas

XXXVI

Mas Marte, que da deosa sustentava
Entre todos as partes em porfia,
Ou porque o amor antiguo o obrigava,
Ou porque a gente forte o merecia;
De entre os deoses em pé se levantava:
Merencorio no gesto parecia:

O forte escudo ao collo pendurado
Deilando para traz, medonho, e irado:

XXXVII

A viseira do elmo de diamante
Alevantando hum pouco, mui seguro,
Por dar seu parecer se poz diante
De Jupiter, armado, forte, e duro:
E dando huma pancada penetrante,
Co'o conto do bastão, no solio puro
O ceo tremeo; e Apollo de torvado
Hum pouco a luz perdeo, como enfiado.

Discurso do Deus da guerra

XXXVIII

E disse assi: Ó Padre, a cujo imperio
Tudo aquillo obedece, que creaste,
Se esta gente, que busca outro hemispherio,
Cuja valia, e obras tanto amaste,

Não queres, que padeçam vituperio,
Como ha já tanto tempo que ordenaste,
Não ouças mais, pois hes juiz direito,
Razões de quem parece, que he suspeito:

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