Olha as Arabias três, que tanta terra Tomam, todas da gente vaga e baça, Donde vem os cavallos para a guerra, Ligeiros, e feroces, de alta raça.
Olba a costa, que corre até que cerra Outro estreito de Persia, e faz a traça O cabo, que co'o nome se appellida Da cidade Fártáque alli sabida.
Olha Dofar insigne, porque manda O mais cheiroso incenso para as aras: Mas attenta, já cá de est'outra banda De Roçalgate, e praias sempre avaras, Começa o reino Ormuz, que todo se anda Pelas ribeiras, que inda serão claras, Quando as galés do Turco, e fera armada, Virem de Castel-Bianco nua a espada.
Olha o cabo Asabóro, que chamado Agora he Moçandão dos navegantes: Por aqui entra o lago, que he fechado De Arabia, e Persias terras abundantes. Attenta a ilha Bar êm, que o fundo ornado Tem das suas perlas ricas, e imitantes A cor da Aurora, e vê na agua salgada Ter o Tygris e Euphrates huma entrada.
Olha da grande Persia o imperio nobre, Sempre posto no campo, e nos cavallos, Que se injuria de usar fundido cobre, E de não ter das armas sempre os callos. Mas vê a ilha Gerùm, como descobre O, que fazem do tempo os intervallos; Que da cidade Armuza, que alli estese, Ella o nome despois, e a gloria, leve.
Aqui de Dom Philippe de Menezes Se mostrará a virtude em armas clara, Quando com muito poucos Portuguezes Os muitos Parseos vencerá de Lara: Vião provar os golpes e revezes De Dom Pedro de Sousa, que provara Já seu braço em Ampaza, que deixada Terá por terra á força só de espada.
Mas deixemos o estreito, e o conhecido Cabo de Jasque, dito já Carpella, Com todo o seu terreno mal querido Da natura, e dos dons usados della: Carmânia teve já por appellido:
Mas vês o formoso Indo, que daquella Altura nasce, junto à qual tambem D'outra altura correndo o Gange vem.
Olha a terra de Ulcinde fertilissima, E de Jaquete a intima enseada, Do mar a enchente subita grandissima, E a vasante, que fege apressurada. A terra de Cambaia vê riquissima, Onde do mar o seio faz entrada: Cidades outras mil, que vou passando, A vós outros aqui se estão guardando.
Vês, corre a costa célebre Indiana Para o Sul, até o cabo Comori, Já chamado Cori. que Taprobana (Que ora he Ceilão) defronte tem de si: Por este mar a gente Lusitana, Que com armas virá despois de ti, Terá victorias, terras, e cidades,
Nas quaes hão de viver muitas idades.
Thetis, por occasião de indicar ao Gama a cidade de Meliapôr, na Costa de Coromandel, refere os milagres e o martyrio do apostolo S. Thomé
As provincias, que entre hum e o outro rio Vês com varias nações, são infinitas: Hum reino Mahometa, outro Gentio, A quem tem o Demonio leis escritas. Olha que de Narsinga o senhorio Tem as reliquias sanctas e bemditas Do corpo de Thomé, barão sagrado, Que a Jesu Christo teve a mão po lado:
Aqui a cidade foi, que se chamava Meliapôr, formosa, grande e rica; Os idolos antiguos adorava,
Como inda agora faz a gente inica: Longe do mar naquelle tempo estava, Quando a Fé, que no mundo se publica, Thomé vinha prégando, e já passara Provincias mil do mundo, que ensinara.
Chegado aqui prégando, e junto dando A doentes saude, a mortos vida, A caso traz hum dia o mar vagando Hum lenho de grandeza desmedida: Deseja o Rei, que andava ed ficando, Fazer delle madeira, e não duvida Poder tira-lo a terra com possantes Forças d'homens, de engenhos, de elephantes.
Era tão grande o pezo do madeiro, Que, só para abalar-se, nada abasta; Mas o nuncio de Christo verdadeiro Menos trabalho em tal negocio gasta: Ata o cordão, que traz, por derradeiro No tronco, e facilmente o leva, e arrasta Para onde faça hum sumptuoso templo, Que ficasse aos futuros por exemplo.
Sabia bem, que se com fé formada Mandar a hum monte surdo, que se mova, Que obedecerá logo á voz sagrada;
Que assi ho ensinou Christo, e elle o prova: A gente ficou disto alvoroçada,
Os Brahmenes o tem por cousa nova: Vendo os milagres, vendo a sanctidade, Hão medo de perder autoridade.
São estes sacerdotes dos Gentios, Em quem mais penetrado tinha inveja, Buscam maneiras mil, buscam desvios, Com que Thomé não se ouça, ou morto seja: O principal, que ao peito traz os fios, Ilum caso horrendo faz, que o mundo veja; Que inimiga não ha tão dura, e féra, Como a virtude falsa da sincera.
Hum filho proprio mata, e logo accusa De homicidi Thomé, que era innocente: Dá falsas testemunhas, como se usa, Condemnaram-uo à morte brevemente. O Sancto, que não vê melhor escusa, Que appellar para o Padre Omnipotente, Quer diante do Rei, e dos senhores, Que se faça hum milagre dos maiores.
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