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I

RAYMUNDO CORRÊA

1

Symphonias é o titulo do volume de versos a que vamos consagrar esta analyse, este ligeiro ensaio de critica litteraria.

O joven poeta, baptisando a sua producção artistica com um nome proprio da arte musical, demasiadamente vago, deixa-nos antever a falta de precisão das suas ideias sobre a arte poetica.

A leitura das poesias não faz senão confirmar de mais em mais esta supposição.

1 Raymundo Corrêa — Symphonias, com uma introducção de Machado de Assis Rio de Janeiro. Livraria editora de Faro & Lino, 74, Rua do Ouvidor — 1883 – 1 vol. de 98 paginas.

A harmonia da estrophe, a sonoridade da palavra, a cadencia do rythmo, eis a que se reduz a sua esthetica. Filia-se espontaneamente n'essas escólas, sem ideal definido, em que se transformou o romantismo decadente.

Não podemos precisar bem a qual dos variados ramos pertence Raymundo Corrêa, porque conscienciosamente não pertence a nenhum, guardando reminiscencias de todos elles, o que aliás succede a muitos outros poetas brazilei

ros.

Chamar-lhe-hemos parnasiano, se quizermos dar a esta palavra a ampla significação que ha vinte annos ella possuia em França, estendendo-se a Coppée, Dierx, d'Hervilly, Leconte de Lisle, Banville, de Heredia, a toda essa phalange dos cultores da fórma, que herdaram do romantismo, aperfeiçoando-o e levando-o aos ultimos extremos, o esmero do verso.

Raymundo Corrêa é um dos finos e delicados adoradores da arte pela arte, um insigne virtuose da palavra.

Mas será isto sufficiente para se ser um bom artista?

Eis aqui o problema.

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Quando ha dez ou doze annos, perdoe-senos esta nota pessoal, mergulhados ainda em pleno romantismo, nos entregavamos á leitura de Garrett e Herculano, sentiamos pelos seus versos, pelas Folhas cahidas ou pela Harpa do

crente, um sincero e vivo enthusiasmo, em quanto que a leitura dos encomiados versos de Castilho nos deixava frios, impassiveis, apezar de reconhecermos a perfeição, quasi inexcedivel, do seu metro.

Tinha mil vezes maior encanto para nós um verso incorrecto de Herculano, una estrophe menos burilada de Garrett, do que a mais extensa e a mais irreprehensivel das poesias de Castilho.

A razão d'isso, que então não sabiamos explicar, era porque n'aquelles havia sentimento, havia emoção, ao passo que n'estes havia simplesmente a fórma.

Para nos exprimirmos n'uma linguagem mais. vulgar, Garrett e Herculano faziam vibrar o coração, Castilho apenas agradava ao ouvido.

Ora, a sensação que produzia em nós a leitura dos versos de Castilho, é exactamente a que sentimos agora ao lêr a maioria das producções dos parnasianos, dos que, cuidando miudamente da fórma, não têem uma emoção verdadeira.

Os poetas brazileiros, abandonando o lyrismo romantico, profundamente sentido por esses moços que se deixavam finar na flor dos annos, cahiram na imitação da poesia franceza contemporanea, quer de uma maneira directa, quer indirectamente, seguindo os passos de dois ou tres parnasianos portuguezes.

Falta-lhes a espontaneidade, falta-lhes o vi

gor e a emoção.

Só conservam a harmonia do metro.

Por isso, a leitura prolongada dos seus versos, apezar de seduzirem o ouvido, não tem condições para vencer a fadiga mental que pouco a pouco nos invade.

A delicadeza da contextura não destroe, a monotonia, que traz a ausencia da emoção, a falta de pensamento.

As Symphonias sentem-se necessariamente dos defeitos de escóla.

Raymundo Corrêa, não tendo por ora uma orientação positiva, nem sendo dotado de uma organisação excessivamente sentimental, acceitou as idéas correntes sobre esthetica e dedicou-se á cultura da poesia sem outro ideal que não fosse o attingir o auge da perfeição no rythmo.

Com effeito, sob este ponto de vista, o merecimento do novel poeta é incontestavel.

Porém, como para a poesia viver mais do que vivem as rosas na primavera, melhor ainda, para sobreviver ao auctor, se torna indispensavel alguma cousa mais do que uma metrificação irreprehensivel, Raymundo Corrêa, se for realmente um artista, ha-de fechar os ouvidos á lisonja, e labutar muito para dar aos seus versos o que elles tanto necessitam a scentelha de ideal que é a alma das obras-primas.

Que o poeta tem uma fórma primorosa e emprega bellas imagens, vê-se desde a primeira symphonia, o soneto As Pombas:

Vae-se a primeira pomba despertada...

Vae-se outra mais... mais outra... emfim dezenas

De pombas vão-se dos pombaes, apenas

Raia, sanguinea e fresca, a madrugada..,

E á tarde, quando a rigida nortada
Sopra, aos pombaes de novo ellas, serenas,
Ruflando as azas, sacudindo as pennas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Tambem dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombaes;

No azul da adolescencia as azas soltam,
Fogem... mas aos pombaes as pombas voltam,
E elles aos corações não voltam mais...

Os sonetos intitulados Mal secreto, O vinho de Hebe e alguns dos Perfis romanticos, apezar do abuso na repetição de palavras, figura a que os rhetoricos chamam anaphora e que, empregada com parcimonia, póde dar relevo ao verso, mas cujo excesso póde tambem significar pobreza de imaginação - esses sonetos, diziamos, revelam-nos a maneira do poeta, o gráu de perfeição attingido por elle no cinzelamento do verso e emfim a contextura exhuberante

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