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PROLOGO

Sáe á luz n'este sexto volume das obras do nosso poeta o seu poema immortal dos Lusiadas, conforme a edição por elle publicada na sua vida, isto é, aquella que se reputa ser a segunda. Não nos lisonjearemos da sua perfeição, quando vemos quasi todos, para não dizer todos, aquelles que nos precederam naufragar n'estes escolhos, que sómente não conhece quem não navega por este mar duvidoso, de incertezas, erros typographicos, falsas emendas, interpretações arbitrarias, opiniões individuaes, e quantas vezes excentricas, difficeis de satisfazer, porquanto não é possivel contentar a todos, nem adoptar systemas disvariados, quando a necessidade fórça a seguir resolutamente um só caminho.

Se a isto acrescentarmos uma predisposição de espirito apouquentada e hypocondriaca, de quem deixou para tão tarde esta ardua empreza, quebrantamento physico do corpo, alquebrado por enfermidades, correios da velhice, que chega taciturna e melancholica, não aprazivel e graciosa, como aquella que conhecemos de nossos paes; descrença de tudo terreno, até das letras, mais certo suave e agradavel entretenimento de alguma hora mansa da vida, desgostos pungentes que se cevam no passado, no presente e, o que é mais, no futuro, porque o pensamento vidente e a rasão esclarecida rompem as sombras

que se lhe antepõe e penetram a cerração atra do porvir nebuloso; todas estas circumstancias reunidas podem servir, a quem com o nosso poeta póde dizer

Os desgostos me vão levando ao rio

Do negro esquecimento e eterno somno,

de rasões attenuantes para as multiplicadas imperfeições, que se possam encontrar em um trabalho tão espinhoso e diuturno, que exigia vigorosa intelligencia, tranquilla quietação e todas as faculdades intellectuaes no mais livre e completo exercicio, e não embotadas; a outro, com forças mais herculeas, poderia applicar-se o verum opere in longo fas est obrepere somnum.

Comtudo evocámos toda a energia do animo e da vontade para arrastar este tosco pedestal para a estatua do poeta, que nos pareceu vivificar-se e reprehender-nos, n'estes termos, da propria timidez e desconfiança:

«Pois que! em circumstancias mais difficeis não intentei eu e não levei a cabo o portentoso monumento nacional? É dade que uma inspiração divina me animava, como o espirito divino ao braço d'aquelles, cujos nomes eu levei á posteridade, que, simultaneamente com a gloria da patria, andavam estendendo o santo nome de Deus por esse longiquo oriente. Ergue o coração! Não vês que é fraqueza desistir da cousa começada? É verdade que a mim nutriu-me influxo do céu, porém a ti sobra-te a vontade e a intenção pura, e quem dá o que tem não deve.

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Não te empaveze o louvor nem te espinhe a critica, sempre facil. E a quem não ferem os seus dardos penetrantes? O melhor modo de criticar é fazer melhor.›

Animados com estas reflexões retomamos a peito a empreza,

mo

tendo a fortuna de encontrar uma valiosa cooperação na pessoa do ex. sr. conselheiro João Felix Alves Minhava, antigo admirador do nosso poeta, que possue uma boa collecção camoniana, o qual com a melhor vontade obsequiosamente se offereceu a auxiliar-nos no trabalho de confrontação e genuina interpretação do poema, de maneira que póde bem o leitor adjudicar-lhe não pequena parte n'este nosso trabalho litterario, devendo especialmente particularisar a minuciosa confrontação das duas edições de 1572, pelo que novamente lhe tributàmos os nossos agradecimentos pelo seu gracioso e amavel offerecimento, e espontanea e valiosa coadjuvação.

Passaremos agora a explicar o systema que se seguiu. Conferimos primeiro as duas edições de 1572, confrontando-as com todo o cuidado, e após estas algumas outras, que julgámos de maior importancia. A de Manuel Correia (1613), por ser de um amigo de Camões, e por isso dever estar mais ao facto de como interpretava Camões alguns logares. A de Manuel de Faria e Sousa (1639), por ser o commentador que mais trabalhou sobre Camões e as suas obras; e algumas outras edições. antigas, e entre estas a de 1651, que parece mais correcta. Entre os modernos, Ignacio Ferreira Garcez (1731), por ser em parte critico de Camões. A de Freire de Carvalho (1843), e a de Hamburgo (1834), dos srs. Barreto Feio e Gomes Monteiro. As rollandianas, e entre estas uma que possuimos annotada por Thimoteo Lecussan Verdier, a do morgado de Matheus e a de Coimbra (1800).

A de Freire de Carvalho, bem examinada, não nos agradou na pontuação, sendo a que nos pareceu, n'esta parte, estar mais bem trabalhada a do morgado de Matheus, que se encostou muito á de 1613.

Feito este trabalho desfizemos a oitava, fazendo a construcção grammatical, virgulando-a ou accentoando-a, conforme a edição que nos pareceu mais rasoavel ou como o pareceu á nossa propria rasão. Nos logares duvidosos consultámos tamhem como os interpretaram, alem dos commentadores, alguns traductores.

A edição que seguimos é a segunda de 1572, porque nos pareceu de rasão, havendo duas edições do mesmo anno, em vida do seu auctor, seguir a que se julga segunda, que em alguns pontos nos pareceu preferivel, acontecendo porém o contrario em outros, que estão melhorados na primeira, o que dá bem a conhecer, alem da confrontação a que procedemos, um trabalho minucioso feito n'este sentido, que nos parece da letra do erudito bispo de Vizeu D. Francisco Alexandre Lobo.

Desejariamos seguir fielmente a pontuação da edição que escolhemos, ou a da de 1613, commentada por Manuel Correia amigo de Camões, que muitas vezes ouviria recitar ao poeta o seu poema, porém viemos no conhecimento de que o não podiamos fazer, porque em muitas partes ficaria este confuso, como se demonstra das seguintes estancias, que extrahimos das tres edições de 1572 (1.), 1572 (2.), e da de 1613, o que acontece ainda em muitos outros logares.

Não quiz ficar nos Reinos occioso,
O mancebo Joanne, e logo ordena
De ir ajudar o pay ambicioso,
Que então lhe foi ajuda não pequena,
Sahiu-se em fim do trance perigoso,
Com fronte não torvada: mas serena
Desbaratado o pay sanguinolento,
Mas ficou duvidoso o vencimento.

(4.a Edição, Cant. IV, Est. 58)

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