Nos braços de hum Sylvano adormecendo Se estava aquella Nympha qu'eu adoro, Pagando com a boca o doce foro, Com que os meus olhos foi escurecendo. Oh bella Venus! porqu'estás soffrendo Que a maior formosura do teu côro Em hum poder tão vil perca o decoro Que o merito maior lhe está devendo?
Eu levarei daqui por presupposto
Desta nova estranheza que fizeste, Que em ti não póde haver cousa segura.
Que, pois o claro lume, o bello rosto Áquelle monstro tão disforme déste,
Não creio qu'haja Amor, senão Ventura.
Quem diz que Amor he falso, ou enganoso, Ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido Que lhe seja cruel, ou rigoroso.
Amor he brando, he doce, e he piedoso: Quem o contrário diz não seja crido; Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos deoses odioso.
Se males faz Amor, em mi se vem;
Em mi mostrando todo o seu rigor, Ao mundo quiz mostrar quanto podia.
Mas todas suas íras são d'Amor;
Todos estes seus males são hum bem, Qu'eu por todo outro bem não trocaria.
Formosa Beatriz, tendes taes geitos N'hum brando revolver dos olhos bellos, Que só no contemplá-los, se não vê-los, Se inflammão corações e humanos peitos. Em toda perfeição são tão perfeitos, Que o desengano dão de merecê-los: Não pode haver quem possa conhecê-los, Sem nelle Amor fazer grandes effeitos. Sentírão, por meu mal, tão graves danos
Os meus, que com os vêr cegos e tristes Ficárão sem prazer, co'a luz perdida. Mas ja que vós com elles me feristes, Tornai-me a ver com elles mais humanos, E deixareis curada esta ferida.
Alegres campos, verdes, deleitosos, Suaves me serão vossas boninas, Em quanto forem vistas das meninas Dos olhos de Ignez bella tão formosos.
Dos meus, que vos serão sempre invejosos Por não verem estrellas tão divinas, Sereis regados d'águas peregrinas, Soprados de suspiros amorosos.
E vós, douradas flôres, por ventura Se Ignez quizer fazer de meus amores Exp'riencias na folha derradeira,
Mostrai-lhe, para vêr minha fé pura, O bem que sempre quiz, formosas flores; Qu'então não sentirei que mal me queira.
Ondados fios de ouro, onde enlaçado Continuamente tenho o pensamento; Que quanto mais vos sólta o fresco vento, Mais prêso fico então de meu cuidado; Amor, d'huns bellos olhos sempre armado, Me combate co'as forças do tormento, Provando da minha alma o soffrimento Que á' justa lei da paz trago obrigado.
que em vosso gesto mais que humano Amo a paz juntamente e o perigo;
E em amar hum e outro não me engano.
Muitas vezes dizendo estou comigo
Que, pois he tal a causa de meu dano, He justa a guerra, he justa a paz que sigo.
Amor, que em sonhos vãos do pensamento Paga o zelo maior de seu cuidado, Em toda condição, em todo estado, Tributario me fez de seu tormento.
Eu sirvo, eu canso; e o grão merecimento De quanto tenho a Amor sacrificado, Nas mãos da ingratidão despedaçado Por prêza vai do eterno esquecimento.
Mas quando muito, em fim, cresça o perigo,
que perpetuamente me condena
Amor, que amor não he, mas inimigo;
Tenho hum grande descanso em minha pena, Que a gloria do querer, que tanto sigo, Não pode ser co'os males mais pequena.
Nem o tremendo estrépito da guerra Com armas, com incendios espantosos Que despachão pelouros perigosos, Bastantes a abalar huma alta serra,
Podem pôr medo a quem nenhum encerra, Despois que vio os olhos tão formosos, Por quem o horror nos casos pavorosos De mi todo se aparta e se desterra.
A vida posso ao fogo e ferro dar,
E perdê-la em qualquer duro perigo, E nelle, como phenix, renovar.
Não póde mal haver para comigo,
De qu'eu ja me não possa bem livrar, Senão do que me ordena Amor imigo.
Fiou-se o coração, de muito isento, De si, cuidando mal que tomaria Tão illicito amor, tal ousadia, Tal modo nunca visto de tormento.
Mas os olhos pintárão tão a tento Outros que vistos tee na phantasia, Que a razão, temerosa do que via. Fugio, deixando o campo ao pensamento.
Ó Hippolyto casto, que de geito
De Phedra tua madrasta foste amado, Que não sabía ter nenhum respeito;
Em mi vingou Amor teu casto peito; Mas está deste aggravo tão vingado, Que se arrepende ja do que tee feito.
Quem quizer vêr d'amor huma excellencia Onde sua fineza mais se apura,
Attente onde me põe minha ventura, Porque de minha fé faça exp'riencia. Onde lembranças mata a larga ausencia, Em temeroso mar, em guerra dura, A saudade alli 'stá mais segura, Quando risco maior corre a paciencia.
Mas ponha-me a Fortuna e o duro Fado, Em morte, ou nojo, ou damno, ou perdição, Ou em sublime e próspera ventura; Ponha-me, em fim, em baixo ou alto estado; Que até na dura morte me acharão Na lingua o nome, e n'alma a vista pura.
Los ojos que con blando movimiento pasar enternecen la alma mia.
Si detener pudiera solo un dia,
Pudiera bien librarla de tormento.
Deste tan amoroso sentimiento El importuno mal se acabaria; Ó tambien su accidente creceria
Para acabar la vida en un momento.
Oh! si ya tu esquivez me permitiese
Que al ver, o Ninfa, tu semblante hermoso, A manos de tus ojos yo muriese!
Oh si los detuvieras! cuan dichoso
Seria aquel momento en que me viese Vida en ellos cobrar, cobrar reposo!
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