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CCXXXIV

Oh quanto melhor he o supremo dia
Da mansa morte, que o do nascimento!
Oh quanto melhor he hum só momento,
Que livra de annos tantos de agonia!
De alcançar outro bem cesse a porfia;
Cesse todo applicado pensamento
De tudo quanto dá contentamento,
Pois só contenta ao corpo a terra fria.
que
do seu fez Deos seu despenseiro,
Tee mais estreita conta que lhe dar:
Então parece rico o ovelheiro.

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Triste de quem no dia derradeiro
Tee o suor alheio por pagar,

Pois a alma ha de vender por o dinheiro!

CCXXXV

Como pódes (oh cego peccador!)

Estar em teus errores tão isento,
Sabendo que esta vida he hum momento,
Se comparada com a eterna for?

Não cuides tu que o justo Julgador

Deixará tuas culpas sem tormento,
Nem que passando vai o tempo lento
Do dia de horrendissimo pavor.

Não gastes horas, dias, mezes, annos,
Em seguir de teus damnos a amisade
De que despois resultão móres danos.
E pois de teus enganos a verdade

Conheces, deixa ja tantos enganos,
Pedindo a Deos perdão com humildade.

CCXXXVI

Verdade, Amor, Razão, Merecimento,
Qualquer alma farão segura e forte;
Porém Fortuna, Caso, Tempo, e Sorte,
Tee do confuso mundo o regimento.
Effeitos mil revolve o pensamento,

E não sabe a que causa se reporte:
Mas sabe que o que he mais que vida e morte
Não se alcança de humano entendimento.
Doctos varões darão razões subidas;

Mas são as exp'riencias mais provadas:
E por tanto he melhor ter muito visto.
Cousas ha hi que passão sem ser cridas:

E cousas cridas ha sem ser passadas.
Mas o melhor de tudo he crêr em Christo.

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CCXXXVII

De Babel sobre os rios nos sentámos,
De nossa doce patria desterrados,
As mãos na face, os olhos derribados,
Com saudades de ti, Sião, chorámos.
Os orgãos nos salgueiros pendurámos,

Em outro tempo bem de nós tocados;
Outro era elle, por certo, outros cuidados;
Mas por deixar saudades os deixámos.
Aquelles que captivos nos trazião

Por cantigas alegres perguntavão:
Cantai (nos dizem) hymnos de Sião.
Sobre tal pena, pena tal nos dão,

Pois tyranicamente pretendião
Que cantassem aquelles que choravão

CCXXXVIII

Sobre os rios do Reino escuro, quando
Tristes, quaes nossas culpas o ordenárão,
Lagrimas nossos olhos derramárão,
Por ti, Sião divina, suspirando:

Os que hião nossas almas infestando,

De contino em error, as captivárão; E em vão por nossos Psalmos perguntárão; Que tudo era silencio miserando. Dizendo estamos: Como cantaremos

As acceitas canções a Deos benino,
Quando a contrarios seus obedecemos?

Mas ja, Senhor só Santo, determino,
Deixando viciosissimos extremos,
Os cantos proseguir de Amor Divino.

CCXXXIX

Em Babylonia sobre os rios, quando
De ti, Sião sagrada, nos lembrámos,
Alli com grã saudade nos sentámos,
O bem perdido, miseros, chorando.

Os instrumentos musicos deixando,

Nos estranhos salgueiros pendurámos, Quando aos cantares, que ja em ti cantámos, Nos estavão imigos incitando.

Ás esquadras dizemos inimigas:

Como hemos de cantar em terra alhea
As cantigas de Deos, sacras cantigas?

Se a lembrança eu perder que me recrea
Cá nestas penosissimas fadigas,
Oblivioni detur dextra mea.

CCXL

Aponta a bella Aurora, luz primeira,
Que a grã nova nos deo do claro dia:
Vesti-vos, corações, ja de alegria,
E recebei da vida a Mensageira.

Da humana Redempção nasce a Terceira:
Alegra-te, Divina Monarchia;

Da terra terás cedo a companhia,
Do Ceo verás tambem a nossa feira.

De tal obra se espanta a natureza,
Confuso fica de temor o inferno,
Vendo a que nasce isenta da defeza.
Lei geral era posta desde eterno;

Mas o Senhor da Lei toda limpeza
Para o Sacrario seu guardou Materno.

CCXLI

Porque a terra no Ceo agasalhasse,
O Ceo na terra Deos agasalhou:
Lá não cabendo, cá se accommodou,
Porque lá, de cá indo, se alargasse.
Porqu'o homem a ser Deos por Deos chegasse,
Por o homem a ser homem Deos chegou:
Seu divino poder tanto humanou,
Porque o humano em divino se tornasse.
Vede bem o que deo e recebeo:

Não se perca hum bem tanto da memoria:
Deo-nos a vida, a morte padeceo.
Trocou por nossa pena a sua gloria;

Deo-nos o triumpho qu'elle mereceo;
Porque amor foi auctor desta victoria.

CCXLII

Qu'estilla a Arvore sacra? Hum licor santo.
Para quem? Para o genero he humano.
Que faz delle? Hum remedio soberano.
Para que? Para a culpa e triste pranto.
obra? Reduzir Lushel a espanto.
que
Porque? Porque co'hum pomo fez grão dano.
Que foi? A morte deo com hum engano.
Tanto pôde? Sem falta pôde tanto.

E

Quem sóbe a ella? Quem do Ceo desceo.
A
que desce? A subir a creatura.
Que quiz da terra? Só levá-la ao Ceo.

He escada para ir lá? E a mais segura.
Quem o obrigou? De amor só se venceo.
Quem amava este Feitor? Sua feitura.

CCXLIII

Oh Arma unicamente só triumphante,
Propugnaculo só de nossas vidas,
Por quem forão ganhadas as perdidas
Com que Tartaro horrendo andava ovante!
Sigua-se esta bandeira militante

Por quem são taes victorias conseguidas,
Por quantas almas, della divertidas,
No Ponente errão cá, lá no Levante.

Oh Arvore sublime, e marchetada

De branco e carmesi, de ouro embutida,
Dos rubis mais preciosos esmaltada,

E de trophéos mais claros guarnecida!
Á vida a morte vimos em ti dada,
Para qu'em ti se désse à morte a vida.

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