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CCLIV

Em huma lapa toda tenebrosa,

Adonde bate o mar com furia brava,
Sobre hua mão o rosto, vi qu'estava
Huma Nympha gentil, mas cuidadosa.
Igualmente que linda, lastimosa,
Aljofar dos seus olhos distillava;
O mar os seus furores applacava.

Com vêr cousa tão triste e tão formosa.

Alguma vez na horrivel penedia

Os bellos olhos punha com brandura,
Bastante a desfazer sua dureza.

Com angelica voz assi dizia:

Ah!

que falte mais vezes a ventura

Onde sobeja mais a natureza!

CCLV

Se em mim, ó alma, vive mais lembrança
Que aquella só da gloria de querer-vos,

Eu

perca todo o bem que lógro em ver-vos, E de vêr-vos tambem toda a esperança. Veja-se em mi tão rustica esquivança,

Que possa indigno ser de conhecer-vos;
E, quando em mór empenho de aprazer-vos,
Vos offenda, se em mi houver mudança.

Confirmado estou ja nesta certeza:
Examine-me vossa crueldade,
Exprimente-se em mi vossa dureza.

Conhecei ja de mi tanta verdade;
Pois em penhor e fé desta pureza
Tributo vos fiz ser o que he vontade.

CCLVI

Illustre Gracia, nombre de una moza,
Primera malhechora en este caso
Á Mondoñedo, á Palma, al cojo Traso,
Sugeto digno de inmortal coroza;

Si en medio de la Iglesia no reboza

El manto á vuestro rostro tan devaso,
Por vos dirán las gentes recio y paso:
Veis quien con el demonio se retoza.
Puedo mover los montes sin trabajo;
Con palabras el curso al água enfrena;
Por las ondas hará camino enjuto.
Averguenza su patria y rico Tajo,

Que por ella hombres lleva, mas que arena,
De que paga al infierno
gran tributo.

CCLVII

Qual tee a borboleta por costume,
Qu'enlevada na luz da acesa vella,
Dando vai voltas mil, até que nella
Se queima agora, agora se consume:
Tal eu correndo vou ao vivo lume
D'esses olhos gentis, Aonia bella;
E abrazo-me, por mais que com cautella
Livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;

Porém não quer Amor que The resista,

Nem a minh'alma o quer; qu'em tal tormento,

Qual em gloria maior está contente.

CCLVIII

Lembranças de meu bem, doces lembranças
Que tão vivas estais nesta alma minha,
Não queirais mais de mi, se os bens que tinha
Em poder vêdes todos de mudanças.

Ai cego Amor! Ai mortas esperanças
De qu'eu em outro tempo me mantinha!
Agora deixareis quem vos sostinha;
Acabarão co'a vida as confianças..

Co'a vida acabarão, pois a ventura

Me roubou n'hum momento aquella gloria, Que, quando tão grande he, tão pouco dura. Oh se apoz o prazer fôra a memoria! Ao menos estivera a alma segura De ganhar-se com ella mais victoria.

CCLIX

Formosos olhos, que cuidado dais

Se

A mesma luz do sol mais clara e pura;

Que sua esclarecida formosura,

Com tanta gloria vossa, atraz deixais;

por serdes tão bellos desprezais

A fineza de amor que vos procura.
Pois tanto vêdes, vêde que não dura
O vosso resplandor quanto cuidais.

Colhei, colhei do tempo fugitivo

E de vossa belleza o doce fruto;
Qu'em vão fóra de tempo he desejado.

E a mi, que por vós morro, e por vós vivo,
Fazei pagar a Amor o seu tributo,
Contente de por vós lho haver pagado.

CCLX

Pues siempre sin cesar, mis ojos tristes,
En lágrimas tratais la noche el dia,
Mirad si es lágrima esta que os envia
Aquel sol por quien vos tantas vertistes.
Si vos me asegurais, pues ya la vistes,
Que és lágrima, será ventura mia;
Por empleadas bien desde hoy tendria
Las muchas que por ella sola distes.
Mas cualquier cosa mucho deseada,
Aunque viendo se esté, nunca es creida;
Y menos esta, nunca imaginada.
Pero della aseguro, si es fingida,
Que basta ser por lágrima enviada,
Para que sea por lágrima tenida.

CCLXI

Tee feito os olhos neste apartamento
Hum mar de saudosa tempestade,
Que pode dar saudade á saudade,
Sentimentos ao proprio sentimento.

Em dôr vai convertido o soffrimento,
Em pena convertida a piedade;
A razão tão vencida da vontade,
Qu'escravo faz do mal o entendimento.

A lingua não alcança o qu'a alma sente.
E assi, se alguem quizer em algum' hora
Saber que cousa he dor não comprehendida,

Parta-se do seu bem, porque exprimente
Qu'antes de se partir, melhor lhe fôra
Partir-se do viver para ter vida.

CCLXII

A peregrinação d'hum pensamento,
Que dos males fez hábito e costume,
Tanto da triste vida me consume,
Quanto cresce na causa do tormento.

Leva a dôr de vencida ao soffrimento;
Mas a alma está, de entregue, tão sem lume,
Qu'enlevada no bem

que haver presume,

Não faz caso do mal qu'está de assento.

De longe receei (se me valèra)

O perigo que tanto á porta vejo,
Quando não acho em mi cousa segura.
Mas ja conheço, (oh nunca o conhecêra!)
Qu'entendimentos presos do desejo
Não tee remedio mais que o da ventura.

CCLXIII

Acho-me da fortuna salteado;

O tempo vai fugindo presuroso,
Deixando-me da vida duvidoso,

E cada instante mais desesperado.

Trocou-se o meu descuido em tal cuidado,
Que donde a gloria he mais, he mais penoso.
Nem vivo de perder-me receoso,

Nem de poder ganhar-me confiado.

Qualquer ave nos montes mais agrestes,
Qualquer féra na cova repousando,
Tee horas de alegria: eu todas tristes.

Vós, saudosos olhos, que o quizestes,
(Pois com tormento Amor me está pagando)
Chorai, como que vêdes, o que vistes.

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