Se no que tenho dito vos offendo,
Não he a intenção minha de offender-vos; Qu'inda que não pretenda merecer-vos, Não vos desmerecer sempre pretendo. Mas he meu fado tal, segundo entendo, Que, por quanto ganhava em entender-vos, Não me deixa até agora conhecer-vos, Por a mi proprio m'ir desconhecendo. Os dias ajudados da ventura
A cada qual de si dão desenganos, E a outros soe da-lo a desventura.
Qual destas sirva a mi, dirão os danos. Ou gostos que eu tiver, em quanto dura Esta vida, tão larga em poucos anos.
Doce contentamento ja passado,
Em que todo o meu bem só consistia, Quem vos levou de minha companhia, E me deixou de vós tão apartado? Quem cuidou que se visse neste estado Naquellas breves horas d'alegria, Quando minha ventura consentia, Que d'enganos vivesse meu cuidado?
Fortuna minha foi cruel e dura
Aquella que causou meu perdimento, Com a qual ninguem póde ter cautella.
Nem se engane nenhuma creatura; Que não póde nenhum impedimento Fugir do que lh'ordena sua estrella.
Sempre, cruel Senhora, receei, Medindo vossa grã desconfiança, Que désse em desamor vossa tardança, E que me perdesse eu, pois vos amei. Perca-se, em fim, ja tudo o qu'esperei, Pois n'outro amor ja tendes esperança. Tão patente será vossa mudança, Quanto eu encobri sempre o que vos dei. Dei-vos a alma, a vida e o sentido;
De tudo o que em mi ha vos fiz senhora. Prometteis, e negais o mesmo Amor.
Agora tal estou, que de perdido,
Não sei por onde vou, mas algum' hora Vos dará tal lembrança grande dor.
Fortuna em mim guardando seu direito Em verde derrubou minha alegria. Oh quanto se acabou naquelle dia, Cuja triste lembrança arde em meu peito!
Quando contemplo tudo, bem suspeito Que a tal bem, tal descanso se devia, Por não dizer o mundo, que podia Achar-se em seu engano bem perfeito.
Mas se a fortuna o fez por
Tamanho gosto, em cujo sentimento A memoria não faz senão matar-me:
Que culpa pode dar-me o sentimento, Se a causa que elle tem de atormentar-me, Eu tenho de soffrer o seu tormento?
Se a fortuna inquieta e mal olhada, Que a justa lei do Ceo comsigo infama, A vida quieta, qu'ella mais desama, Me concedêra honesta e repousada; Pudéra ser que a Musa, alevantada Com luz de mais ardente e viva flama, Fizera ao Tejo lá na patria cama Adormecer co'o som da lyra amada. Porém, pois o destino trabalhoso,
Que m'escurece a Musa fraca e lassa, Louvor de tanto preço não sustenta; A vossa, de louvar-me pouco escassa, Outro sogeito busque valeroso,
Tal qual em vós ao mundo se apresenta.
Este amor, que vos tenho limpo e puro, De pensamento vil nunca tocado, Em minha tenra idade começado, Tê-lo dentro nesta alma só procuro. D'haver nelle mudança estou seguro, Sem temer nenhum caso, ou duro. fado, Nem o supremo bem, ou baixo estado, Nem o tempo presente, nem futuro.
A bonina e a flôr asinha passa; Tudo por terra o inverno e estio deita; Só para meu amor he sempre Maio. Mas vêr-vos para mim, Senhora, escassa, E qu'essa ingratidão tudo me engeita, Traz este meu amor sempre em desmaio.
Se grande gloria me vem só de olhar-te He pena desigual deixar de ver-te,
presumo com obras merecer-te,
Grande paga do engano he desejar-te.
quero, por quem és, talvez louvar-te, Sei certo, por quem sou, que he offender-te. Se mal me quero a mi por bem querer-te, Que premio quero eu mais que só o amar-te? Extremos são de amor os que padeço,
Ó humano thesouro, ó doce gloria;
que acabo então começo.
Assim te trago sempre na memoria;
Nem sei se vivo, ou morro, mas conheço, Que ao fim da batalha he a victoria.
A formosura desta fresca serra,
E a sombra dos verdes castanheiros, O manso caminhar destes ribeiros, Donde toda a tristeza se desterra; O rouco som do mar, a estranha terra, O esconder do sol pelos outeiros, O recolher dos gados derradeiros, Das nuvens pelo ar a branda guerra: Em fim, tudo o que a rara natureza Com tanta variedade nos offrece, M'está (se não te vejo) magoando. Sem ti tudo me enoja, e me aborrece; Sem ti perpetuamente estou passando Nas móres alegrias mór tristeza.
Sospechas, que en mi triste fantesia Puestas hazeis la guerra a mi sentido,
Bolviendo, y rebolviendo el afligido
Pecho con dura mano noche y dia:
Ya se acabó la resistencia mia,
Y la fuerça del alma, ya rendido Vencer de vós me dexo arrepentido De averos contrastado en tal porfia: Llevadme a aquel lugar tan espantable, Que por no ver mi muerte alli esculpida, Cerrados hasta aqui tuve los ojos: Las armas pongo ya, que concedida No es tan larga defensa al miserable; Colgad en vuestro carro mis despojos.
Sustenta meu viver hua esperança Derivada de hum bem tão desejado, Que quando nella estou mais confiado, Mór dúvida me põe qualquer mudança.
E quando inda este bem na mór pujança De seus gostos me tee mais enlevado, Me atormenta então vêr eu, que alcançado Será por quem de vós não têe lembrança.
que, nestas redes enlaçado,
penas dou a vida, sustentando
Huma nova materia a meu cuidado.
Suspiros d'alma tristes arrancando, Dos silvos d'huma pedra acompanhado, Estou materias tristes lamentando.
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