Se a ninguem tratais com desamor, Antes a todos tendes affeição,
E se a todos mostrais hum coração Cheio de mansidão, cheio d'amor.
Desde hoje me tratai com desfavor, Mostra-me hum odio esquivo, huma isenção, Poderei acabar de crer então,
Que somente a mim me dais favor. Que se tratais a todos brandamente, Claro he que aquelle he só favorecido A quem mostrais irado o continente. Mal poderei eu ser de vós querido
Se tendes outro amor n'alma presente Que amor he hum, não póde ser partido.
Gostos falsos de amor, gostos fingidos, Gostos vãos sempre limitados, Gostos grandes quando imaginados, Gostos pequenos quando possuidos; Inda não alcançados ja perdidos, Inda não começados ja acabados, Inconstantes, mudaveis, apressados, Aparecidos e desaparecidos.
Ja vos perdi, e perdi a esperança
De vos cobrar, agora só queria Com vosco se acabasse esta lembrança.
Que se me cança a vida e a fantezia, Viver de vós tão longe, mais me cança Lembrar-me o tempo que vos possuia.
Com o tempo o prado seco reverdece,
Com o tempo cahe a folha ao bosque umbroso, Com o tempo pára o rio caudeloso,
Com o tempo o campo pobre se enriquece, Com o tempo hum louro morre, outro florece, Com o tempo hum he sereno, outro invernoso, Com o tempo foge o mal duro e penoso, Com o tempo torna o bem ja quando esquece, Com o tempo faz mudança a sorte avara,
Com o tempo se aniquila hum grande estado,
Com o tempo torna a ser mais eminente.
Com o tempo tudo anda, e tudo pára,
Mas só aquelle tempo que he passado
Com o tempo se não faz tempo presente.
Ficavão quando delles me partia,
Agora que farão?
Se por ventura estarão em mi cuidando?
Se terão na memoria, como ou quando
Delles me vi tão longe de alegria? Ou se estarão aquelle alegre dia Que torne a vellos, n'alma figurando?
Se contarão as horas e os momentos?
Se acharão n'hum momento muitos annos? Se fallarão com as aves e com os ventos?
Oh! bemaventurados fingimentos
Que nesta ausencia, tão doces enganos Sabeis fazer aos tristes pensamentos!
Ausente dessa vista pura e bella Que dantes viver ledo me fazia, Vivo agora tão farto de agonia, Quanto vendo-vos fui ja falto della. Chamo dura e cruel a dura estrella Que me aparta de vós minha alegria, Mil vezes maldizendo a hora e dia Que foi duro principio a tal querella: E tanta pena passo nesta ausencia, A que o cruel destino me condena, Porque sofra huma dôr ao mundo rara,
Que ja vencer deixara a paciencia Com minha vida, á força desta pena, Se a vida para ver-vos não guardara.
Saudades me atormentão tão cruelmente, Saudades do meu bem ja passado; Não sou a tantos males condenado Sem razão, pois que posso ser ausente: Por amor me vi hum tempo ja contente, Por amor eu me quiz atormentado, Bem he que veja meu erro tão pagado, Como o he com minha dor e mal presente. Que bem mereceo pois fez tal partida
Não vos vêr, ou não me vêrdes vós Senhora, Porque assim pagasse eu com minha vida: Mas pois minha alma seu erro chora, Não queirais que chore a sorte perdida, Vejão-vos meus olhos branda alguma hora.
O dia, hora ou o ultimo momento
Da vida em que meus fados me poserão, Ja minhas esperanças se perderão,
Ja me não enganará meu pensamento. Triste mudança, duro apartamento, Que perder em tão breve me fizerão Tudo o que meus serviços merecerão, Ó quantas cousas muda o mudamento: Não espero ja vêr cousa passada, Porque vejo, que tão longa partida Me não consente esperanças de tornada. Minha fabula breve he ja conhecida, Porque, bem sei que tenho averiguada De longo apartamento curta vida.
Se para mim tivera, que algum dia Movida com paixão de meu tormento, Tivereis hum pequeno sentimento De quem com isto só descançaria.
A meus males por gloria julgaria
por prazeres quantas penas sinto,
pesar contentamento
Com tão doces lembranças sentiria.
Mas ai! triste de mim, que estou cuidando
Cousas que me darão mais cedo a morte, Em pago de doudice tão notoria!
De que serve estar tanto desejando, Pois vosso merecer e minha sorte Me fazem duvidosa esta gloria?
Oh! fortuna cruel! oh! dura sorte! Trabalho que me poz em tal estado, Que não quero ja ser desenganado, Nem tem cura meu mal senão a morte.
Es cego dize amor? porque tão forte Te mostras, contra quem tão mal tratado Anda de te servir, e magoado
Tras o coração ferido de teu corte?
Mas ja que não quer mal senão tratar-me Ah! cruel fortuna minha, ó amor Deixa-me se quer poder queixar-me. Porque em tanto trabalho e tanta dôr, Mal poderei sem isto consolar-me, Ja que de ti não quero outro favor.
Perder-me assi em vosso esquecimento Não me consente o ser por vós perdido, Que sê-lo eu, e ser de vós sabido, Ou consentido, ja eu me contento.
Más tratardes com hum descuido isento Quem vos tem o contrario merecido, Bem que me tenha a mim n'alma offendido, Mais me offende em vós o merecimento.
Não póde soffrer-vos culpa a vontade, Que comigo vos entreguei Senhora, Nem cousa que em vós pareça tacha. Ache em vosso rosto piedade,
Pois nelle em fim com graças mora, E toda a perfeição em vós se acha.
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