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CCCXXXIV

Memorias offendidas que hum só dia
Me não deixais em paz o pensamento,
Não me dancis o gosto do tormento
Que quem vos offende vos deffendia.
Que me quereis, olhai que se injuria
Comvosco o delicado sentimento,
Que me ficou do eterno apartamento,
De quem tem ja desfeita a morte fria.
Deixarão-me com a magoa das offensas,
Levarão hum remedio que só tinha,
Quem ira vencer a pena que a alma sente.

Onde achará do dano as recompensas,

Que ainda de ser triste, a dita minha
Me não deixa hum momento ser contente.

CCCXXXV

Lembranças tristes, para que gastais tempo
Em cançar mais hum coração cançado!
Contentai-vos em me vêr em tal estado,
Não queirais de mim mor vencimento.
Temo tão pouco ja vosso tormento,
De andar a passar mal acostumado,
Que sinto de me vêr atormentado
De nada podêr ter ja contentamento.
Trabalho em vão, cuidando empecer
A quem a esperança tem perdida,
De tudo quanto teve e desejou.
De perder muito não tenho que perder,
Senão for esta ja cançada vida.
Que por mór perda minha me ficou.

CCCXXXVI

Quando descançareis olhos cançados
Pois ja não vêdes quem vos dava vida,
Ou quando vereis fim á despedida
A tantas disventuras e cuidados.

Ou quando quererão meus duros fados
Erguer minha esperança tão caida;
Ou quando, se de todo he ja perdida,
Alcançar podereis meus bens passados.
Bem sei que hei de morrer nesta saudade
Em que meu esperar he todo vento,
Pois nada espero ao que desejo.

E pois tão clara vejo esta verdade,

Bem póde vir a mim todo o tormento,
Que me não hade espantar pois sempre o vejo.

CCCXXXVII

Memoria de meu bem cortado em flor

Por ordem de meus tristes e maos fados,
Deixai-me descançar com meos cuidados
Nesta inquietação de meus amores.

Basta-me o mal presente, e os temores

Dos successos que espero infortunados,
Sem que venhão de novo bens passados
Afrontar meu repouso com suas dôres.
Perdi n'huma hora quanto em termos
Tão vagarosos e largos alcancei,
Leixai-me pois, lembranças desta gloria.

Cumpre acabe a vida nestes ermos,
Porque, nelles com meu mal acabarei

Mil vidas, não huma só, dura memoria!

CCCXXXVIII

Do corpo estava ja quasi forçada,
Aquella alma gentil ao Ceo devida,
Rompendo a nobre tea de sua vida
Por tornar cedo a patria desejada.
Ainda em flor sem ter raiz lançada
Na terra della tanto aborrecida
S'arrancou boamente, e esta partida
Fez a morte suave sua jornada.
Alma pura, que ao mundo te mostraste
Solta de seus grilhoens q'outros enlação,
E agora gozas la dias melhores,
Dos teus, que cá sem ti tristes deixastes
Te mova alta piedade, em quanto passão
Estas horas que a dôr lhe faz maiores.

CCCXXXIX

O dia, hora em que naci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo, e se tornar
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se escureça,
Mostre o mundo sinaes de se acabar,
Nação-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãi ao proprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas de ignorantes,
As lagrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo ja se destruio.
Oh gente temerosa, não te espantes,

Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se vio!

CCCXL

Transumpto sou senhora neste engano,
E tratar delle comigo he escusado,
Que mal póde de vós ser enganado
Quem d'outras como vós tem desengano.
Ja sei que foi á custa de meu dano

Que só no doce dar tendes cuidado,

Mas para como eu sou de vós julgado
Mui vans são as esperanças deste anno.
Tratei grão tempo d'amor, e daqui veo
A conhecer o fingido facilmente,
Que tal he gentil dama o que mostrais.
De treslida cahiste neste enleo,

Querei de mim o que eu quizer boamente,
Que no al a costa arriba caminhais.

CCCXLI

Ondas que por el mundo camiñando
Contino vas llevadas por el viento,
Llevad embuelto en vos mi pensamiento,
Do está la que do esta lo está causando.

Dizilde que os estas acrescentando,
Dizilde que de vida no ai momento,
Dizilde que no muere mi tormento,
Dizilde

Dizilde

que no vivo ya esperando.

quan perdido me hallaste,

Dizilde quan ganado me perdiste,
Dizilde que sin vida me mataste.

Dizilde quan llagado me feriste,
Dizilde quan sin mi que me dexaste,
Dizilde

quan con ella

que me vistes.

CCCXLII

Sobre un olmo que al cielo parecia
Llegar de flor no oja, se mostrava
Una ave sola, e triste vi que estava,
Y ali, su soledad encarecia.

En una fuente clara que corria
Con dulce son lloroso se baxava,
Y en el sa metendo la enturbiava,
Y viendo la agua turbia la bevia.

La causa porque al dolor tanto se entregava
La sola tortorilla es verse ausente,
Mirad a quanto el mal d'auzencia llega.
Se tanto sentimiento el accidente

De una ave sin sentido amor la llega
Sentio, que sentira quien algo siente.

CCCXLIII

Cançada e rouca boz por que bolando
No vas do mi Florinda esta dormiendo,
Y ali, de todo quanto yo pretiendo,
O venturosa tu no estas gosando!

Ve passo, e al oydo, suspirando

Le di sin que te sinta, que sentiendo
Estoi tan grave mal que estoi moriendo,

Y avendo de morir estoi cantando,

E dile, que aunque tengo su transumpto,
A qua do estoi que venga dela espero,
Si no quiere hallarme ya defunto.

Mas ay no sei lo que digas, que mas muero
Do verme a su valor despues tan junto,
Sin que vea el bien que tanto quiero.

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