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XXXIV

Quando o sol encoberto vai mostrando
Ao mundo a luz quieta e duvidosa.
Ao longo de huma praia deleitosa
Vou na minha inimiga imaginando.
Aqui a vi os cabellos concertando;

Alli co'a mão na face, tão formosa;
Aqui fallando alegre, 'alli cuidosa;
Agora estando quêda, agora andando.
Aqui esteve sentada, alli me vio,

Erguendo aquelles olhos, tão isentos;
- Commovida aqui hum pouco, alli segura.
Aqui se entristeceo, alli se rio:

E, em fim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vaa, que sempre dura.

XXXV

Hum mover de olhos, brando e piedoso,
Sem vêr de que; hum riso brando e honesto,
Quasi forçado; hum doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso:

Hum despejo quieto e vergonhoso;
Hum repouso gravissimo e modesto;
Huma pura bondade, manifesto

Indicio da alma, limpo e gracioso:

Hum encolhido ousar; huma brandura;
Hum medo sem ter culpa; hum ar sereno;
Hum longo e obediente soffrimento;

Esta foi a celeste formosura

Da minha Circe, e o magico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

XXXVI

Tomou-me vossa vista soberana

Adonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar a quem busca defensão
Contra esses bellos olhos, que se engana.
Por ficar da victoria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão.
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Ceo não val defensa humana.
Com tudo, se vos tinha promettido

O vosso alto destino esta victoria,
Ser-vos ella bem pouca está entendido.
Pois, aindaque eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande gloria,
Eu a levo maior de ser vencido.

Não

XXXVII

passes, caminhante. Quem me chama? Hua memoria nova e nunca ouvida, De hum que trocou finita e humana vida Por divina, infinita, e clara fama. Quem he, que tão gentil louvor derrama? Quem derramar seu sangue não duvída, Por seguir a bandeira esclarecida

De hum capitão de Christo que mais ama. Ditoso fim, ditoso sacrificio,

Que a Deos se fez e ao mundo juntamente!
Pregoando direi tão alta sorte.

Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deo na vida claro indicio

De vir a merecer tão santa morte.

XXXVIII

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Ceo certissimos signais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.
Vereis que do viver me desapossa
Aquelle riso com que a vida dais:
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o damno possa.
E se vêr-vos nesta alma, emfim, quizerdes,
Como em hum claro espelho, alli vereis
Tambem a vossa angelica e serena.

Mas eu cuido que, só por me não vêrdes,
Vêr-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

XXXIX

O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se accendeo de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dous ardores se encendia,
Da grande impaciencia fez despejo,
E remettendo com furor, sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquella flamma que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!
Namorão-se, Senhora, os Elementos

De vós, e queima o fogo aquella neve
Que queima corações e pensamentos.

XL

Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de crystal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos:

Sylvestres montes, ásperos penedos
Compostos de concerto desigual;
Sabei que sem licença de meu mal
Ja não podeis fazer meus olhos ledos.
E pois ja me não vêdes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vem.
Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-hei com lagrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.

XLI

Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de hum áspero receio
Salteado Laurenio a côr perdia.

Ella,

que a Sylvio mais que a si queria, Para podê-lo vêr não tinha meio. Ora como curára o mal alheio

Quem o seu mal tão mal curar podia?

Elle, que vio tão clara esta verdade,

Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavão, de mágoa, a piedade):
Como póde a desordem da natura

Fazer tão differentes na vontade
Aos que fez tão conformes na ventura?

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XLII

Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remedio que mereço,
Se só comtigo, vendo-te, endoudeço,
Que fora co'os cabellos que apertaste?
Aquellas tranças de ouro que ligaste,
Que os raios do sol tee em pouco preço,
Não sei se ou para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
E por satisfação de minhas dôres,

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Como quem não tee outra, hei de tomar-te.

E se não for contente o meu desejo,

Dir-lhe-hei que nesta regra dos amores
Por o todo tambem se toma a parte.

XLIII

O cysne quando senté ser chegada
A hora que põe termo á sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta por a praia inhabitada.
Deseja lograr vida prolongada,

E della está chorando a despedida:
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.
Assi, Senhora minha, quando eu via

O triste fim que davão meus amores,
Estando posto ja no extremo fio;

Com mais suave accento de harmonia
Descantei por os vossos desfavores
La vuestra falsa fe, y el amor mio.

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