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contra a nimia severidade de alguns grammaticos, para quem o mais pequeno erro, uma virgula mal disposta é crime horrendo, apaga o merecimento real de um auctor que tenha obtido todos os fóros e titulos para se alistar na cohorte dos mais conspicuos escriptores; o parricida é innocente ao lado do grammaticida; Cicero não concebeu maior prazer quando encontrou a sepultura de Archimedes; eu, permitta-se-me a comparação porque é só no goso, quando descobri alguns documentos comprovativos para a biographia do nosso Epico, de que quando estes encontram a mais pequena falta ou omissão contra as leis inexoraveis da grammatica; e se o delinquente é um Virgilio, um Dante, um Petrarcha, um Ariosto, um Camões, um Tasso ou um Milton, o coração é vaso estreito para o jubilo; e se estes novos esquadrinhadores não podem como o Gama ir devassar o berço do sol, ou como Colombo rasgar o véu que nos occultava um mundo novo, podem ao menos denunciar-nos que este ou aquelle grande genio trocou um adverbio por uma conjuncção, caso, na opinião de Erasmo, digno de abalar todo o genero humano a uma guerra sanguinolenta. Na verdade quando os vejo tão empenhados, e ás vezes tão irritados e encarniçados n'estes ataques, não posso deixar de me recordar com saudade do prazer do discipulo nas escolas, quorum magna pars fui, que anhela nos duellos da tabuada em dar o quinau ao condiscipulo; e como nem sempre reina a maior placidez e imparcialidade n'estas disputas nugatorias, acontece que mais de uma vez faltam ao bitavo preceito do decalogo, attribuindo ao auctor os erros do copista, e os inevitaveis e muito desculpaveis do typographo1, erros que dizia o meu sabio mestre o monge de Alcobaça e arcebispo de Evora Fr. Fortunato de S. Boaventura, que deram vocabulos á lingua materna, sendo indiscretamente introduzidos nos Lexicons nacionaes. Com isto não quero dizer que se não tenha todo o cuidado e circumspecção em escrever correctamente, que não seja uma belleza, direi mesmo uma obrigação; porém quem se der a estas correcções, faça-as como o passageiro polido que se vê caír na rua o lenço áquelle que o

1 Sómente quem não vê trabalhar uma typographia é que não sabe avaliar o trabalho que uma obra dá para se imprimir; se nos lembrarmos que para uma folha de impressão no typo 12 em que esta obra é impressa, é necessario manusear e ajuntar de vinte a trinta mil fetras, é que póde julgar a difficuldade de não incorrer uma ou outra vez em uma incorrecção.

precede, levanta-o, adverte-o que lhe caíu, entrega-lh'o e passa adiante. Nem tão pouco pretendemos menoscabar uma classe que muito respeitamos, que se dá a estudos nimiamente aridos para outros, não elles, colherem o fructo das suas lucubrações; só alludimos a excessos parciaes, só nos levantamos contra os amoucos da arte.

Grande foi a difficuldade com que lutámos para pôr em pratica o plano que haviamos adoptado para esta edição, pela penuria das edições das Rimas, pois, comquanto fossemos possuidores de bastantes, infelizmente nos faltavam as princeps, nem estas se encontravam todas na bibliotheca nacional antes da acquisição das que possuiam D. Francisco Manuel de Mello e Thomás Norton; e mesmo comquanto sejamos excessivamente bem recebidos e com a maior amabilidade por todos os empregados d'aquelle estabelecimento publico, sempre uma pessoa tem acanhamento em dar trabalho, procurando simultaneamente muitos livros ao mesmo tempo, nem é facil conferir fóra de casa em sitios diversos (pois como já advertimos faltavam no estabelecimento as edições), e principalmente quando algumas vezes tem que se conferir e trabalhar com precipitação para acudir ao expediente da impressão.

D'estes embaraços nos tirou o obsequioso offerecimento do sr. João Felix Minhava (sem o qual nos seria difficil progredir), pondo á nossa disposição as edições que possuia da sua collecção, e o mesmo favor devemos aos srs. Jacinto da Silva Mengo e João José Barbosa Marreca.

Reservámos para o fim a Epopéa, não só por ser a ordem mais chronologica, e imitarmos n'isto alguns editores das obras de Virgilio, mas para nos acharmos mais desembaraçados, e podermos convergir todos os nossos esforços para a mais seria attenção na publicação do poema nacional. É nossa tenção, por ora, a qual variaremos comtudo se formos melhor aconselhados, darmos textualmente a chamada segunda edição de 1572, a qual será acompanhada de tabellas de variantes, não só da que saíu no mesmo anno, mas das outras. Quando ahi chegarmos invocaremos a assistencia de pessoas doutas, as quaes esperamos nos queiram auxiliar com os seus esclarecidos conselhos, para que possamos conseguir o fim de podermos expor ao publico este thesouro nacional o mais limpo de impurezas e imperfeições.

Iamos fechar este prologo quando nos chegaram á mão as observações criticas feitas ao nosso trabalho pelo sr. Innocencio Francisco da Silva, no seu artigo sobre Luiz de Camões do seu Diccionario Bibliographico, observações que agradecemos, e aproveitando o seu conselho daremos uma tabella dos erros mais principaes que necessariamente têem de occorrer em uma obra d'esta natureza, não devendo em rigor uma primeira edição reputar-sé mais que uma prova mais ou menos limpa (o que a experiencia mostra que acontece a quasi todas), reformando e relocando nas subsequentes as omissões que escorregaram na primeira publicação. E então que a advertencia de amigos ou de homens que se entregam á sciencia avisam o escriptor para a mais seria reflexão do seu trabalho, para o polir, limar e darThe o ultimo retoque; agradecendo pois ao nosso illustrado bibliographo as suas judiciosas correcções, que pedimos comtudo licença para uma ou outra vez attenuar, não podemos porém deixar de lhe significar o nosso pezar de que tendo o gosto de o encontrar tão repetidas vezes nas nossas mutuas excursões á imprensa nacional, nos não advertisse quando, pela segunda vez, o nosso fraco baixel estava na quilha, isto é, quando entrava no prélo o nosso segundo volume.

Aos nossos amigos e escriptores pedimos o obsequio de iguaes advertencias, porquanto o nosso desejo é acertar, e embora tenhamos de incorrer em erros, não desejavamos regista-los de vontade; e ao publico que recebeu com tanta benevolencia o principio do nosso trabalho, pedimos tambem queira pela sua parte emendar, onde se persuadir que ha logar para isso, e desculpar com a sua costumada indulgencia as imperfeições inevitaveis de um trabalho tão espinhoso, principalmente a quem, como já adverti no primeiro volume, se acha enfraquecido por doença e distrahido com a attenção para outros assumptos.

Terminarei repetindo a mesma declaração que fiz já em outro logar d'este trabalho, que quaesquer que sejam os erros notados me são pessoaes, aproveitando esta occasião de tributar novamente os meus agradecimentos aos senhores empregados da imprensa nacional que, com tanto zêlo pelas letras patrias, credito do poeta e favor pessoal, me têem feito o obsequio de serem Cyrineos d'esta minha empreza litteraria.

RIMAS

SONETOS

Em quanto quiz fortuna

I

que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de hum suave pensamento
Me fez que seus effeitos escrevesse.

Porém temendo Amor que aviso désse

Minha escriptura a algum juizo isento,
Escureceo-me o engenho co'o tormento,
Para que seus enganos não dissesse.
Óvós, que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! quando lerdes
N'hum breve livro casos tão diversos;
(Verdades puras são, e não defeitos)

Entendei que segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

II

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por huns termos em si tão concertados,
Que dous mil accidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia, e pena, ausente.
Tambem, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-hei dizendo a menor parte.
Porém para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho, e arte.

III

Com grandes esperanças ja cantei,

Com que os deoses no Olympo conquistára;
Depois vim a chorar porque cantára,

E agora chóro ja porque chorei.

Se cuido nas passadas que ja dei,

Custa-me esta lembrança só tão cara,
Que a dôr de ver as mágoas que passára,
Tenho por a mór mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que hum tormento
Dá causa que outro na alma se accrescente,
Ja nunca posso ter contentamento.

Mas esta phantasia se me mente?

Oh ocioso e cego pensamento!

Ainda eu imagino em ser contente?

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