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CANÇÃO XII

Nem roxa flor de Abril, Pintor do campo ameno e da verdura, Colhida entre outras mil,

Foi nunca assi agradavel á donzella
Cortez, alegre e bella,

De sua mãe cuidado e glória pura,
Como a mi foi a inculta formosura
Natural, que pudera

A Saturno render na sua Esphera.

Natural fonte agreste,

Não lavrada d'Artifice excellente,
Mas
por arte celeste
Derivada de rustico penedo,
Não fez'ja mais tão ledo
Cansado caçador por sesta ardente,
Quanto o cuidado a mi me fez contente
Do vêr tão descuidado,
Que faz sereno a Jupiter irado.

Fructa, que sem concerto
Naturalmente em ramos se pendura,
Achada por acèrto;

A quem pintada a vê de sangue e leite,
Não lhe dará o deleite,
Qu'essa graça me dá sem compostura,
Ornamento da mesma formosura,

E o toucado sem arte,
Que tornára pastor ao bravo Marte.

A manhãa graciosa,

Que derramando sahe d'entre os cabellos
A flôr, o lirio, a rosa,
Sem ajuda d'ornato, ou d'artificio,
Não faz o beneficio,

Que faz a luz dos vossos olhos bellos

A quem os vê tão puros e singelos;
E esse innocente riso,

Por quem Apollo o Tejo torna Amphriso.

Outeiros coroados

Das árvores que fazem espessura
Com os ramos copados

Alegre, que mão destra os não cultiva,
Graça tão excessiva

Não tee na sua natural verdura,
Quanta na d'esses olhos, clara e pura,
Deposita a esperança,

Com

que Amor gôsto, a mãe tormento alcança.

Dos simples passarinhos
A musica sem arte concertada,
D'entre os verdes raminhos,
Tão suave não he, tão deleitosa
A quem na selva umbrosa
Com mente ouvindo-a está toda enlevada,
Quanto a mi essa falla doce agrada,
E o natural aviso,

Que roubão a Mercurio sceptro e siso.

De frescos rios ágoa,
Que clara entre arvoredos se deriva.
Cahindo d'alta fragoa.

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Esmaltando de perolas no prado
O verde delicado,

Com brando som aos olhos fugitiva, Não nos alegra quanto a graça esquiva D'essa luz soberana,

Que faz cortez a rustica Diana.

A tal luz (ó Canção, que ousaste vella!) Vendo estás ja prostrado

Saturno triste, Jupiter irado,

Bravo Marte, aureo Apollo, Venus bella, E Mercurio, e Diana, e toda estrella.

CANÇÃO XIII

Oh

pomar venturoso, Onde co'a natureza

A subtil arte tee demanda incerta;

Qu'em sítio tão formoso
A maior subtileza

D'engenho em ti nos mostras descoberta!

Nenhum juizo acerta,
De cego e d'enlevado,

Se tee em ti mais parte
A natureza, ou arte;

Se Terra ou Ceo de ti tee mais cuidado,

Pois em feliz terreno

Gozas d'hum ar mais puro e mais sereno.

De teu formoso pêzo

Se mostra o monte ledo,

E o caudaloso Zezere t'estranha,

Porque ólhas com desprezo

Seu crystal puro e quedo,

Que com Pera os teus pés rodeia e banha.
Em ti pintura estranha,
A quem Apelles cedèra,
Enigmas intrincados,
E myrtos animados

Vemos, que o proprio Escopas não fizera;
Em ti, co'a paz interna,
Tee o santo prazer morada eterna.

Os jardins da famosa
Babel, tão nomeados,

Por maravilha o mundo não levante,

Inda que com gloriosa
Voz, qu'estão pendurados

Do instavel ar, a fama antigua cante:
Nem haja quem s'espante
Dos famosos d'Alcino;

Nem as mais doutas pennas
Cantem os de Mecenas,

Cultor de todo engenho peregrino;
Mas onde quer que vôe,

De ti só falle a Fama, e te pregôe.

Que s'era antiguamente
De
pomos d'ouro bellos

O jardim das Hesperidas ornado;
E, apezar da serpente
Que os guardou, só colhellos

Pôde o famoso Alcides, d'esforçado;

Tu, mais avantajado,

Mostras a hum'alma casta
Seguir o que deseja,

Fugir da torpe inveja

(Pomos d'ouro que o tempo não contrasta): Emfim, co'a caridade

Vencer o Inferno, abrir a Eternidade.

Por tanto da ventura,
Para ti reservada,

Te deixe o Ceo gozar perpetuamente;
Porque sejas figura
Da gloria avantajada

Delle mesmo, e qu'em ti se representa ;
Porqu'em quanto sustente
O ceo, o mar e a terra,
Seus feitos milagrosos,
Mysterios mais gloriosos,

Com que a morte das almas nos desterra,
Por onde em nossas almas

Com mais pompas triumpha e com mais palmas.

Goza, pois, longamente
Teu venturoso fado,

Da mãe do teu autor bem possuido:

Qu'em ti, sempre contente
De seu sublime estado,

A alma dos seus alegra e o sentido.

Cada qual preferido
Nas grandes qualidades
Ao sabio Nestor seja,
Para que o mundo os veja
Exceder as longuissimas idades;
E com a longa vida.
Seja sua memoria ennobrecida.

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