Abrandão suas sanhas. E o feroz cavallo altivo ufano,
Por tempo se sobmete ao uzo humano.
Se para atormentar-me estás contente, Se para crueldade tens tal posse, A esperança em mim vive segura; Porque, por tempo a romãa se faz doce E se quebra o forte diamante, A agoa branda cava a pedra dura: Quiçais permitirá minha ventura, Que algum tempo veja O bem que a alma deseja;
E no tempo brumal o ceo espelhado Não está sempre offuscado;
E ás vezes o mar manso tem tormenta, Mas escassa-se o vento, a furia assenta.
Se de qualquer trabalho, pouco ou muito, Senhora, galardão igual se espera, E dar-se a quem o merece se costuma, De meu amor constante e fé sincera, Bem posso com razão esperar fructo: Se te offendo com isto em cousa alguma,
A vida pois se gaste e se consuma Em tão gentil demanda, Pois que amor o manda;
E se nella quizer fortuna ou fado, Que seja de ti amado,
Não quero delle gloria mais comprida, E quando não, morrer por ti he vida.
Canção, perdida vas, mas mais perdido
Está quem te offerece ao seco vento; Pois, para sentir malles tem sentido, E para mais lhe falta o sentimento: Sei, que queixas ao doente he concedido, Queixar-se de seu mal, de seu tormento, Por tanto deixa-te hir, e donde fores, Publica meu tormento e mal de amores.
(INEDITA)
Bem aventurado aquelle, que ausente Do reboliço, trafego e tumulto,
Vê de longe as perdas e insultos,
Que faz o mundo vil da necia gente; Aos cuidados tem posto frêo, Mui alheo,
Do perigo
Que comsigo
Tras a vida, Que embibida
No peçonhento gosto da cubiça, O fogo com que arde assim atiça:
Não se mantem no gosto dos favores, Enlevado em falsas esperanças, Vís, lhe parecem e baxas as privanças Dos Principes, dos Reis e dos Senhores; Por abundancia tem e por riqueza
A pobreza, Que imiga
Da fadiga Não contente
Descontente
Por ver o coração, que por viver Sem cuidado e temor, quiz pobre ser.
Piza, com peito forte e animoso, As ambiçoens que os olhos d'alma cegão, Despreza, as vans promessas que enlevão Ao vão pensamento cuidadoso; Este por máo e por perverso sempre tive, E assim vive,
Porque a vida Consumida
Com cuidados Escusados,
E sugeita a desconcertos da ventura,
Não he vida vital, mas morte pura.
Não tirão o doce sono as lembranças Importunas do bem ou mal futuro; Os varios successos vê segura. Livre de medo, isento de mudanças; E posto que a vida breve seja,
Não deseja Estendella;
Goza della,
Que parece Que enriquece:
Por que a vida occupada em buscar vida, Acha-se mal gastada e não crescida.
Não anda entre amigos incubertos, A perigos immensos avisado, Mas com animo constante e socegado.
Gosa dos coraçoens leaes e certos: Quando o bravo mar furioso
Belicoso
Fogo accende,
E pertende
Com estranha
Ira e sanha
Roubar a cara paz, cá na terra, Com socego está-se rindo da guerra.
Não ouve, da trombeta temerosa
O rouco som que assombra o esforçado; Não teme, do cruel e vão soldado
A espada de sangue cubiçosa;
Nem o pelouro da espingarda sahindo,
Retinindo,
Pelo ar voa
Ledo e soa,
Mas descendo
Não se vendo
Vai ferir entre muitos o coitado, Que tal caso está bem descuidado.
E posto que o livre entendimento, Captiva a vista, e regra a lei que segue, E a outra vontade a sua entregue, Refreando o errado pensamento; Comtudo, tem mais certa liberdade
A vontade
Que aceita Ser sugeita, Porque os danos E enganos
Que procedem do proprio parecer, Senhor de si a hum não deixa ser.
Ora da baxa terra alevantada O experto pensamento ao ceo formoso, E da vida e de si mesmo queixoso, Morre por possuir riqueza tanta; Ora com doces ais o ceo rompendo,
E gemendo
Diz a morte:
Dura sorte!
Se vieras E me deras
Hum golpe tão esquivo que morrera, Por verdadeira vida te tivera.
(INEDITA)
Porque vossa belleza a si se vença, Taes estremos mostrastes, Que mais bella ficaste
C'o passado rigor desta doença; Assi depois, a discorada rosa Se reverdece fica mais formosa; Assim depois, do inverno e seos rigores, Se mostra a primavera com mais flôres; Assim depois, que eclipse o sol padece, Com mais formosos raios resplandece.
Ja de vossa saude o sol se alegra, E se negro vestia
Se veste de alegria.
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