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Abrandão suas sanhas. E o feroz cavallo altivo ufano,

Por tempo se sobmete ao uzo humano.

Se para atormentar-me estás contente,
Se
para crueldade tens tal posse,
A esperança em mim vive segura;
Porque, por tempo a romãa se faz doce
E se quebra o forte diamante,
A agoa branda cava a pedra dura:
Quiçais permitirá minha ventura,
Que algum tempo veja
O bem que a alma deseja;

E no tempo brumal o ceo espelhado
Não está sempre offuscado;

E ás vezes o mar manso tem tormenta,
Mas escassa-se o vento, a furia assenta.

Se de qualquer trabalho, pouco ou muito,
Senhora, galardão igual se espera,
E dar-se a quem o merece se costuma,
De meu amor constante e fé sincera,
Bem posso com razão esperar fructo:
Se te offendo com isto em cousa alguma,

A vida pois se gaste e se consuma
Em tão gentil demanda,
Pois que amor o manda;

E se nella quizer fortuna ou fado,
Que seja de ti amado,

Não
quero delle gloria mais comprida,
E quando não, morrer por ti he vida.

Canção, perdida vas, mas mais perdido

Está quem te offerece ao seco vento;
Pois, para sentir malles tem sentido,
E para mais lhe falta o sentimento:
Sei, que queixas ao doente he concedido,
Queixar-se de seu mal, de seu tormento,
Por tanto deixa-te hir, e donde fores,
Publica meu tormento e mal de amores.

CANÇÃO XX

(INEDITA)

Bem aventurado aquelle, que ausente
Do reboliço, trafego e tumulto,

Vê de longe as perdas e insultos,

Que faz o mundo vil da necia gente;
Aos cuidados tem posto frêo,
Mui alheo,

Do perigo

Que comsigo

Tras a vida,
Que embibida

No peçonhento gosto da cubiça,
O fogo com que arde assim atiça:

Não se mantem no gosto dos favores,
Enlevado em falsas esperanças,
Vís, lhe parecem e baxas as privanças
Dos Principes, dos Reis e dos Senhores;
Por abundancia tem e por riqueza

A pobreza,
Que imiga

Da fadiga
Não contente

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Descontente

Por ver o coração, que por viver
Sem cuidado e temor, quiz pobre ser.

Piza, com peito forte e animoso,
As ambiçoens que os olhos d'alma cegão,
Despreza, as vans promessas que enlevão
Ao vão pensamento cuidadoso;
Este por máo e por perverso sempre tive,
E assim vive,

Porque a vida
Consumida

Com cuidados
Escusados,

E sugeita a desconcertos da ventura,

Não he vida vital, mas morte pura.

Não tirão o doce sono as lembranças
Importunas do bem ou mal futuro;
Os varios successos vê segura.
Livre de medo, isento de mudanças;
E posto que a vida breve seja,

Não deseja
Estendella;

Goza della,

Que parece
Que enriquece:

Por que a vida occupada em buscar vida,
Acha-se mal gastada e não crescida.

Não anda entre amigos incubertos,
A perigos immensos avisado,
Mas com animo constante e socegado.

Gosa dos coraçoens leaes e certos:
Quando o bravo mar furioso

Belicoso

Fogo accende,

E pertende

Com estranha

Ira e sanha

Roubar a cara paz, cá na terra,
Com socego está-se rindo da guerra.

Não ouve, da trombeta temerosa

O rouco som que assombra o esforçado; Não teme, do cruel e vão soldado

A espada de sangue cubiçosa;

Nem o pelouro da espingarda sahindo,

Retinindo,

Pelo ar voa

Ledo e soa,

Mas descendo

Não se vendo

Vai ferir entre muitos o coitado,
Que tal caso está bem descuidado.

E posto que o livre entendimento, Captiva a vista, e regra a lei que segue, E a outra vontade a sua entregue, Refreando o errado pensamento; Comtudo, tem mais certa liberdade

A vontade

Que aceita
Ser sugeita,
Porque os danos
E enganos

Que procedem do proprio parecer,
Senhor de si a hum não deixa ser.

Ora da baxa terra alevantada
O experto pensamento ao ceo formoso,
E da vida e de si mesmo queixoso,
Morre por possuir riqueza tanta;
Ora com doces ais o ceo rompendo,

E gemendo

Diz a morte:

Dura sorte!

Se vieras
E me deras

Hum golpe tão esquivo que morrera,
Por verdadeira vida te tivera.

CANÇÃO XXI

(INEDITA)

Porque vossa belleza a si se vença,
Taes estremos mostrastes,
Que mais bella ficaste

C'o passado rigor desta doença;
Assi depois, a discorada rosa
Se reverdece fica mais formosa;
Assim depois, do inverno e seos rigores,
Se mostra a primavera com mais flôres;
Assim depois, que eclipse o sol padece,
Com mais formosos raios resplandece.

Ja de vossa saude o sol se alegra,
E se negro vestia

Se veste de alegria.

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