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Por quem na mór tristeza fui contente; Quando será que veja aquelle dia · Em que deixe de vér tão grave damno, E em que me deixe tão penosa vida?

Como desejarei humana vida,

Ausente d'hua mais que humana vista.
Que tão glorioso me fazia o damno!
Vejo o meu damno sem a sua glória;
Á minha noite falta ja seu dia:
Triste tudo se vê, nada contente.

Pois sem ti ja não posso ser contente,
Mal posso desejar sem ti a vida;
Sem ti ja vêr não posso claro dia,
Não posso sem te vêr desejar vista;
Na tua vista só se via a glória,

Não vêr a glória tua he vêr meu damno.

Não via maior glória que meu damno, Quando do damno meu eras contente: Agora me he tormento a maior glória, Que póde prometter-me Amor na vida, Pois tornar-te não póde á minha vista, Que só na tua achava a luz do dia.

E pois de dia em dia cresce o damno,
Nem posso sem tal vista ser contente,
Só com perder a vida acharei glória.

SEXTINA IV

Sempre me queixarei desta crueza
Que Amor usou comigo quando o tempo,

A

pezar de meu duro e triste fado,
A meus males queria dar remedio,
Em apartar de mi aquella vista,
Por quem me contentava a triste vida.

Levára-me, oxalá, traz ella a vida,
Para que não sentíra esta crueza
De me vêr apartado de tal vista!
E praza a Deos não veja o proprio tempo
Em mi, sem esperança de remedio,
A desesperação d'hum triste fado!

Porém ja acabe o triste e duro fado!
Acabe o tempo ja tão triste vida,
Qu'em sua morte só tee seu remedio.
O deixar-me viver he mór crueza,
Pois desespéro ja d'em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vista.

Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quizeste que a levasse o tempo?
E se o assi quizeste, porque a vida
Me deixas para vêr tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remedio?

Tu só de minha dôr eras remedio,
Suave, deleitosa e bella vista.

Sem ti, que posso eu vêr senão crucza? Sem ti, qual bem me póde dar o fado, Se não he consentir que acabe a vida? Mas elle della me dilata o tempo.

Azas para voar vejo no tempo,
Que com voar a muitos foi remedio;
E só não vôa para a minha vida.
Para que a quero eu sem tua vista?
Para que quer tambem o triste fado
Que não acabe o tempo tal crueza?

Não poderão fazer crueza, ou tempo, Fôrça de fado, ou falta de remedio, Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida.

SEXTINA V

(INEDITA)

Quanto tempo ter posso amor de vida
Sem vêr aquella luz alegre e bella
Daquelles graciosos lindos olhos.
Se hade ser muito venha a morte
E para sempre aparte deste corpo
A triste namorada infelice alma.

Quando fizeste os olhos seus desta alma
A luz, a guia, a gloria, a fama, a vida,
Ordenaste que não vivesse o corpo
Não vendo a vista amada linda e bella;
Pois como ja me tarda tanto a morte
Se tanto ha que não vejo os olhos bellos?

Claros raios do sol, formosos olhos

Que as chaves ambas tendes da minha alma,
Se não vos hei de ver leve-me a morte,
Que morte he sem vos vêr a propria vida:
E pois que não vos vendo a morte he bella,
Não tenha huma hora mais de vida o corpo.

Vai-se sostendo na esperança o corpo
De tornar inda a vêr-vos doces olhos,
Que se não fôra esta esperança bella
A alma ja o deixara, e elle a alma:
Pois se vós delle e della sois a vida
Que podem sem vós ter mais do

que

morte.

Varios modos soffrendo está de morte
Em tanto este mortal e triste corpo,
E se temo perder de todo a vida.
He por temer perder-vos lindos olhos:
Isto faz com que ja de todo a alma
Não se parta a buscar vida mais bella.

Serena luz, formosa, clara e bella
Que me dás juntamente vida e morte,
E pintaste com teus raios nesta alma
As raras perfeiçoens do bello corpo,
Té que te torne a vêr meus tristes olhos
Não haverá em mim gosto da vida.

Morte sem vós he vida, e morte a vida,
Bella a tristeza nestes tristes olhos,
A alma carga pesada ao mortal.

ODES

ODE I

Detem hum pouco, Musa, o largo pranto Que Amor te abre do peito;

E vestida de rico e ledo manto,

Demos honra e respeito,

Áquella, cujo objeito

Todo o mundo allumia,

Trocando a noite escura em claro dia.

Ó Delia, que a pezar da nevoa grossa,
Co'os teus raios de prata

A noite escura fazes que não possa
Encontrar o que trata,

E o que na alma retrata

Amor por teu divino

Rosto, por qu'endoudeço e desatino:

Tu, que de formosissimas estrellas
Coroas e rodeias

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