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XLIV

Por os raros extremos que mostrou
Em sábia Pallas, Venus em formosa,.
Diana em casta, Juno em animosa,
Africa, Europa e Asia as adorou.
Aquelle saber grande que juntou
Esprito e corpo em liga generosa,
Esta mundana máchina lustrosa,
De sós quatro elementos fabricou.
Mas fez maior milagre a natureza
Em vós, Senhoras, pondo em cada hua
O que por todas quatro repartio.
A vós seu resplandor deo sol e lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos servio.

XLV

Tomava Daliana por vingança

Da culpa do pastor que tanto amava,
Casar com Gil vaqueiro; e em si vingava
O êrro alheio, e perfida esquivança.

A discrição segura, a confiança

Das rosas que o seu rosto debuxaya,
O descontentamento lhas mudava;
Que tudo muda huma áspera mudança.

Gentil planta disposta em sêcca terra;
Lindo fructo de dura mão colhido;
Lembranças de outro amor, e fé perjura,

Tornárão verde prado em serra dura;
Interesse enganoso, amor fingido,
Fizerão desditosa a formosura.

XLVI

Grão tempo ha ja que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada;
Que a longa experiencia da passada
Me dava claro indicio da futura.

Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada:
Assolai, destrui, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.
Soube Amor da Ventura, que a não tinha,
E porque mais sentisse a falta della,
De imagens impossiveis me mantinha."

Mas vós, Senhora, pois que minha estrella
Não foi melhor, vivei nesta alma minha:
Que não tee a Fortuna poder nella.

XLVII

Se sómente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentíra,
Amor sofrera mal que eu me partíra
De vossos olhos, minha Saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,

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Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crêr que esta ausencia he de mentira;
Porém venho a provar que he de verdade.

Ir-me-hei, Senhora; e neste apartamento
Lagrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento;

Que, em fim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

XLVIII

Oh como se me alonga de anno em anno
A peregrinação cansada minha!

Como se encurta, e como ao fim caminha Este meu breve e vão discurso humano! Mingoando a idade vai, crescendo o dano; Perdeo-se-me hum remedio, que inda tinha: Se por experiencia se adivinha,

Qualquer grande esperança he grande engano. Corro apoz este bem que não se alcança; No meio do caminho me fallece;

Mil vezes caio, e perco a confiança. Quando elle foge, eu tardo; e na tardança, Se os olhos ergo a vêr se inda apparece, Da vista se me perde, é da esperança.

XLIX

Ja he tempo, ja, que minha confiança
Se desça de huma falsa opinião:
Mas Amor não se rege por razão;
Não posso perder, logo, a esperança.
A vida si; que huma áspera mudança

Não deixa viver tanto hum coração,
E eu só na morte tenho a salvação:
Si: mas quem a deseja não a alcança.
Forçado he logo que eu espere e viva.

Ah dura lei de Amor, que não consente
Quietação n'hum' alma que he captiva!

Se hei de viver, em fim, forçadamente,
Para que quero a gloria fugitiva

De huma esperança vãa que me atormente?

L

Amor, com a esperança ja perdida
Teu soberano templo visitei:

Por signal do naufragio que passei,
Em logar dos vestidos, puz a vida.
Que mais queres de mi, pois destruida
Me tees a gloria toda que alcancei?
Não cuides de render-me; que não sei
Tornar a entrar-me onde não ha sahida.
Vês aqui a vida, e a alma, e a esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Em quanto o quiz aquella que eu adoro.
Nellas podes tomar de mi vingança:
E se te queres inda mais vingado,
Contenta-te co'as lagrimas que chóro.

LI

Apollo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lyra, me influião

Na suave harmonia

que fazião,

Quando tomei a penna, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando

Tão delicados olhos me ferião!

Ditosos os sentidos que sentião
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assi cantava, quando Amor virou .
A roda á esperança, que corria
Tão ligeira, que quasi era invisibil.
Converteo-se-me em noite o claro dia;
E se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possibil..

LII

Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
Não vivo com meu mal tão enganado,
Que não espere delle muito mais.
De longo tempo ja me costumais

A viver de algum bem desesperado:
Ja tenho co'a Fortuna concertado
De soffrer os tormentos que me dais.
Atada ao remo tenho a paciencia

Para quantos desgostos der a vida; Cuide quanto quizer o pensamento. Que pois não posso ter mais resistencia Para tão dura quéda, de subida, Aparar-lhe-hei debaixo o soffrimento.

LIII

Apartava-se Nise de Montano,

Em cuja alma, partindo-se, ficava;
Que o pastor na memoria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por huma praia do Indico Oceano

Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos por as águas alongava,
Que pouco se doião de seu dano.

Pois com tamanha mágoa e saudade,

(Dizia) quiz deixar-me a que eu adoro, Por testimunhas tómo Ceo e Estrellas. Mas se em vós, ondas, mora piedade, Levai tambem as lagrimas que chóro. Pois assi me levais a causa dellas.

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