Por os raros extremos que mostrou Em sábia Pallas, Venus em formosa,. Diana em casta, Juno em animosa, Africa, Europa e Asia as adorou. Aquelle saber grande que juntou Esprito e corpo em liga generosa, Esta mundana máchina lustrosa, De sós quatro elementos fabricou. Mas fez maior milagre a natureza Em vós, Senhoras, pondo em cada hua O que por todas quatro repartio. A vós seu resplandor deo sol e lua: A vós com viva luz, graça e pureza, Ar, Fogo, Terra e Água vos servio.
Tomava Daliana por vingança
Da culpa do pastor que tanto amava, Casar com Gil vaqueiro; e em si vingava O êrro alheio, e perfida esquivança.
A discrição segura, a confiança
Das rosas que o seu rosto debuxaya, O descontentamento lhas mudava; Que tudo muda huma áspera mudança.
Gentil planta disposta em sêcca terra; Lindo fructo de dura mão colhido; Lembranças de outro amor, e fé perjura,
Tornárão verde prado em serra dura; Interesse enganoso, amor fingido, Fizerão desditosa a formosura.
Grão tempo ha ja que soube da Ventura A vida que me tinha destinada; Que a longa experiencia da passada Me dava claro indicio da futura.
Amor fero e cruel, Fortuna escura, Bem tendes vossa força exprimentada: Assolai, destrui, não fique nada; Vingai-vos desta vida, que inda dura. Soube Amor da Ventura, que a não tinha, E porque mais sentisse a falta della, De imagens impossiveis me mantinha."
Mas vós, Senhora, pois que minha estrella Não foi melhor, vivei nesta alma minha: Que não tee a Fortuna poder nella.
Se sómente hora alguma em vós piedade De tão longo tormento se sentíra, Amor sofrera mal que eu me partíra De vossos olhos, minha Saudade.
Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira, Me faz crêr que esta ausencia he de mentira; Porém venho a provar que he de verdade.
Ir-me-hei, Senhora; e neste apartamento Lagrimas tristes tomarão vingança Nos olhos de quem fostes mantimento.
Desta arte darei vida a meu tormento;
Que, em fim, cá me achará minha lembrança Sepultado no vosso esquecimento.
Oh como se me alonga de anno em anno A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha Este meu breve e vão discurso humano! Mingoando a idade vai, crescendo o dano; Perdeo-se-me hum remedio, que inda tinha: Se por experiencia se adivinha,
Qualquer grande esperança he grande engano. Corro apoz este bem que não se alcança; No meio do caminho me fallece;
Mil vezes caio, e perco a confiança. Quando elle foge, eu tardo; e na tardança, Se os olhos ergo a vêr se inda apparece, Da vista se me perde, é da esperança.
Ja he tempo, ja, que minha confiança Se desça de huma falsa opinião: Mas Amor não se rege por razão; Não posso perder, logo, a esperança. A vida si; que huma áspera mudança
Não deixa viver tanto hum coração, E eu só na morte tenho a salvação: Si: mas quem a deseja não a alcança. Forçado he logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que não consente Quietação n'hum' alma que he captiva!
Se hei de viver, em fim, forçadamente, Para que quero a gloria fugitiva
De huma esperança vãa que me atormente?
Amor, com a esperança ja perdida Teu soberano templo visitei:
Por signal do naufragio que passei, Em logar dos vestidos, puz a vida. Que mais queres de mi, pois destruida Me tees a gloria toda que alcancei? Não cuides de render-me; que não sei Tornar a entrar-me onde não ha sahida. Vês aqui a vida, e a alma, e a esperança, Doces despojos de meu bem passado, Em quanto o quiz aquella que eu adoro. Nellas podes tomar de mi vingança: E se te queres inda mais vingado, Contenta-te co'as lagrimas que chóro.
Apollo e as nove Musas, descantando Com a dourada lyra, me influião
Na suave harmonia
Quando tomei a penna, começando:
Ditoso seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me ferião!
Ditosos os sentidos que sentião Estar-se em seu desejo traspassando!
Assi cantava, quando Amor virou . A roda á esperança, que corria Tão ligeira, que quasi era invisibil. Converteo-se-me em noite o claro dia; E se alguma esperança me ficou, Será de maior mal, se for possibil..
Lembranças saudosas, se cuidais De me acabar a vida neste estado, Não vivo com meu mal tão enganado, Que não espere delle muito mais. De longo tempo ja me costumais
A viver de algum bem desesperado: Ja tenho co'a Fortuna concertado De soffrer os tormentos que me dais. Atada ao remo tenho a paciencia
Para quantos desgostos der a vida; Cuide quanto quizer o pensamento. Que pois não posso ter mais resistencia Para tão dura quéda, de subida, Aparar-lhe-hei debaixo o soffrimento.
Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava; Que o pastor na memoria a debuxava, Por poder sustentar-se deste engano.
Por huma praia do Indico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava, E os olhos por as águas alongava, Que pouco se doião de seu dano.
Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quiz deixar-me a que eu adoro, Por testimunhas tómo Ceo e Estrellas. Mas se em vós, ondas, mora piedade, Levai tambem as lagrimas que chóro. Pois assi me levais a causa dellas.
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