Tua candida fronte e faces bellas; E os campos formoseias Co'as rosas que semeias, Co'as boninas que gera O teu celeste humor na primavera: Para ti guarda o sítio fresco d'Ilio Para ti o Erymantho e o lindo Pylio E as drogas mais cheirosas Guarda a felice Arabia mais contente. De qual panthera, ou tigre, ou leopardo -Não temêrão teu fero e agudo dardo, Mais remotas e estranhas Tão formosa que a Amor de amor matavas? Pois, Delia, do teu Ceo vendo estás quantos Furtos de puridades, Suspiros, mágoas, ais, musicas, prantos, As conformes vontades, Humas por saudades, Outras por crus indicios Fazem das proprias vidas sacrificios: Ja veio Endymião por estes montes E teu nome, co'os olhos feitos fontes. Em vão sempre chamando, Mercês á tua beldade, Sem que ache em ti hum' hora piedade. Por ti feito pastor de branco gado Só de seu pensamento acompanhado, De todo Amor contrárias, Onde lamenta e chora desventuras. Das castas virgens sempre os altos gritos, Ja nunca consentiste Ouvi-los hum momento, Para ser menos grave o seu tormento. Não fujas, não de mi! Ah não t'escondas Olha como suspirão estas ondas, O seu collo arrogante Move piedosamente, Ouvindo a minha voz fraca e doente. Triste de mi! Qu'alcanço por queixar-me, Pois minhas queixas digo A quem ja ergueo a mão para matar-me, Como a cruel imigo? Mas eu meu fado sigo, Que a isto me destina, E qu'isto só pretende e só m'ensina. Oh quanto ha ja que o Ceo me desengana! Cada vez mais na minha teima insana. Não fujo o desvario; Porque este em que me vejo Engana co'a esperança o meu desejo. Ob quanto melhor föra que dormissem Hum somno perennal Estes meus olhos tristes, e não vissem A causa de seu mal Fugir, a hum tempo tal, Mais cruel que ursa, mais fugaz que cerva! Ai de mi, que me abrazo em fogo vivo, E quando morro mais, então mais vivo! Meu infelice estado, Que quando me convida A morte, para a morte tenha vida. Secreta noite amiga, a que obedeço, Meus queixumes me ouviste) te offereço, Humido inda do pranto, E lagrimas da esposa Do cioso Titão, branca e formosa. ODE II Tão suave, tão fresca e tão formosa, A Aurora no princípio do verão, Bonina pudibunda, ou fresca rosa, Quando os raios do sol no Touro estão, Como esta flor, que os olhos inclinando, Ligeira, bella Nympha, linda, irosa, Satyro, cujo brando coração D'amores commovesse fera irada, Qu'assi fosse fugindo e desprezando Este tormento, donde Amor mostrou Nunca, emfim, cousa bella e rigorosa Qu'iguale aquella fórma e condição, Que as dores em que vivo estima em nada. Mas com tão doce gesto, irado e brando, O sentimento, e a vida m'enlevou, Que a pena lhe agradeço. Bem cuidei d'exaltar em verso, ou prosa, Aquillo que a alma vio Entre a doce dureza e mansidão, Primores de belleza desusada; Mas quando quiz voar ao Ceo cantando, Naquella alta pureza deleitosa Que ao mundo s'encobrio; E nos olhos Angelicos, que são Saudade e suspeita perigosa, Por castigo daquelles que se vão; Amor isento a huns olhos m'entregou, Nos quaes a Deos conheço. |