ODE III Se de meu pensamento Tanta razão tivera d'alegrar-me, Quanto de meu tormento A tenho de queixar-me, Puderas, triste lyra, consolar-me. E minha voz cansada, Com tanta desventura, Tão rouca, tão pezada, nem tão dura. A ser como sohia, Pudera levantar vossos louvores; Vós, minha Hierarchia, Ouvíreis meus amores, Qu'exemplo são ao mundo ja de dores. Alegres meus cuidados, Contentes dias, horas e momentos, Sois de meus pensamentos, Reinando agora em mi duros tormentos! Ai gostos fugitivos! Ai gloria ja acabada e consumida! Qual me deixais a vida! Quão cheia de pezar! quão destruida! Mas como não he morta Ja esta vida? como tanto dura? Como não abre a porta A tanta desventura, Qu'em vão com seu poder o tempo cura? Mas para padecê-la S'esforça o meu sogeito e convalece; A força me fallece, E de todo me cansa e m'enfraquece. Oh bem affortunado Tu, que alcançaste com lyra toante, Do fero Rhadamante, E co'os teus olhos vêr a doce amante! As infernaes figuras Moveste com teu canto docemente; As tres Furias escuras, Implacaveis á gente, Applacadas se vírão de repente. Ficou como pasmado Todo o Estygio Reino co'o teu canto; - De seu eterno pranto, Cessou de alçar Sisypho o grave canto. A ordem se mudava Das penas que regendo está Plutão; A roda de Ixião, E em glória quantas penas alli são. De todo ja admirada A Rainha infernal e commovida, Esposa, que perdida De tantos dias ja tivera a vida. Pois minha desventura, Como ja não abranda hum'alma humana, Qu'he contra mi mais dura, E inda mais deshumana, Que o furor de Callirrhoë profana? Oh crua, esquiva e fera, Duro peito, cruel e empedernido, Lá na Hircania nascido. Ou d'entre as duras rochas produzido! Mas que digo, coitado! E de quem fio em vão minhas querellas? Só vós, ó do salgado, Humido Reino bellas E claras Nymphas, condoei-vos dellas. E d'ouro guarnecidas Vossas louras cabeças levantando Sobre as ondas erguidas, As tranças gottejando, Sahindo todas, vinde a vêr qual ando. Sahi em companhia, E cantando e colhendo as lindas flores; Ouvireis meus amores, E sentireis meus prantos, meus clamores. Vereis o mais perdido E mais infeliz corpo qu'ha gerado; 'Em chôro, e neste estado Sómente vive nelle o seu cuidado. ODE IV Formosa fera humana, Em cujo coração soberbo e rudo Do vingativo Amor, que vence tudo, De quantas settas tinha tee quebradas: Amada Circe minha, Postoque minha não, com tudo amada; E se mais tenho, mais entregarei ; Pois natureza irosa Da razão te deo partes tão contrárias, Folgues de te queimar em flammas várias, Mais qu'em quanto allumia o mundo a lua; Pois triumphando vás De razão, de juizo e de sentidos, Pois tanto te contenta Ver o nocturno moço, em ferro envolto, De Jupiter em ágoa e vento sôlto, Lhe tee seu bem, de mágoa adormecido; Porque não tens receio Que tantas insolencias e esquivanças A soberbas e doudas esperanças, E contra ti se accenda o fero Amor? Olha a formosa Flora; De despojos de mil suspiros rica, Que lá em Thessalia, emfim, vencido fica, Que altares lhe deo Roma e nome santo. Olha em Lesbos aquella No seu salteiro insigne conhecida; Dos muitos que por ella Se perderão, perdeo a chara vida Na rocha que se infama Com ser remedio extremo de quem ama. |