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LIV

Quando vejo que meu destino ordena

Que, por me exprimentar, de vós mè aparte,
Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena;
O duro desfavor, que me condena,
Quando por a memoria șe reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dôr da ausencia fica mais

pequena.

Mas como póde ser que na mudança
D'aquillo que mais quero, esté tão fóra
De me não apartar tambem da vida?
Eu refrearei tão áspera esquivança:
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.

LV

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lagrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãamente dados,
Como não sois vós ja desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortaes feridas,

Que Amor fez sem remedio, o Tempo, os Fados?

Se não tivereis ja longa exp'riencia

Das semrazões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistencia.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausencia,
Qual bem delle esperais, desejos tristes?

LVI

Naiades, vós que os rios habitais,

Que os saudosos campos vão regando, De meus olhos vereis estar manando Outros que quasi aos vossos são iguais. Dryades, que com setta sempre andais Os fugitivos cervos derribando, Outros olhos vereis, que triumphando Derribão corações, que valem mais. Deixai logo as aljavas e águas frias, E vinde, Nymphas bellas, se quereis, A vêr como de huns olhos nascem mágoas. Notareis como em vão passão os dias; Mas em vão não vireis, porque achareis Nos seus as settas, e nos meus as ágoas.

LVII

Mudão-se os tempos, mudão-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo he composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vêmos novidades,

Differentes em tudo da esperança:
Do mal ficão as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que ja coberto foi de neve fria,

E em mi converte em chôro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mór espanto,

Que não se muda ja como sohia.

LVIII

Se as penas com que Amor tão mal me trata
Permittirem que eu tanto viva dellas,
Que veja escuro o lume das estrellas,
Em cuja vista o meu se accende e mata;
E se o tempo, que tudo desbarata,

Seccar as fresças rosas, sem colhellas,
Deixando a linda côr das tranças bellas
Mudada de ouro fino em fina prata;
Tambem, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva ja sua mudança.
Vêr-vos-heis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.

LIX

Quem jaz no grão sepulchro, que descreve
Tão illustres signaes no forte escudo?
Ninguem; que nisso, em fim se torna tudo:
Mas foi quem tudo pôde e tudo teve.
Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei se deve:
Poz na guerra e na paz devido estudo.
Mas quão pezado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.
Alexandro será? Ninguem se engane:

Mais que o adquirir, o sustentar estima. Será Hadriano grão Senhor do mundo? Mais observante foi da Lei de cima.

He Numa? Numa não, mas he Joane
De Portugal Terceiro sem segundo.

LX

Quem póde livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juizo socegado,

Se o menino, que de olhos he privado,
Nas meninas de vossos olhos mora?

Alli manda, alli reina, alli namora,
Alli vive das gentes venerado;
Que o vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens são adonde Amor se adora.
Quem vê que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vão cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,
Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito traspassando,
Assi como hum crystal o sol traspassa.

LXI

Como fizeste, ó Porcia, tal ferida?
Foi voluntaria, ou foi por innocencia?

He

que Amor fazer só quiz exp'riencia
Se podia eu soffrer tirar-me a vida.

E com teu proprio sangue te convida
A que faças à morte resistencia?
He que costume faço da paciencia,
Porque o temor morrer me não impida.

Pois

porque estás comendo fogo ardente, Se a ferro te costumas? He que ordena Amor que morra, e pene juntamente. E tees a dôr do ferro por pequena?

Si; que a dôr costumada não se sente;

E não quero eu a morte sem a pena.

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LXII

De tão divino accento em voz humana,
De elegancias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras não são dinas;
Que o rudo engenho meu me desengana.

Q

Porém da vossa penna illustre mana
Licôr que vence as águas Caballinas;
E comvosco do Tejo as flores finas
Farão inveja á cópia Mantuana.

E pois, a vós de si não sendo avaras,
As filhas de Mnemosine formosa
Partes dadas vos tee ao mundo claras;

A minha Musa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem nelle chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.

LXIII

Debaixo desta pedra está metido,
Das sanguinosas armas descansado,
O Capitão illustre e assinalado
Dom Fernando de Castro esclarecido.

Este
por todo o Oriente tão temido,
Este da propria inveja tão cantado,
Este, em fim, raio de Mavorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.

́Alegra-te, ó guerreira Lusitania,
Por est'outro Viriato que criaste,

1

E chora a perda sua eternamente.

Exemplo toma nisto de Dardania;

Que se a Roma com elle anniquilaste,
Nem por isso Carthago está contente.

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