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Do bem me fazem tãò desamparado,
Que não pode ser mais qu'imaginado?

Fortuna, emfim, co'o Amor se conjurou
Contra mi, porque mais me magoasse:
Amor a hum vão desejo me obrigou,
Só para que a Fortuna mo negasse.
O tempo a tal estado me chegou;
E nelle quiz que a vida se acabasse;
Se ha em mi acabar-se, o qu'eu não creio;
Que até da muita vida me receio.

II

Como nos vossos hombros tão constantes.
(Principe illustre e raro) sustenteis
Tantos negocios arduos e importantes,
Dignos do largo imperio, que regeis;
Como sempre nas armas rutilantes
Vestido, o mar e a terra segureis
Do pirata insolente, e do tyrano
Jugo do potentissimo Othomano:

E como com virtude necessaria,
Mal entendida do juizo alheio,
Á desordem do vulgo temeraria
Na santa paz ponhais o duro freio;
Se com minha escriptura longa e vária
Vos occupasse o tempo, certo creio
Que com vagante e ociosa phantasia
Contra o commum proveito peccaria.

E não menos seria reputado
Por doce adulador, sagaz e agudo.

Que contra meu tão baixo e triste estado.
Busco favor em vós que podeis tudo;

Se contra a opinião do vulgo errado
Vos celebrasse em verso humilde e rudo.
Dirão, que com lisonja ajuda peço
Contra a miseria injusta que padeço.

Porém, porque a verdade póde tanto
No livre arbitrio (como disse bem
Ao Rei Dario o moço sabio e santo,
Que foi reedificar Hierusalem)

Esta m'obriga a qu'em humilde canto,
Contra a tenção que a plebe ignara tem,
Vos faça claro a quem vos não alcança;
E não de premio algum vil

esperança.

Romulo, Baccho e outros que alcançárão
Nomes de semideoses soberanos,
Em quanto por o mundo exercitárão
Altos feitos, e quasi mais que humanos,
Com justissima causa se queixárão
Que não lhes respondêrão os mundanos
Favores do rumor justos e iguaes
A seus merecimentos immortaes.

Aquelle, que nos braços poderosos
Tirou a vida ao Tingitano Anteo,
E a quem os seos trabalhos tão famosos
Fizerão Cidadão do claro Ceo;

Achou que a má tenção dos invejosos
Não se doma, senão despois que o véo
Se rompe corporal: porque na vida
Ninguem alcança a glória merecida.

Pois logo, se Barões tão excellentes
Forão do baixo vulgo molestados,
O vituperio vil das rudas gentes,
He louvor dos Reaes, e sublimados.
Quem no lume dos vossos Ascendentes
Poderá pôr os olhos, que abalados
Lhes não fiquem da luz, vendo os maiores
Vossos passados, Reis e Imperadores?

Quem verá aquelle Pae da Patria sua,
Açoute do soberbo Castelhano,
Que o duro jugo só, co'a espada nua,
Removeo do pescoço Lusitano,

Que não diga: Ó grão Nuno, a eterna tua
Memoria causará, se não m'engano,
Que qualquer teu menor tanto s'estime,
Que nunca possa ser senão sublime?

Nisto não fallo mais, porque conheço
Que da materia se me baixa o engenho."
Mas, pois a dizer tudo m'offereço,
E dias ha que no desejo o tenho,
Sendo vós de tão alto e illustre preço,
A vida fostes pôr n'hum fraco lenho,
Por largo mar e undosa tempestade,
Só por servir á Regia Magestade.

E despois de tomar a redea dura.
Na mão, do povo indomito qu'estava
Costumado a larguezas, e á soltura
Do pezado governo que acabava;
Quem não terá por santa e justa cura,
Qual do vosso conceito s'esperava.

A tão desenfreada enfermidade
Applicar-lhe contrária qualidade?

Não he muito, Senhor, se o moderado
Governo se blasphema e se desama;
Porque o povo á largueza costumado,
Á lei serena e justa, dura chama.

Pois o zêlo em virtude só fundado
De salvar almas da Tartarea flama
Com a água salutifera de Christo,
Poderá por ventura ser malquisto?

Quem quizesse negar tão grã verdade,
Qual he o seu effeito santo e pio;
Negue tambem ao sol a claridade,
E certifique mais que o fogo he frio.
Se o successo he contrário da vontade
Nas obras que são boas, e ha desvio;.
Está nas mãos dos homens commettellas,
E nas de Deos está o successo dellas.

Sei eu, e sabem todos que os futuros
Verão por vós o Estado accrescentado,
Serão memoria vossa os fortes muros
Do Cambaico Damão bem sustentado:
Da ruina mortal serão seguros,
Tendo todo o alicerce seu fundado
Sobre orfãas amparadas com maridos,
E pagos os serviços bem devidos.

Quamanha infamia ao Principe he perder-se Pouco do Estado seu, que inteiro herdou, Tanto por glória grande deve ter-se.

Se accrescentado e próspero o deixou.
Nunca consentio Roma ennobrecer-se
Com triumphos alguem, se não ganhou
Provincia com que o Imperio s'augmentasse,
Por maiores victorias qu'alcançasse.

Póde tomar o vosso nome dino

Damão, por honra sua clara e pura,
Como ja do primeiro Constantino
Tomou Byzancio aquelle qu'inda dura.
E tu, Rei, que no Reino Neptunino,
Lá no seio Gangetico a Natura
Te aposentou, de ser tão inimigo.
Deste Estado não ficas sem castigo.

Bem viste contra ti nadantes aves
Cortar a espumosa água navegando;
Ouviste o som das tubas, não suaves.
Mas com temor horrifero soando;
Sentiste os golpes ásperos e graves
Do Lusitano braço nunca brando,
Não soffreste o grão brado penetrante,
Que os trovões imitava do Tonante.

Mas antes dando as costas e a victoria.

Á Bragancez ventura não corrido,
Déste bem a entender quão grande glória
He de tal vencedor o ser vencido.
Quem faz obras tão dignas de memoria
Sempre será famoso e conhecido,
Onde os altos juizos o estimarem,
Qu'estes sós tee poder de fama darem.

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