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Não vos temais, Senhor, do povo ignaro,
Tão ingrato a quem tanto faz por elle:
Mas sabei qu'he signal de serdes claro
O ser agora tão malquisto delle.
Themistocles, da patria sua amparo,
O forte e liberal Cimon, e aquelle
Que Leis ao povo deo d'Esparta antigo,
Testimunhas serão de quanto digo.

Pois ao justo Aristides hum robusto,
Votando no ostracismo costumado,
Lhe disse claro assi: Porque era justo
Desejava que fosse desterrado.
Pachitas por fugir do povo injusto
Calumnioso, dando no Senado

Conta de Lesbos, qu'elle ja mandára,
Se tirou co'o seu ferro a vida chara.

Demosthenes, lançado das tormentas
Populares, Ó Pallas! foi dizendo,

Que de tres monstros grandes te contentas,
Do drago e moucho, e do vil

povo

horrendo!

Que glórias immortaes houve, qu'isentas
Do veneno vulgar fossem vivendo?

Pois mil exemplos deixo de Romanos,
E vós tambem sois hum dos Lusitanos.

III

Mui alto Rei, a quem os Ceos em sorte
Derão o nome augusto e sublimado
Daquelle Cavalleiro que na morte,
Por Christo, foi de settas mil passado;

Pois delle o fiel peito, casto e forte,
Co'o nome Imperial tendes tomado,
Tomae tambem a setta veneranda
Que a vós o Successor de Pedro manda.

Ja

por ordem do Ceo, que o consentio,
Tendes o braço seu, reliquia chara,
Defensor contra o gladio que ferio
O povo que David contar mandára.
No qual, pois tudo em vós se permittio,
Presagio temos, e esperança clara,
Que sereis braço forte e soberano
Contra o soberbo gladio Mauritano.

E o que hum presagio tal agora encerra,
Nos faz ter por mais certo e verdadeiro
A setta, que vos dá quem he na terra
Dos celestes thesouros Dispenseiro:
Que as vossas settas são na justa guerra
Agudas, e entrarão por derradeiro,
(Cahindo a vossos pés povo sem lei)
Nos peitos que inimigos são do Rei.

Quando vossas bandeiras despregava
Albuquerque fortissimo com glória
Por as praias de Persia, e alcançava
De Nações tão remotas a victoria;
As settas embebidas, que tirava
O arco Armusiano (he larga historia)
Nos ares, Deos querendo, se viravão,
Pregando-se nos peitos que as tiravão.

O querido de Deos, por quem peleja,
O ar tambem, e o vento conjurado,

Ao atambor acode, porque veja

Que o que a Deos ama, he de Deos amado.
Os contrarios reveis á Madre Igreja
Atroarão co'o tom do Ceo irado.

Que assi deo ja favor maior que humano
A Josué Hebreo, Theodosio Hispano.

Pois se as settas tiradas da inimiga
Corda, contra si só nocivas são,
Que farão, Rei, as vossas que tee liga
Com a que ja tocou Sebastião?

Tinta vem do seu sangue, com que obriga
A levantar a Deos o coração,

Crendo bem que as que vós despedireis,
No sangue Sarraceno as tingireis.

Ascanio (se trazer me he concedido
Entre santos exemplos hum profano)
Rei do Imperio, despois tão conhecido,
De Roma, e só reliquia do Troiano,
Vingou com setta e animo atrevido
As soberbas palavras de Numano;
E logo foi dalli remunerado
Com louvores de Apollo, e celebrado.

Assi vós, Rei, que fostes segurança
De nossa liberdade, e que nos dais
De grandes bens certissima esperança;
Nos costumes, e aspecto que mostrais,
Concebemos segura confiança
Que Deos, a quem servis e venerais,
Vos fará vingador dos seus reveis,
E os premios vos dará que mereceis.

Estes humildes versos, que pregão
São destes vossos Reinos com verdade,
Recebei com benigna e Real mão,
Pois he devida a Reis benignidade.
Tenhão (se não merecem galardão)
Favor sequer da Regia Magestade:
Assi tenhais de quem ja tendes tanto,
Com o nome e reliquia, favor santo.

IV

Despois que a clara Aurora a noite escura
Com novo resplandor foi desfazendo,
E Phebo por os montes e espessura
Os seus dourados raios estendendo:
Se buscava nos valles a verdura
O manso gado a luz serena vendo,
Quando a férvida sésta ja abrazava,
Todo o animal da calma repousava.

Ja por fugir do sol o fogo ardente,
As sombras os rebanhos vão buscando;
Os tenros cabritinhos juntamente
Apoz as mansas mães hião saltando;
Tangendo as suas frautas docemente
Os pastores, estavão enganando
A gra chamma solar qu'então ardia;
Só Liso o ardor della não sentia.

Tristes lembranças tanto o traspassavão,
Que a dura sésta nellas só passava;
O tempo qu'em prazer outros gastavão,
Em celebrar seu mal elle o gastava:

As festas que com jogos celebravão,
Elle com suspirar as celebrava:
Nada buscava mais, mais não queria
Que o repouso do fogo em qu'elle ardia.

Os repetidos jogos dos pastores,
As lutas entre a rama repetidas,
Em nada lhe divertem suas dores:
Mas antes n'alegria as vê crescidas.
Como o repouso roubão os amores
Ás almas que para elles são nascidas,
Elle, todo o repouso qu'esperava,
Consistia na Nympha que buscava.

Com o chôro, que ja corria em fio
Por o pallido rosto, augmenta as fontes,
Que levão água estranha ao claro rio

Que os valles vai regando entre altos montes.
Com suspiros a quem o ecco pio
Responde de apartados horizontes,
Os ventos parecia qu'enfreava,
Os montes parecia que abalava.

Que ás queixas de seus doces pensamentos
Se movessem os montes mais constantes,

Se

parassem os mais veloces ventos,
Qu'estavão, que corrião circumstantes,
Bem se devia á dór de seus tormentos,
E inda que fosse em peitos de diamantes;
Que hum peito de diamante abrandaria
O triste som das mágoas que dizia.

Porém elle as dizia a outro peito,
Mais. que diamante, inexpugnavel, duro:

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