E fazendo-se mais em qualquer hora, Levando vão traz ti meu.pensamento: Porém soberbos vejo desde agora, Por a causa gentil de seu tormento, Minha alma, meu desejo, meu sentido, Porque á tua belleza se hão rendido.
A
de tua rara formosura
Se desconhece o mór merecimento; A tua claridade torna escura
Do sòl a clara luz em hum momento.
Se Zeuxis ao formar bella figura, A vista em ti pudera pôr attento, Mais alto original houvera achado Para admirar o mundo co'o traslado.
Aquelles qu'escreverão mil louvores De formosura, graça e gentileza, Todos forão, Senhora, huns borradores De tua perfeitissima belleza.
Agora se vê claro em teus primores Qu'em ti s'esmerou mais a natureza; E qu'erão os seus cantos prophecias. Do que havias de ser em nossos dias.
Vê, pois, se vinha a ser culpavel falta Em mi o não render-te amante a vida, E se deixar d'amar glória tão alta Era digno da pena mais crescida. Emfim, eu te amarei; que Amor m'exalta Co'o castigo de culpa assi atrevida:
E quando della caia, maior glória Terá o Tejo, que o Pó, com sua historia.
D'huma formosa virgem desposada, Que d'outras onze mil, tambem formosas, Entrou no claro Olympo acompanhada, Com coroas de lyrios e de rosas; De Christo Esposo seu tão namorada, Que delle as quiz fazer todas esposas; Amor, vida e martyrio cantar quero, Fiado no favor que della espero.
Alcança, Ursula bella (que diante. De tão bello esquadrão foste por guia), De teu suave Amor, que de ti cante O seu amor que no teu peito ardia. Meu verso para ti mais se levante, Ó Christifera, ó heroica companhia; Tanto se mostre aqui mais soberano, Quanto o divino Amor excede o humano.
E vós, unica Mãe e Virgem pura, Pois sois das que tal ordem escolherão, Que fostes, sois, sereis guarda segura Da pureza que a Deos offerecerão; Neste canto me dae melhor ventura. Do que atégora as Musas vãas me derão: Vossas servas serão de mi servidas, Cantadas suas mortes, suas vidas.
Serenissima Infante, produzida Do grão Tronco Real, sublime Planta; No titulo, nas obras e na vida,
Retrato natural de Ursula Santa, Desta virgem, tambem de Reis nascida, Ouvi com ledo rosto o que se canta; Dae o sentido hum pouco a tal sogeito: Não lhe tire seu preço o meu defeito.
No tempo que Ciriáco se sentava Na Cadeira de Pedro pescador, De que com sãa doutrina apascentava As Ovelhas de Christo, Bom Pastor; Teve Bretanha hum Rei, que professava A Lei que deo no mundo o Redemptor, Justo e temente ao Ceo, pio e devoto, Chamado Mauro d'huns, e d'outros Noto.
De virtudes hum novo exemplo e raro, Em idade e belleza florecia
Ursula, por quem Noto era mais claro, Que por todo o poder que possuia; Com quem em nada o Ceo quiz ser avaro, Com quem todas as graças repartia ; Prudente, honesta e docta a maravilha, De tão ditoso pae ditosa filha.
Aquella que por o ar com ligeireza. As pennas de mil azas abre e cerra, E que com velocissima presteza Com outros tantos pés corre por terra; Aquella, que de sua natureza
Não cuida em quanto diz se acerta ou erra, E d'huma em outra boca se derrama: Aquella, emfim, a quem chamamos Famia;
Hia por todo o mundo divulgando Extremos desta virgem soberana, Aquella formosura celebrando Com que Amor cego a tanta vista engana: Mas hia d'alma sua publicando, Porqu'era mais divina do que humana: Ja d'huma, e d'outra ja dizia tanto, Qu'em huns criava amor, n'outros espanto.
Ouvidos seus louvores, muitas vezes
Desejou desta virgem fazer nora Hum Rei que o sceptro tinha dos Inglezes, Idolatras então, cegos agora.
Ó povo cego e leve! as torpes fezes Aparta do ouro puro e lança fóra, Torna-te ao teu pastor, perdido gado! Olha que vás sem elle mal guiado.
Hum filho deste Rei (de quem dizia Que ser de Ursula sogro desejava) Movido do rumor que della ouvia, Ja dentro no seu peito a namorava. Alli seu amor, delle, lhe offrecia; Alli por o amor della suspirava.· Suspira elle por ella; ella suspira Tambem por outro amor que nunca víra.
Mandou o Rei Inglez Embaixadores Com pompa Regia e lustre sumptuoso, (Do grande Reino seu grandes Senhores) A Noto, Rei não tanto poderoso. Pedio-lhe a bella filha (qu'em amores Ardia toda do celeste Esposo)
Para esposa do filho, que sabia Que ja d'amores della todo ardia.
O Rei Bretão se achava descontente Com a nova embaixada de Inglaterra: Receia que se nella não consente, O gentio lhe mova cruel guerra: Porque sendo mais rico e mais potente, Assi no largo mar, como na terra, Quando desprezos visse de seu rôgo, Podia pôr Bretanha a ferro e fogo.
Sobre este não errado pensamento Do medo de perder seu senhorio, Novo discurso tinha e novo intento, Com que se achava mais medroso e frio. Estranhava o fazer ajuntamento
Da catholica filha co'hum gentio; Pois nem a Lei de Christo o permittia, Nem Ursula fiel o admittiria.
Estando o pac em tal angústia pôsto, Divinamente a filha ja inspirada Lhe assegurava com sereno rosto Que consentir podia na embaixada; Dizendo que se o Inglez levava gosto D'ella com seu herdeiro ser casada, Primeiro lhe mandasse dez donzellas, Do Reino as mais illustres, as mais bellas.
Que mil daria a cada virgem destas, E que a ella outras mil tambem daria. Todas de claro sangue, e em vista honestas.
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