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LXXXIV

Ondados fios de ouro reluzente,
Que agora da mão bella recolhidos,
Agora sôbre as rosas esparzidos
Fazeis que a sua graça se accrescente;
Olhos, que vos moveis tão docemente,
Em mil divinos raios incendidos,

Se de cá me levais a alma e sentidos, Que fôra, se eu de vós não fôra ausente? Honesto riso, que entre a mór fineza

De perlas e coraes nasce e apparece;
Oh quem seus doces ecos ja lhe ouvisse!
Se imaginando só tanta belleza,

De si com nova gloria a alma se esquece,
Que será quando a vir? Ah quem a visse!

LXXXV

Foi ja n'hum tempo doce cousa amar,
Em quanto me enganou huma esperança:
O coração com esta confiança
Todo se desfazia em desejar.

Oh vão, caduco e debil esperar!

Como, em fim, desengana huma mudança!
Que quanto he mór a bem-aventurança,
Tanto menos se crê que ha de durar.
Quem ja se vio com gostos prosperado,
Vendo-se brevemente em pena tanta,
Razão tee de viver bem magoado.

Mas quem ja tee o mundo exprimentado,
Não o magoa a pena, nem o espanta;
Que mal se estranhára o costumado.

LXXXVI

Dos antigos Illustres, que deixárão
Hum nome digno de immortal memoria,
Ficou por luz do tempo a larga historia
Dos feitos em que mais se avantajárão.
Se com suas acções se cotejárão

Mil vossas, cada huma tão notoria,
Vencera a menor dellas a mór gloria
Que elles em tantos annos alcançárão.
A gloria sua foi: ninguem lha tome:

Seguindo cada qual varios caminhos Estatuas mereceo no heroico Templo. Vós honra Portugueza e dos Coutinhos, Clarissimo Dom João, com melhor nome A vós encheis de gloria, a nós de exemplo.

LXXXVII

Conversação doméstica affeiçoa,

Ora em fórma de limpa e sãa vontade,,
Ora de huma amorosa piedade,

Sem olhar qualidade de

pessoa.

Se despois, por ventura, vos magóa
Com desamor e pouca lealdade,
Logo vos faz mentira da verdade

O brando Amor, que tudo, em fim, perdoa,

Não são isto que fallo conjecturas

Que o pensamento julga na apparencia,
Por fazer delicadas escripturas.

Metida tenho a mão na consciencia,
E não fallo senão verdades puras
Que me ensinou a viva experiencia.

LXXXVIII

Esforço grande, igual ao pensamento,
Pensamentos em obras divulgados,
E não em peito timido encerrados,
E desfeitos despois em chuva e vento;
Animo da cobiça baixa isento,
Digno por isto só de altos estados,
Fero açoute dos nunca bem domados
Povos do Malabar sanguinolento;

Gentileza de membros corporaes
Ornados de pudíca continencia,
Obra por certo da celeste altura:

Estas virtudes raras e outras mais,
Dignas todas da Homerica eloquencia,
Jazem debaixo desta sepultura.

LXXXIX

No mundo quizo Tempo que se achasse
O bem que por acêrto, ou sorte vinha;

E

por exprimentar que dita tinha,

Quiz que a fortuna em mi se exprimentasse.

Mas porque o meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou vêr que desejasse.

Mudando andei costume, terra, estado,
Por vêr se se mudava a sorte dura:
A vida puz nas mãos de hum leve lenho.

Mas, segundo o que o Ceo me tee mostrado,
Ja sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho ja que não a tenho.

XC

A perfeição, a graça, o doce geito,

A Primavera cheia de frescura,

Que sempre em vós florece; a que a ventura,
E a razão entregárão este peito;
Aquelle crystallino e puro aspeito,

Que em si comprehende toda a formosura;
O resplandor dos olhos e a brandura,
Donde Amor a ninguem quiz ter respeito;
S'isto que em vós se vê, vêr desejais,
Como digno de vêr-se claramente,
Por muito que de Amor vos isentais;
Traduzido o vereis tão fielmente
No meio deste espirito onde estais,
Que vendo-vos sintais o que elle sente.

XCI

Vós, que de olhos suaves e serenos,
Com justa causa a vida captivais,

E

que

os outros cuidados condemnais
Por indevidos, baixos e pequenos;

Se de Amor os domesticos venenos
Nunca provastes, quero que sintais
Que he tanto mais o amor despois que amais,
Quanto são mais as causas de ser menos.

E não presuma alguem que algum defeito,
Quando na cousa amada se apresenta,
Possa diminuir o amor perfeito:

Antes o dobra mais; e se atormenta,

Pouco a pouco desculpa o brando peito;

Que Amor com seus contrarios se accrescenta.

XCII

Que poderei do mundo ja querer,

Pois no mesmo em que puz tamanho amor,
Não vi senão desgosto e desfavor,

E morte, em fim; que mais não pode ser? Pois me não farta a vida de viver,

Pois ja sei que não mata grande dor,
Se houver cousa que mágoa dê maior,
Eu a verei; que tudo posso ver.

A morte, a meu pezar, me assegurou
De quanto mal me vinha: ja perdi
0 que a perder o medo me ensinou.
Na vida desamor sómente vi,

Na morte a grande dôr que me ficou:
Parece que para isso só nasci.

XCHI

Pensamentos, que agora novamente
Cuidados vãos em mi resuscitais,
Dizei-me: E ainda não vos contentais
De ter a quem vos tee tão descontente?

Que phantasia he esta, que presente

Cad'hora ante os meus olhos me mostrais? Com huns sonhos tão vãos inda tentais Quem nem por sonhos póde ser contente? Vejo-vos, pensamentos, alterados,

. E não quereis, de esquivos, declarar-me
Que he isto que vos traz tão enleados?

Não me negueis, se andais para negar-me;
Porque se contra mi 'stais levantados,
Eu vos ajudarei mesmo a matar-me.

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