SONETO CLXXI Queixa-se o Poeta da sorte que em tão verde cortou a sua alegria. Tanto bem não podia deixar de ter um tal desconto. Poz este soneto Faria e Sousa em seguimento do soneto CLXX, por lhe parecer que o sentimento n'elle expressado se refere á morte da dama descripta no outro. Oh quanto feneceo naquelle dia. Oh quanto se acabo en solo un dia. Garcilasso, Soneto XXVI. Adverte Faria e Sousa que Garcilasso caiu em um descuido n'este soneto, que foi o repetir nos tercetos o mesmo consoante que tinha usado nos tercetos; descuido en que tambem incorreu o nosso Poeta nos Lusiadas, canto vii, estancia LVIII, em que os versos I, III, V, VII e VIII são do mesmo consoante. SONETO CLXXII Silvio prophetisa a Liso que quando o fado o quizer o virão a opprimir em um só dia dois lobos, um lhe dégolará todo o gado vaccum, e o outro lhe roubará a cordeira gentil que tanto ama. Este soneto nos manuscriptos é nas primeiras edições, vem com o titulo das suas perdições. É allusivo ao seu naufragio e á morte da sua D. Catharina de que devia ter conhecimento, pouco mais ou menos, pelo mesmo tempo. Quando passava Sylvio, e me dizia. Quando passando Silvio me dizia. Edição de 4616. Liso, quando quizer o fado ́escuro. Meris quando quizer o fado escuro. Edição de 1616. Liso estava em um manuscripto que pertencia a Faria e Sousa. E por mais damno o outro me matou. E outro por meu dano me matou. Edição de 1616. SONETO CLXXIII Pede as ondas do mar que lhe restituam a sua amante que morreu n'elle afogada. N'este soneto é o pescador Aonio o interlocutor, no soneto é Moutano. Lindo soneto, uma das mais bellas poesias do nosso Camões. Como é repassada da mais terna melancholia, ternura e affectos verdadeiros; que propriedade no estylo para descrever os sentimentos que rompem de um coração extremamente maguado, em resultado da catastrophe que deu logar a esta composição! Como é lugubre e tristemente cadenceado o metro para traduzir a dolorosa situação de uma alma saudosa que deplora uma perda irremediavel! O soneto é igualmente escripto; o primeiro quarteto é da maior belleza, e o ultimo terceto inimitavel. SONETO CLXXIV 1 Queixa-se da fortuna e do seu mau fado que lhe fez provar gostos passados, trocando-lh'os em males dobrados. Quanto melhor lhe fora não ter visto os doces bens de amor! Deixe pois a alma de queixar-se, pois amou tanto em vão, em vão se queixe. Não sei distinguir se este amar de que se queixa se deve attribuir à morte da amante, se a contratempos de amor. Faria e Sousa pretende que prosegue o assumpto do antecedente, e que é escripto depois da morte da amante. Na edição de 1668, onde apparece pela primeira vez, vem inteiramente differente, por esta fórma: Ah Fortuna cruel, ah duros Fados, Quão azinha em meu dano vos mudastes, Deixaste-me sentir os bens passados, Ah quanto melhor fôra não vos ver Sem vós ja me não fica que perder, Que por mor perda minha não perdi. SONETO CLXXV Ausente da sua amante, consola-se no seu pranto com a esperança. Diz aos seus olhos que não chorem, mostrando-se na ausencia tão saudosos, se sabem quanto póde uma esperança; que não chorem para não aggravar os olhos da sua amante. Foi provavelmente feito na India, e prova que os seus amores eram correspondidos na ausencia. Que lagrimas tenhais por mantimento. Cita Faria e Sousa logares de differentes poetas, analogos a este verso: porei aqui os principaes: Fuerunt mihi lacrymæ meæ panes die ac noct». David, Psalmo XII. Cibabis nos pane lacrymarum: et potum dabis nobis in lacrymis in mensura? David, Psalmo LXXIX. Quasi litteralmente traduziu o nosso Camões: As lagrimas que então bebo e o pão que como, Se sabeis quanto póde huma esperança.. Jam mala finisem letho; sed credula vitam Tibullo, Elegia n, liv. vù. SONETO CLXXVI Pede á memoria, que continuamente lhe está representando o bem passado, o acabe de matar; pois é melhor do que estar sempre morrendo com a representação da esperança perdida, que fazia antes suave o seu tormento. É escripto provavelmente na India depois da morte da sua D. Catharina de Athaide. Vejam-se os sonetos xv e xvIII. Do quarto verso do primeiro quarteto em diante, faz differença este soneto na edição de 1668, por esta fórma: Não me deixeis morrer em tal estado. Mas se tambem de tudo está ordenado Que muito melhor he perder a vida, Assi que nada perde quem perdida A esperança tras de sua gloria, Se esta vida hade ser sempre em tormento. SONETO CLXXVII Arrepende-se da vida passada, quanto tempo perdeu, e como foi enganosa; os castellos que erguia o pensamento os via derrubados em um momento no chão. Os castellos que erguia o pensamento. Veja-se sobre este soneto o LXXX è a elegia á morte de D. Alvaro da Silveira. Parece-me feito depois da morte de D. Catharina de Athaide: Pois tudo pára em morte, tudo em vento. Imitou o soneto 1 de Garcilasso, mesmo nos consoantes: Quando me paro a contemplar mi estado Y aver los passos por do me ha traido. Em um manuscripto achou Faria e Sousa este soneto em nome do conde de Vimioso, porém em castelhano; é possivel que o traduzisse. SONETO CLXXVIII Já cantou, já chorou a guerra sustentada por amor largos annos, porém elle The vedou de a revelar para não desenganar os que o seguem. Pede ás musas o inspirem para cantar em seus versos estes desenganos; se lhe concedem um tal favor posto em triste estado dará contente a sua lyra ao seu templo. Ja cantei, ja chorei a dura guerra. O mesmo pensamento de cantar, e depois vir a chorar expressa nos sonetos III, CLXVII, CLXXXII e ccci, e n'outras poesias. Vezes mil me vedou dizer seus danos. Veja-se o soneto 1. Parece ser feito este soneto para proemio dos sonetos em que o Poeta cantava os desenganos de amor. Ja cantei, ja chorei a dura guerra. Com grandes esperanças ja cantei. Soneto III. Eu cantei ja, e agora vou chorando. Soneto CLXVII. Se ao canto dei a voz, dei a alma ao pranto. Soneto LXXXII. Vezes mil me vedou dizer seus danos. Do mesmo modo se expressou o nosso Poeta no soneto 1: Porém temendo amor que aviso désse Vós que fazeis á morte mil enganos. Sobre o uso que o Camões faz do vocabulo engano e as differentes accepções em que é por elle tomado, vejam-se os logares apontados por Faria e Sousa no commentario ao soneto LIII. Muitos poetas usaram d'esta expressão de enganar a morte por immortalizar-se; o Bembo, Guidiceron Marteli, o Paterno, Mario de Leo, Bernardo Tasso e o Garcilasso; este ultimo: Hara tantos enganos a la muerte. Egloga u. De quanto em glorias prometidas mente. De querer servir de exemplo aos outros de quanto engana e mente o amor com as suas promessas, vejam-se os tercetos do soneto LXXIII. Que inda que em triste estado me contemplo. Quando me paro a contemplar mi estado. Garcilasso, soneto 1.\ SONETO CLXXIX Cheio de vergonha e arrependido, revolve na memoria os erros da mocidade fugitiva, passados em desejos vãos, vãos choros e vãos cuidados, que o tempo dissipou. Já o não podem contentar pretensões, falsas phantasias, poisque o tempo reduziu a cinzas a chamma ardente do seu peito. Bem se vê que é feito depois da morte de D. Catharina de Athaide, vem nas rimas ao bom Jesus de Diogo Bernardes, como seu. Na verdade o assumpto não parece ser applicavel á vida de Bernardes. Apoz das fugitivas alegrias. Nota Faria e Sousa o artificio d'este verso composto de só quatro palavras para representar a ephemera rapidez dos gosos da vida. O terceiro verso do quarteto não é menos bello: Movem-se os tristes mais pesadamente. Em onze syllabas de que se compõe o hendecasyllabo, tem cinco pausas, para expressar a lentidão com que passam os dias amargurados; nem é menos imitativo o terceiro verso; todo o quarteto é mui pathetico e habilmente conduzido. Por esta occasião transcreve Faria e Sousa alguns outros versos do Poeta, de uma igual imitação, e interessantes pelo seu estylo de escrever: Nellas revolvo agora erros passados. Nellas envolvo agora erros passados. Bernardes. A lição de Camões parece mais natural; é proprio das cinzas o serem revolvidas. No soneto de Bernardes, no verso XII, se repete o mesmo verbo enrolvo em logar de revolvo. A quem vergonha e dor minha alma deve. Imita Petrarcha no soneto 1: In sul mio primo giovenil errore... Favola fui gran tempo; onde sovente SONETO CLXXX. Este soneto é o LXXV nas Flores do Lima de Diogo Bernardes; no poeta do Lima os quartetos têem alguma differença, e os tercetos muita: em um manuscripto diz Faria e Sousa o encontrára tambem ein nome de Francisco de Sá de Miranda. Esforça-se o commentador em provar com a analogia da vida do Poeta como o enunciado no soneto pertence a Camões, pois é relativo aos seus amores infelizes com D. Catharina de Athaide, e não aos de Diogo Bernardes que veiu a casar com a sua Silvia, que d'elle ficou viuva. Allega mais como prova que Fernão Alvares do Oriente, auctor contemporaneo e muito apaixonado do Poeta, e que só d'elle glosou versos, glosára este soneto na sua Lusitania transformada: Balthazar Estaço que escreveu as suas poesias quasi pelo mesmo tempo do Poeta, glosou em oitavas este soneto. Acrescenta mais Faria e Sousa, que em um manuscripto onde vinham uns vinte e dois sonetos do Poeta, todos dos melhores e impressos, postoque não tinham o nome do auctor, vinha este só com os quartetos. Os sonetos que ali vinham eram os principaes das centurias I, X, XIV, XV, XX, XXXIV, LXIX, LXX, LXXIII e XCVIII. Sobre a pouca analogia da vida de Francisco de Sá de Miranda, com o texto do soneto para se lhe apropriar, adverte que Francisco de Sá de Miranda casou por contrato com uma senhora de idade. Tanto Fernão Alvares como Balthazar Estaço seguem ambos à lição como vem em nome do Poeta, com pequena differença, e com a mesma o traductor castelhano que traduziu este soneto que vem na collecção intitulada: Flores de Poetas illustres Españoles, segundo assevera Faria e Sousa. Esta composição foi |