XCIV Se tomo a minha pena em penitencia Mas se de qualquer áspera mudança Toda vontade isenta Amor castiga, E se em vós não se entende haver vingança, XCV Aquella que, de pura castidade, De si mesma tomou cruel vingança Venceo no fim da vida a esperança, De si, da gente e do mundo esquecida, Ferio com duro ferro o brando peito, Banhando em sangue a força do tyrano. Oh ousadia estranha! estranho feito! XCVI Os vestidos Elisa revolvia, Que Eneas lhe deixára por memoria; Que instrumento, em fim, foi da triste historia; Formosa e nova espada, se ficaste Só porque executasses os enganos Sabe que tu comigo te enganaste; Que para me tirar de tantos danos Sobeja-me a tristeza da partida. XCVII Oh quão caro me custa o entender-te, Me não faltava experiencia e arte; Que eu mesmo, que te tinha, não sabía Descubriste-te agora; e foi por via Que teu 'descobrimento e meu defeito, XCVIII Se despois de esperança tão perdida, Amor por causa alguma consentisse Que inda algum' hora breve alegre visse De quantas tristes vio tão longa vida; Hum'alma ja tão fraca e tão cahida (Quando a sorte mais alto me subisse) Nem tamsómente o Amor me não mostrou Que co'o contentamento me tirou XCIX O raio crystallino se estendia Por o mundo, da Aurora marchetada, Levando a luz em lagrimas banhada, Resplandece, purpurea e branca aurora, Nem tão triste nenhuma outra pastora. C No mundo poucos annos e cansados Buscando á vida algum remedio ou cura: Criou-me Portugal na verde e chara Patria minha Alemquer; mas ar corruto, Me fez manjar de peixes em ti, bruto CI Vós, que escutais em Rimas derramado Sabei que busca só do ja cantado No tempo em que ou temia ou esperava, provou, que eu tanto amava, Piedade, e não perdão, o meu cuidado. Pois vejo que tamanho sentimento Só me rendeo ser fábula da gente, Sirva de exemplo claro meu tormento, Com que todos conheção claramente CII De amor escrevo, de amor trato e vivo; De amor que a lugar alto voe altivo, E funde a gloria sua em ser ousado; No immenso resplandor de hum raio esquivo. Mas ai que tanto amor só pena alcança! Mais constante ella, e elle mais constante, De seu triumpho cada qual só trata. Nada, emfim, me aproveita; que a esperança, Se anima alguma vez a hum triste amante, Ao perto vivifica, ao longe mata. CIII Se da célebre Laura a formosura Hum numeroso cysne ufano escreve, E se voz menos alta te procura Celebrar, (oh Natercia!) em vão se atreve: No Ceo nasceste, certo, e não na terra: Para emendar os vicios que elle encerra, |